**LAREIRA DE SILÊNCIOS** - Manoel Ferreira
Estou
diante de mim próprio sem penugem nem cores. Supondo que até o presente tenha
eu vivido com uma intensa sede de liberdade, não tendo qualquer água límpida
para saciá-la o que, com efeito, era algo bastante difícil, e não valia a pena
saciar esta sede com uma água qualquer, mesmo que muito limpa, tratada, pois
que no íntimo desejava saciá-la com a água límpida,ainda não entendi o porquê
de haver se revelado inúmeras dimensões desta liberdade, a dificuldade está em
reuní-las, conciliá-las, podendo assim sentir a sua inteireza e plenitude.
Tive,
sem dúvida, verdadeiros prazeres em, enquanto vivendo, conhecendo inúmeras
experiências, amadurecendo as capacidades espirituais e contingentes,
aprendendo a separar o trigo do joio, desejar com extremas volúpias, exigências
exageradas, embora, de antemão, sabendo que isto não iria em hipótese alguma
legar-me com simplicidade e sabedoria o que sim necessitava para atingir os
sonhos que desde a eternidade venho trazendo na alma, uma sem graça expectativa
de realizá-los a todos, sentir-me homem e indivíduo quem endeusa sua alma com
valores os mais fundamentais e solenes, com virtudes as mais profundas e
esplendorosas.
Pois
bem... Agora supondo que por todo o tempo em que tenha vivido com a intensa
sede de liberdade, tenha amado algo em mim, um pensamento, uma idéia, um
desejo, mais do que as muitas realizações e prazeres ao lado de alguém muito
amado, uma esposa, os amigos íntimos, e às vezes são tais realizações e
prazeres que realmente fecundam o espírito e a alma para o encontro com o
eterno, o pleno, ainda não posso compreender de todo, e inteiramente, o porque
tais pensamentos que amei em mim foram delineados, burilados, realizados em
algumas atitudes e comportamentos, tais idéias que em mim amei foram dilaceradas
e sacrificadas, talvez por eu não haver pensado na possibilidade de unir as
idéias e os pensamentos, fazendo deles um objeto de sonho e utopia.
Antes
de estar a registrar estas palavras, tive uma queda de pressão, isto vem
acontecendo quase sempre, e após ter ido à cozinha tomar um gole de café, no
sentido de restabelecer-me, perguntei-me com bastante euforia o porque de a
pressão não descer de uma vez, plena e inteiramente, livrando-me disto de a
qualquer momento abaixar de novo, não estava suportando esta continuidade, este
repetir sempre da queda de pressão. Caída por inteiro, estaria tudo consumado.
É
cômico isto de ter de levar a hipotensão a sério, cuidar de ter um pequeno
papelote de sal no bolso para no momento em que a pressão descer colocar um pouco
debaixo da língua. É cômico isto de tomar calmantes para dormir, embora não o
tenha feito, limitei-me a um tratamento com alface, e hoje posso dormir a
qualquer hora possível, quando me der na teia, como se tem costume dizer
vulgarmente quando tiver o desejo de fazê-lo. Às vezes, penso com sinceridade
ser muito interessante certas coisas: embora não tenha eu dado muitas atenções,
como deveria tê-lo feito, para as realizações e prazeres da vida, levei a vida
a sério no sentido de estar a todo momento à busca de um sentido que
transcendesse a todas as dificuldades, medos, angústias, temores... Tendo
tomado consciência da necessidade de cuidar da vida financeira, da saúde, do
equilíbrio, de tudo que me habita a alma nisto de uma liberdade acima de todos os
valores e virtudes, uma liberdade acima das dores e medos, sabendo que isto não
se revela e se realiza num abrir e fechar de olhos, começo de pensar com
justeza sobre os encantos na vida, e, sem dúvida, o desejo deles é algo
sobremodo elevado, causando-me ansiedade, angústia, um medo insofismável de me
não ser possível alcançar.
Desejaria
ser mais um espírito livre do que posso ser. Seria isto uma quimera, e nos
instantes em que penso e sinto esta liberdade de espírito a que tanto aspiro eu
não ser possível, agarro-me a ela, fantasiando-a, dando-a contornos de
realidade e de uma verdade minha? Seria isto uma fantasia, e nos momentos em
que sinto e penso esta liberdade de espírito que tanto busco e intenciono
alcançar, sentindo-me no íntimo não só alegre e saltitante, contente e feliz,
mas o silêncio em cujas dimensões espirituais e divinas me ouço ser?
Sinto
não haver qualquer resposta para estes questionamentos que perpassam a alma e o
espírito, e assim o melhor seria dar este escrito por terminado, assumir que
não se é possível ter a vida nas mãos feitas concha, há em cada coisa um
milagre e um absurdo.
Pudesse
eu rasgar os verbos mais íntimos, não me importando se não houver quem neste
velho mundo sem porteiras possa entender-me, compreender, não digo de aceitar e
endossar minhas palavras, mas saber que são as minhas verdades únicas, diria
simplesmente que o melhor para mim teria sido não haver nascido, não ser, ser
nada. Isto em primeira instância, já que teria de me expressar em parte,
revelando o que primeiro me vem à mente. Já em segunda instância, sem mesmo
adulterar a questão de rasgar os verbos mais íntimos, mas acrescendo um outro
sentido, o rasgar de todas as sedas, mesmo não sendo dado atenção, pois que
para alguns homens das relações mais íntimas, os amigos, a esposa, isto seria
algo inacreditável, não poderia nunca estar pensando desta forma. Em segunda
instância, diria que o melhor para mim seria morrer logo.
Devo
ter estado num momento de inteira inspiração, numa inspiração quase
ininterrupta, para que este texto tenha acabado fluindo como a coisa mais
espontânea e livre do mundo, embora os sentimentos nele expressos estejam de
todo num instante-limite. Não creio que tenha feito muito esforço para elaborar
o que me surgiu em mente, logo após ter caído a pressão, ido à cozinha tomar o
café, decidido levantar, pois que era ainda madrugada, vindo escrever. Pensei
que a criação iria devolver-me às limas sinuosas do ocaso.
Manoel
Ferreira Neto.
(21
de maio de 2016)
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