#AFORISMO POEMÁTICO 709/ DENTRE MARES E MONTANHAS** - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
EPÍGRAFE:
Carta às letras... Nunca é tarde para enviá-la.
(Graça Fontis)
Calmo... tudo calmo..., quê inestimável calmaria!...
Um silêncio fundo como um abismo para depois explodir numa confusão de
sons vindos como raios de luz numa velocidade infinda cortando, penetrando,
dilacerando por dentro, obrigando-me a tapar os ouvidos... a a-colher o coração
entre os braços, afagar-lhe com ternura, a acariciar a mente, o fluxo de ideias
é inconcebível, o refluxo das re-cordações são miríades de aspirações e
inspirações pretéritas cujos princípios rezam a verdade e o estilo da palavra e
do verbo.
Se as constelações se encontram próximas? distantes? Não desejo. Estão
bem onde estão. Onde estão sentem-se real-izadas, felizes, saltitantes, Se me
encontro satisfeito? alegre? Por vezes, estou; por vezes, não. Desejo estar bem
num momento de dores e sofrimentos, por vezes consigo; por vezes não. Estou bem
onde estou.
E onde estou?
Onde coroas de espinhos con-vertem-se em de louvores,
Onde dúvidas das res-postas às perquirições são verdades
Incólumes e incontestes da liberdade de outras in-vestigações
Onde togas de éticas são frangalhos de posturas, condutas.
Fonte de demoníaca capacidade de comunicação,
sentir com trans-parência e evidências de memórias
estar em luta contra essa época,
o menos disposto a a-colhê-la,
o menos aberto a re-colhê-la,
o menos flexível a ouvir, a escutar,
e pela qual, entre o instante último
da ec-sistência e a cicuta,
ajusta os pensamentos a certas circunstâncias,
ilustres façanhas
sobem das flores que floram na flora do broto,
reverdejam num viço mais fresco,
esclarece a dúvida se o verbo do eterno
precede o vento das palavras e as tintas
que banham a terra de outras sementes e frutos,
desde a esperança da dialéctica do sublime,
e a contradição dos medos, tremores, temores...
Fonte de forasteiros pretéritos a-coplando as coisas do quotidiano,
mostrando-me reticente, reservado, não rara a paixão arrebatadora do sentimento
de ausência de fronteiras, pregueado de intenções, de onde desaparecem os
períodos pesados, artificiais, carregados de epítetos e preâmbulos, epitáfios e
prefácios do estilo e da escrita, páginas que pertencem às mais belas da prosa.
Tu, caminho por onde me embrenho
a passos lentos e comedidos, e volvo os olhos,
o corpo, o sexo,
não creio ser o único que existe aqui,
creio existem muitas coisas invisíveis,
muitas coisas irrealizáveis, muitas coisas
escondidas a três sombras,
eis a lição rasa da aceitação,
eis a aprendizagem rasa do con-sentimento,
eis a aceitação rasa da lição do nada e da náusea...
Tu, ar que me dás o alento e o des-alento para falar; seria mesmo
"falar", não me esquecera do termo adequado? talvez seja "para
ruminar" – há quando percebo as palavras que pronuncio, os gestos,
assustando-me por não dizerem o mínimo do que está a perpassar-me o íntimo,
âmago; clamo pelos gestos e palavras que, juntos, mostram o que me vai dentro.
Vós, objetos, que, do disperso, tirais
os meus desígnios e lhes dais forma
ou des-forma
– e vejais desde já que antes não estáveis.
a vos dirigir a palavra, são objetos,
e quem lhes dirige a palavra muito bom da
cabeça não deve estar, isto se já
não está muito disperso e confuso,
confundindo pinguela com pinga na goela,
dirigia-me aos humanos.
Tu, luz que me envolves inteiro em teus raios, inda mais quando incidida
em cristal de águas, e a todas as coisas com as tuas delicadas e igualitárias
ondas.
Caminho por corredores estranhos e mofados. Algumas lembranças vazam
pelos cantos, dando um travo, apertando até ficar mais sensível a alma. Afasto
estas lembranças para poder seguir, importa isso, importa seguir, mas para
onde?
Um olhar dentro que sempre me faz arrepender de não haver dito as
derradeiras palavras nesta ou naquela situação, o gosto desenxabido de letras e
acentos. Principalmente do que não gostava. Arrependo-me do que não gosto, não
trago dentro qualquer admiração e reconhecimento. A paixão, a inominável paixão
ser... este o sentimento que irrompe.
Desde quando acredito trazer comigo um bolo de sentimentos a ser dito
nessa hora? Não o sei, creio que desde a eternidade. Se é ou não chegado o
momento de dizer coisas armazenadas há muito, libertando-me do arrependimento
trago nas costas, sentindo-me entregue aos desígnios, não me é dado responder,
mas, em contrapartida, digo que algo está muito diferente, quem sabe por haver
decidido mergulhar nesta gruta, marulhar nestas águas ondeadas de miríade de
gotas flanando no ar à mercê do vento, seguir alguma trilha que, no íntimo,
sabendo de antemão, não mais me sentirei arrependido disto e daquilo. Não
ajuízo os porquês sim e não das coisas passadas, sim não saber havia tanto a
ser feito, o tempo é exíguo agora, tempo de perguntar "será que sou capaz
de fazer tudo isso a toque de caixa, de cinzas? Não quero deixar pendências,
fiz o que tinha de fazer."
Cada momento me transforma, convencendo-me, com a maior facilidade, a
aceitar as forças que me habitam, a acolher os sofrimentos e dores, sentimentos
e emoções trazidos em mim dentro; persuadindo-me, com algumas dificuldades, por
haver instantes, longos e difíceis, em que acredito não ser capaz de entregar-me
aos seus desígnios, a poderes mais criadores e inventivos.
Posso dizer a palavra amor? Por que não escolhera a plenitude do
sentimento: “posso dizer a plenitude do amor? A escrita da alma só tem por
intérprete um silêncio, esse silêncio habitado por sons, vozes absurdos,
ambiguamente movidos pela ânsia do sublime. Dizendo: “Tenho sede”.
Hoje ouço nitidamente o silêncio fundo como o abismo. Neste momento
particular,
os gritos e gemidos estão condenados
à indiferença do universo e no fundo
a tragédia é não ter coragem e
desejar dolorosamente mergulhar-me inda mais,
até de mim não restar nem a
sombra das mãos ao longo das pernas,
contra-mão das brumas à distância da pena,
seguindo-as na caminhada,
refletida na pedra fria.
Deixo-me envolver pela carícia do silêncio, olhando uma luz que sai de
uma fresta do teto, incidindo na água de uma pequena lagoa no canto esquerdo.
Encontro-me sentado a uma pedra, contemplando as coisas. Anoitecendo. O vale
contingencia a jornada do dia. Bem filosófica esta cena, sentado a uma pedra no
descampado do vale, mãos amparando o queixo, invisíveis aos olhos de quem
perscruta, olhando ao derredor.
Sonho.
Este sonho traz-me tanto êxtase:
tenho ansiedade de crescer,
ser alguém na vida
– ouvira isto desde sempre,
“é preciso ser alguém na vida” -,
fazer algo de que realmente gosto.
O sonho leva-me à esperança e,
aos meus olhos,
apesar de lúcidos,
tenho dúvidas se continuo lúcido.
(**RIO DE JANEIRO**, 27 DE ABRIL DE 2018)
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