**VENTO ERMO NO CAMPO** - Manoel Ferreira
Súbito, a frieza da solidão nos ossos.
Na posse do apelo mudo.
Sou muito pouco etéreo, sou espírito puro.
Esperança inefável vivifica a alma como o orvalho.
O organismo seja vencido por tantas sensações extremas,
Conquanto sinta o tecido da vida desgarrar-se,
Regozijo-me de uma regeneração e de uma ressurreição.
Na negligência da morte.
Plana, rica. Imunda.
De modo que o próprio desequilíbrio teria esquecimento daí. Ocorre-me
que recuperaria o rosto e a expressão de inocente hipocrisia. Se o impalpável
brilho da areia esguichasse o sono. Ansioso. Lamento. A alternância egoísta
reluz aos olhos estremunhados do peito. E, ronda, no fim da noite, a estranha
mão de fogo, dedos de ardências. Sonoridade de asas de pano. Entranhas
chacoalham o vazio.
Meto outro cigarro na boca. Palavras borbulham quentes. Debatem-se sobre
tábuas ásperas. O móvel oscila um pouco. Enérgica distância do que há de ser
apagado em silêncios, no deserto da solidão. Inútil, a incompreensão excitada.
Desvairado, o entendimento lúdico.
Ilusões imergem. Quimeras intros-pectivam-se. Fantasias in-ex-pressíveis
do afluir-a-ser.
Desvario passageiro, entre as mãos, reduzido ao destino que precede mal
ao pescoço que o puxa sempre mais para baixo. Esgares sem palavras. Língua de
fora, quiça à espera de algum vernáculo enviado pelo eterno. Re-correm com um
zelo arrebatado a carniça dialética, di-alogias fétidas e a vontade dos
carrascos.
O eco significa bastante. Indica que a humanidade se renega e os homens
não podem sair nem atingir os limites. O sussurro fornica todos os dons para
cacarejar liberdades. As ruminâncias seduzem os eros para coaxarem os prazeres.
Olho um papel amassado no chão. Estou bem só. Virado para o futuro.
Carta ao Futuro, grito de afirmação. Não dou por mim que enxugo mal os sonos no
ouvido. Enxergo mal ao longe. Miopia. Às portas das tabacarias, não sou nada,
não quero ser nada. Atiro navalhas aos fingimentos. Se me sentisse apenas feliz
até ao absurdo e aos viscosos!... Dúvidas. A verdade brocha. Só os desejos
excitam. A des-crença cobrir-me-ia de vergonha.
O excesso do louco reside no meu prazer. O paradoxo da cultura habita
nas minhas á-gonias. Toda loucura é cultura. Toda cultura é puro desvario. Mãos
ecoam no movimento de dedos. Traço linhas gerais. Facas cortam o osso temporal.
Navalhas dilaceram as entranhas. Espalham cinzas ao comprido de ausências.
Impregnado entendimento de sonhos esgotados.
Idéia louca de ser lua cheia. Ou crescente. Ou não ser lua. Ou não ser
nada. Apenas uma coisa de alguém. Um utensílio qualquer que se esquece em casa.
Deixa na gaveta. Junto com as camisas cheirosas. Sem ser dada ou tomada. Basta
que de vez em quando abra a gaveta. Olhe-me.
Feto, aeiou. Feto, aeiou. Feto. Féretro. Falta-me afeto. Falta-me
redescobri-lo. Des-centralizá-lo. Distribuí-lo. Compartilhá-lo. Entregá-lo.
Estou um feto. Molhado por dentro e por fora.
De dentro para fora.
Esse branco.
Esse sol.
Esse reflexo.
Esse eu.
Misturo. Tudo. Faço nada.
Sensação.
Portão. Plutão.
Este muro já devia ter caído. Todos caem.
Esse entre nós. Entre eu e eu.
A noite cerra as pálpebras com um olhar morto. A interminável madrugada
instaura-se – re-conheço a sedução do pecado. Só e nu. A nudez é dádiva, não
castigo. Toda nudez será plen-ificada. Por dentro, o câncro da indiferença a
comer-me. Sentar-me à beira da vida é o suicídio mais covarde, por manter a
aparência de desejar existir, ser sensível.
Só... O manto verde e amarelo vem e corta-me pelo limite do grito. O
sobretudo branco e azul some e resgata-me pelo absurdo da audição. Arde-me no
corpo a angústia do exílio, queima-me. No sangue, a vertigem. Ser inteiro na
consciência. Igual a mim e tão abandonado. A serpente da tarde ergue-se,
insanamente, do fosso.
Ah, se pudesse ser, nas mãos, só o símbolo do amor e da harmonia. O
vento ermo no campo traz a inteligência no bolso.
Manoel Ferreira Neto.
(23 de maio de 2016)
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