**ORÁCULO DE EU-NUCOS - A SOLIDÃO E PREGUIÇA LISONJEIAM A IMAGINAÇÃO** - Manoel Ferreira
Se quem amo por algum motivo ou razão não pode mais vir a mim, o que
perscruto e indago não é a razão ou justificativa de não mais poder, os
sentimentos e emoções que impedem, seguindo aquilo de um grande amor do passado
se torna às vezes em aversão, e os ex-cônjuges se destroem reciprocamente;
pergunto e indago é o que me impede de ir até ele.
Infeliz é quem pensa consigo que isto é inspirado na antiga máxima que
diz que se a montanha não vem a mim, sou eu quem vai à montanha, o que
certamente endossa o seu certificado de quem não pode entender coisa alguma de
nada, quando, se entendesse, começaria a questionar sua inteligência e
capacidade de percepção das coisas, se por toda a vida se justificou com um
pensamento e idéia de ser um homem muito esperto e perspicaz, quando era
justamente o contrário, um homem fraco e impotente.
Por toda a vida este infeliz acreditou em sua superioridade, e, de
repente, vendo as coisas com lucidez, percebe o seu papel de terceira categoria
na comédia que para si próprio escrevera e ainda representara só que em nível
vulgar e ridículo. Seu olhar perde-se no céu e na neblina à procura de alguma
coisa que não se pode encontrar, mesmo com todo esforço e entrega, perscruta
com insistência as profundezas azuis para nelas encontrar uma imagem querida, a
quem talvez, e quem de algum modo, por um milagre especial, ser-lhe-ia
permitido manifestar a sua fraqueza e impotência, e a amada poderia com toda a
dedicação do mundo ajudar-lhe a superar tão difíceis características.
A solidão e a preguiça lisonjeiam a imaginação.
Não é somente a sinceridade e seriedade em ver-se refletido nitidamente
no espelho, visto com nitidez que não seria mais possível tripudiar e enganar a
si próprio, que comove o espírito e faz a alma reverenciar o mundo com todas as
pompas, com todos os louvores e empáfias; não é somente a sinceridade deste
enternecimento que comove o espírito; há, sem dúvida, para o crítico, o prazer
singular e novo de ver expandir-se aqui o moralismo sem eira nem beira, até
mesmo sem nexo e duplicata de veracidade dos acontecimentos e circunstâncias, a
crítica ardente de valores que geralmente só floresce em oráculos de eunucos,
Há aí um preconceito e discriminação, um desprezo completo e uma vez que, para
os leitores e ouvintes comuns, a palavra moralismo comporta a tendência a
priorizar de modo exagerado a consideração dos aspectos morais na apreciação
dos atos humanos, a expectativa do absoluto e da última e derradeira
compreensão deles.
Enfim, encontramo-nos numa época em que a sensibilidade de perceber que
há sempre mato atrás de um coelho, em que a sensibilidade já não dá tanta
importância aos limites e fronteiras levantados a partir dos interesses e das
fugas inúmeras, sem nexo, obviamente, é-se livre para buscar novos horizontes e
perspectivas, alimentando-se exclusivamente dos sonhos e utopias, e esse amor
imoderado pela solidão pode ser transformado num alimento saudável à casa e aos
ossos, estes que nunca emagrecem. Uma destas épocas decisivas, críticas,
sarcásticas, irônicas, debochadas, em que a alma diz a si própria: “Não é atrás
do coelho que existe mato, o fato é que há sempre mato atrás deste coelho”, em
que a imaginação obcecada, compulsiva pela redenção e ressurreição de todas as
mazelas, achaques e pitis humanos, esta alma, com efeito, vende-se a Lúcifer e
pede perdão a Deus mais uma vez por sua última atitude de não. Sofre com
delícia e prazer, com exultação, as sublimes atrações do vulgar e do mesquinho,
nem ao menos pensando em seu êxule caráter.
Felizmente é chegado o instante, o derradeiro instante do trabalho e das
distrações singelas e meigas. Torna-se necessário vestir a roupagem da vida e
se preparar para as posturas clássicas, comportamentos tradicionais, atitudes
convencionais. O peito de um homem autêntico e sincero é uma morada que me
agrada muito mais que as tabacarias e baiúcas melancólicas e insensíveis. É uma
sepultura alegre e jovial onde eu cumpro as minhas obrigações, assumo o meu
destino com júbilo e orgulho.
O amor não é nem o supremo sábio nem o supremo ignaro, do mesmo modo a
linguagem não é nem a utilidade completa nem explicação total. Amava ainda, sob
formas mais ou menos perfeitas, a fraqueza, a inocência e a candura. A ternura
do homem sonhador, pode-se dizer até mais exultante que a do jovem, desviando-se
para novos e excêntricos projetos – a amada sempre se sente a mais merecedora
de tantos desejos puros e humanos -, permanece fiel a seu primevo caráter.
Entre as marcas e as características profundas e principais deste homem cuja
palavra ou conselho tem muito peso ou inspira absoluta confiança que o destino
lhe imprime, é preciso assinalar e enfatizar também uma demasiada delicadeza de
consciência que, ao lado de sua sensibilidade mórbida, serve para aumentar
ilimitadamente os fatos mais vulgares, mesquinhos, e para tirar das faltas mais
leves, imaginárias até, medos e temores infelizmente muito reais.
A faculdade prematura deste homem cuja palavra ou conselho tem muito
peso, que lhe permite idealizar todas as coisas e lhes dar proporções morais,
éticas, sobrenaturais, transcendentes, cultivadas, exercidas longamente na
solidão e no silêncio, ativada além de todos os limites pela fraqueza e
impotência, produz sempre resultados normais e menores.
Se a virtude é um saber é porque ela implica o conhecimento da essência,
fora do qual não há lugar senão para a opinião subjetiva e apaixonada.
Manoel Ferreira Neto.
(19 de maio de 2016)
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