MARIA ISABEL FERNANDES ESCRITORA POETISA E CRÍTICA LITERÁRIA COMENTA O AFORISMO 698 /**CADÁVER DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA**/



Fenomenal! Retrato por excelência da literatura contemporânea, todos dela querem debicar sem parcimónia nem etiqueta, resta o féretro desmantelado pelo chão e na gaveta.


A literatura contemporânea é mesmo uma comédia, onde cada escritor usa o léxico sem primor, dos estilos faz miscelânea, pontuação no esquecimento. Com tanto desmembramento, a Literatura está enferma, moribunda, reduzida a féretro em velório. Todos com penas na mão rascunham um adeus nas exéquias em crematório. Desce o pano, os comediantes juntam as cinzas em silêncio de Beethoven e requiem de Mozart. Excelente amigo. Domingo feliz. Um abraço.


Maria Isabel Cunha


A primeira exigência da Literatura, da Poesia é a Língua. Não mais há língua, há lingueta como você, caríssima escritora, bem o diz.


O problema crucial e sine qua non são os tantos com penas na mão garatujando o epitáfio solene.


Alguém haveria de ter cor-agem para dizer sem panos quentes o que é a Literatura hoje, o que estão fazendo dela, e o pior vangloriando-se a si mesmos, sentindo-se os "reis". Decidi então ser eu a fazê-lo num poema com todas as letras em riste, assim cumprindo a minha Responsabilidade, Compromisso com a Arte das Letras.


Termino esta resposta ao seu comentário com palavras de um dos meus mestres, Jean-Paul Sartre: "O homem só é homem quando está disposto a morrer por um projeto". E o meu projeto é a LITERATURA.


Abraços nossos, querida.


Manoel Ferreira Neto


#AFORISMO 698/


CADÁVER DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA#
GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA
Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


O cadáver sobre a mesa
Esse macabro cardápio
Recheado de mistério,
Ornamentado de enigmas,
Requintado de segredos,
Silêncios,
Congelado em pergunta,
Choro, rezas e velas,
sussurros ao pé do ouvido.


Compulsória serenidade
Ímpar figura na sala
O cadáver sobre a mesa
Foi de todos boa amiga,
Tolerante, compreensiva,
Humana, prestativa,
Justa,
Mãe exemplar, esposa,
Amantíssima fiel,
Boa pagadora, religiosa,
Excelente contadora de causos,
Egrégia declamadora de poemas,
Lugar garantido no Olimpo
mas por hora é cadáver
em postura circunspecta
frias mãos entrelaçadas
Blusa verde, saia branca,
rigor do traje completo
talvez use calcinha azul de renda.


É como um violoncelo
afinado para a festa
nos amplos salões da terra.


Em volta o tempo trabalha
A fisionomia das almas
Dos comensais taciturnos
Que à força de algumas lágrimas,
Apertos de mãos, palavras,
Tapinhas mudos nas costas,
Se conforma com a perda:
“A coitada descansou”
“pois é, parou de sofrer”
“pior é a gente que fica”
"estará sempre na memória de todos",
“pra morrer bastar estar vivo”,
"a vida é tão curta, tão passageira."


Alguns instantes depois
Dos passos lentos do féretro
Dos panos quentes dos pêsames
Do pano cobrindo a peça
Resta o tédio do cadáver
Ao término dessa comédia
Moderna, contemporânea...


(**RIO DE JANEIRO**, 22 DE ABRIL DE 2018)


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