#AFORISMO 214/ORVALHANDO AS PALAVRAS DE PÁGINAS VIRADAS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Houvera pretérito de lembranças nítidas e nulas,
re-colhidas e a-colhidas do momento, se se desejar, instante-limite na ponta da
língua as palavras descritas da conversação, ouvindo-as, no cume da Serra do
Cabral, alto-inverno, a neblina e as nuvens, entrelaçadas, quiça me
prospectivasse, dissesse-as ipsis litteris, passaram-se trinta e quatro anos,
estava diante de um abismo, evadi-me, contudo permanecendo no mesmo lugar.
O ipsis das metáforas da plen-itude que re-versa o
além das contingências com os confis do abismo, quando a re-novação das
esperanças se faz no entre-laçamento nupcial dos volos de verbos cujas
gerências são lumes da dialética do nada e ser, na koinonia simbólica dos
latinos lácios do infinitivo circunvagado de versos e estrofes do perpétuo
nada, poiésis e poiética da linguística pura e prática do vazio, poemática do
absoluto.
Alvorecer de hoje visto sob os linces de amanhã,
visão do imperfeito subjetivo... De minha cadeira, analiso com olhar à solapa
das contingências, olhar crítico, a terno preto sem nenhum modelo, suspenso no
cabideiro, a mania que tenho de usar terno preto com gravata de nó, lilás, o
que era moda nenhuma. O canto da coruja saudando o silêncio milenar do genesis,
solidão secular do cântico dos cânticos sob a cintilância da lua nova que
perfect-erseja o sublime de miríades do verbo do infinitivo, hoje simplesmente
estivera eu sentado na rampa de meu casebre, a-nunciando o alvorecer...
Houvera felicidade e saltitância por vislumbarem a
travessia do vazio em direção às forclusivi-itudes da esperança perfeita, dinar
da ribalta do silêncio, picadeiro da solidão.
Orvalh-itudes de quimeras tocando as páginas
viradas, se amanhã houve de imortalizar os interditos de sonhos e esperanças,
melancolias e nostalgias, pretéritos, cujos estilos de linguagem olvidei,
ad-nominando e ad-verbiando o caos do efêmero, seria hoje, após sono profundo,
nem me lembra se sonhei, a plena saudade de manhãs em que regava os canteiros
de flores, amava tocar o orvalho nas pétalas e folhas, dizendo-me estar
orvalhando as palavras, sorrindo de soslaio, a jornada era longa, sem fim.
Mister criar-me, re-criar-me, inventar-me, a verdade, as verdades me esperavam
nalgum terreno baldio de minh´alma, era engajar-me, arrancar-me de mim,
destrinçar-me, a faca afiadíssima de dois gumes do efêmero e eterno cortava-me
em todas as direções, a minha missão era o eu poético, utensílio que amenizaria
as dores da contingência, dialética da naúsea e dogmas do "ser". A
força do sonho; haveria de ser quem sou, as letras não mentiriam, a verdade do
"sou" seria registrada pelos dedos das mãos. Hoje estaria sentindo e
pensando estar bem distante ainda do que sonhava realizar, são apenas garatujas
fortuitas, quanto mais eu ando mais vejo metafísicas e metáforas na poeira das
estradas.
Houvera de pretéritos éritos de lembrança, inda que
ínfima, do alpendre do interior da casa, a tampa da cisterna arrastada, o balde
d´água sobre, a manivela que re-colhia a água, aproximei-me com todo o cuidado,
deitei no chão, olhei o fundo, o que me viera naquele instante, que um pouco
mais fundo, a visão não alcançava, água, quiçá o cheiro de terra me haja
tocado, o gosto, sabor da água, após filtrada, traz em si a terra, que sabor
inestimável. Olhei a mesma cisterna com a honestidade de quem não se engana com
o que olha, como quem lavra a existência, e planta, e colhe, e vive, e morre, e
olha. Mudou-se a rua da infância, da juventude, símbolos obscuros se
multiplicam, vem um sopro que cresta-me a face e dissipa, na praia, as
palavras.
As dificuldades são esquivas, tomando em
consideração estarem fundadas e estabelecidas na obtusidade do nada,
nadificidade do obtuso; equívocas: as dúvidas que se a-nunciam são unicamente
uma fantasia para semente de outras tentativas e esforços. Diante de minha
adoração possessiva poderia retrair-me e jamais voltar a cuidar delas,
transformá-las em facilidades, fazê-las curvarem-se, mostrar-lhes que não é tão
fácil vencer-me, sou osso duro de roer, sou cabeça dura. O silêncio arrogante
refugiou-se no coração, a solidão prepotente se entrelaçou nos liames do
passado e presente, o deserto do ser e não-ser se alinhou nas teias das
esperanças e fracassos. Somente os ouvidos aguçados conseguem de-cifrar o
soluço de vida, o murmúrio de ser, no coração enigmático das palavras.
Não são grupos submergidos nas geleiras da insônia
e entressono, e que deixam desnovelar-se, menos que simples palavras, menos que
folha no outono, a partícula sonora a vida em si traz.
(**RIO DE JANEIRO**, 28 DE SETEMBRO DE 2017)
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