COMENTÁRIO HISTÓRICO - SARTRE À LUZ DA EXPERIÊNCIA MÍSTICA, de Manoel Ferreira Neto/João Carlos de Oliveira (Seminarista – 5º período de Teologia - Seminário Arquidiocesano Sagrado Coração de Jesus – Diamantina)
Chamou-me a atenção neste trabalho – “SARTRE À LUZ DA EXPERIÊNCIA
MÍSTICA” – é que o autor, Manoel Ferreira Manoel Ferreira Neto, tenta fazer uma
ligação do ente ao místico. Mística que está imbuída mesmo no pensamento
filosófico, na qual nós fazemos uma repulsa à mítica neste tipo de pensamento,
pensando nós, não haver tal situação no contexto filosófico. O autor tenta
demonstrar o contrário, percebendo haver nas entrelinhas das palavras do
filósofo francês Jean-Paul Sartre uma “experiência mística”. É perceptível um
retorno à mística; aqui, de forma especial partindo da filosofia.
A mística hoje é notável, está démodé – deixada de lado mesmo. O homem
não é apenas uma vivência material, mas também busca na categoria extramundana
um sentido daquilo que se vive.
Passos em revista o contexto em que vivemos para acenar a ruptura que
ocorreu na história, qual o homem está ligado apenas no aspecto intramundano
desvencilhado de uma “experiência mística”.
A caracterização do estádio em que vivemos e do legado que trazemos do
período moderno, sobretudo dos séculos XVII e XVIII, são marcados pela razão e
liberdade. O que estava – e está – em voga é o experimental e racional. Coloca
no indivíduo o critério da verdade, rejeitando aquilo que o transcende; todo
acento recai sobre o indivíduo. A fundamentação deste pensamento moderno está
em franquear ao indivíduo e/ou este se achar na plena auto-suficiência e
confiando nas próprias capacidades. A tentativa de desvencilhar de um passado
para dar espaço a uma nova era, com uma tendência de uma constante busca da
verdade, não de uma verdade imóvel como no passado que o homem sujeitava. O
propósito agora é colocar o primado do “vir-a-ser” sobre o “ser”; da “potência”
sobre o “ato”.
Na autonomia do homem moderno, não é raro pensar que não há necessidade
de uma salvação que vem “do auto”, pensar que é capaz de conquistar sua
felicidade, descobrir a verdade e perseguir no bem, em que triunfará a razão e
implantar-se-á o que for de exato.
O homem está como que colocado no mundo e a mercê de sua própria sorte,
pois é refutada toda intervenção sobrenatural no mundo e qualquer forma que
sirva como mediação entre o homem e Deus, e o homem é guiado eticamente pela
exigência da razão e de sua vontade. Chega a ponto de afirmar que tudo acontece
sem a intervenção de Deus; este que com um impulso colocou o universo em
movimento depois se retirou na inatividade, a fim de que suas criaturas possam,
com plena liberdade, desenvolver sua obra como melhor entendem. Tudo o que está
fora do contexto intramundano é visto, muitas vezes, como obstáculo à evolução
do homem e da sociedade. Daí o espírito anti-místico que prevalece neste estado
de coisa que o homem criou é como que um frio cálculo da razão crítica.
Portanto, o predomínio da razão na vida individual e coletiva dos homens
por sua autonomia livre de categorias místicas e toda uma sociedade – as
cabeças pensantes – participa das discursões sobre os assuntos em questão. Há
uma refutação dos sistemas estabelecidos que pregam uma mística e
simultaneamente uma corroboração das análises críticas.
Se é relegada toda uma ortodoxia e é colocado em xeque os mistérios – a
mística, onde Deus só participa da criação e está agora bem distante do
quotidiano dos homens, não há lugar neste mundo para qualquer experiência
mística. A idéia de divindade é mantida e defendida apenas para garantir a
moralidade na vida social – e nada mais. A vida do homem que era antes
cadenciada segundo a vontade de Deus, agora está no compasso da autonomia, da
razão da liberdade e vontade.
É dilatada a confraria – na era hodierna – secularista e de seus membros
que são verdadeiros arautos da autonomia humana, enquanto que as manifestações
místicas são suplantadas e contestadas, estando sujeitas à críticas racionais.
Mística esta que não impressiona mais, entrando no rol da supressão. O que fala
mais alto é a secularização em “ato” na sociedade de hoje, que foi outrora
potência, ou seja, uma nova apreciação das realidades terrestres junto com uma
confiança quase ilimitada nas capacidades naturais do homem.
As massas ficam, em primeira instância, alheias a este tipo de
pensamento, mas no decorrer de sua vida se vêem bombardeadas por este
pensamento externo e acabam tomando para si, paulatinamente, tal espírito de um
homem novo em vias de secularização e sua “razão” tornar-se-á em sua própria
vontade – a consciência. Esta se dá como uma lei própria de justiça e verdade,
à base da qual se julgam suas ações e as dos outros como sendo boas ou más, não
obstante, seus princípios pessoais. Aos poucos a refutação à mística vai
tomando campo na mente das massas.
Com este ofuscamento da mística chegou a tal estágio que se apresenta
como um tempo de “crise”, onde muitos homens e mulheres estão desorientados,
incertos, acompanhados por uma espécie de agnosticismo prático e um
indiferentismo daquilo que não é material, fazendo com que muitos dêem a
impressão de viverem sem um substrato místico.
Deve ser levado também em conta que hoje, certamente, não falte uma
“presença mística”, mas com a afirmação lenta e progressiva do secularismo,
correndo o risco de reduzir-se a meros vestígios de materialismo, dando-se a
impressão de que o normal é não crer.
Destarte, o que ocorre com isso, o vazio interior que oprime muitas
pessoas, e a perda do significado da vida, porque de uma forma ou de outra,
tudo na vida deve ter uma projeção para o não físico.
Entre outros sintomas deste estado de “crise mística”, a situação atual
registra o fenômeno das crises familiares e do esmorecimento do próprio
conceito de família, a persistência dos conflitos éticos, o reaparecimento de
alguns comportamentos racistas, o egocentrismo que fecha indivíduos e grupos em
si mesmo, o crescimento de uma indiferença ética geral cultuando uma ética
individual e de uma preocupação obsessiva pelos próprios interesses e
privilégios.
Na raiz da “crise mística”, está a tentativa de fazer prevalecer uma
antropologia sem Deus. Esta forma de pensar levou a considerar o homem como “o
centro absoluto de toda a realidade”. A cultura atual dá a impressão de uma
apostasia silenciosa por parte do homem que vive como se Deus não existisse.
No campo eclesiástico, a pregação do cristianismo não deve ser apenas
social, mas buscar e pregar a mística neste contexto de crise. Ele não é apenas
uma realidade social, mas, também mística. Para tal, aparecem grupos que são
verdadeiros protagonistas para o problema social, ao passo que o místico fica
em segundo plano. Sua pregação tem como princípio o social e a partir deste,
quem sabe, possa ter um lugar para a mística.
A questão é que: “o homem não pode viver sem um princípio místico”, ao
contrário, a sua vida perderia o sentido, tornando-se insuportável. O homem
pensa que é possível satisfazer as exigências de sua vida com realidades
efêmeras e frágeis, assim sua vida fica confinada a um âmbito intramundano,
fechado à transcendência, caracterizado pelo paraíso prometido pela ciência e a
técnica. A técnica oferece uma felicidade de natureza hedonista através do
consumismo, com prazer imaginário e artificial. Mas tudo isso se revela como
ilusório e incapaz de satisfazer aquela sede de felicidade que o coração do
homem continua a sentir em si mesmo.
O propósito de Manoel Ferreira Neto nesta obra é fazer uma volta à
mística, mas uma mística verdadeira, não alienatória, não uma mística que seja
usada como um narcótico para os problemas quotidianos. A verdadeira volta à
mística dar-se-ia com uma ligação ao transcendente não como projeção.
(**RIO DE JANEIRO**, 13 DE ABRIL DE 2018)
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