#VIDA, SONHO, ESPERANÇA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ENSAIO CRÍTICO
Sentimentos de esperanças é, antes de mais nada, vida. Não são apenas
algo a ser conhecido e estudado; têm de ser experienciados, vivenciados,
vividos com dignidade, autenticidade, aceitando-nos como somos em nossa
realidade, desejando superar as dificuldades, problemas, sofrimentos e dores. A
arte nos proporciona caminhos a serem trilhados para o encontro de nossos
sonhos, realização de nossas esperanças, para a nossa espiritualidade; a arte é
o húmus, fonte, que nos alimentará, saciará as nossas carências, desejos e
vontades de conhecimento, de vida, de ser.
O escritor e doutor Paulo César Lopes faz uma reflexão sui generis
quando questiona a razão de entregarmos a nossa vida ao conhecimento da arte,
despendermos tempo inestimável para entender a arte, a literatura, mergulharmos
nas obras, em busca de con-templarmos o que nos diz, já que arte é
criatividade, ficção, “mentira”. Mas é nesta dimensão da arte que vamos
encontrar a semente de nossa liberdade, nossa vida. Assim, explicamos as nossas
constantes re-vistas às obras do escritor-memorialista Antônio Nilzo Duarte,
cujas intenções são de encontro da sua espiritualidade, como ela fora sendo
estabelecida e construída ao longo de sua vida, especialmente depois do
encontro com sua amada D. Neusa, a formação de sua família, dez filhos, e hoje
com quase cinqüenta membros, netos, bisnetos, genros e noras. Mesmo que as
obras não tenham sido escritas e construídas para o grande público, apenas para
os familiares e íntimos, nosso trabalho de análise e interpretação
fundamenta-se em desejarmos mostrar e identificar caminhos que possam ser
trilhados para que se libertem de seus sofrimentos e dores, encontrem-se em si
mesmos, espiritualizem-se, e vivenciem o para quê foram vocacionados, a
felicidade.
Nosso objeto de reflexão neste ensaio é este:
O homem que se encontra vivendo uma vida cheia de tristeza vive de uma
consciente animosidade, e torna-se quase impossível chegar ao fim sem cometer
um desatino. Reconheço ser um intruso no meu mundo, vivendo uma vida sem
condições de levar a efeito o meu objetivo .
O título da obra é metáfora, signo, representação do desejo e vontade
que habitam o íntimo, a alma de Antônio Nilzo Duarte, Sentimentos da esperança,
isto é, estes sentimentos são os eidos do desejo de liberdade, espiritualidade.
Se se quer ter vida espiritual, temos de unificar nossa vida. Uma vida ou é
toda espiritual ou não o é de todo. Ninguém serve a dois senhores. Nossa vida é
moldada pelo fim para o qual vivemos. Somos feitos à imagem daquilo que desejamos.
Para unificar a vida, Antônio Nilzo Duarte se disponibiliza, se entrega
ao mergulho sincero, honesto, em seus estados de alma, tristeza, tédio,
angústia, desolação, solidão, medo, conhecer-lhes por inter-médio das memórias
de sua vida com sua amada D. Neusa e filhos, a perda inestimável que sofreu com
o seu falecimento, não apenas para se livrar, libertar-se das dores e
sofrimentos, dar outro rumo à sua vida – isto seria até negar a transcendência
que habita a arte, a memória -, mas traçar caminhos e veredas para a
espiritualidade, a verdadeira liberdade, para viver no espírito de D. Neusa,
que é a sua vida mesma, a quem a entregou, em quem a confiou, com quem a
construiu, no seio de quem conheceu o amor, carinho, ternura, felicidade, teve
filhos, estabeleceu-se moral e eticamente, formou-se sensível e
espiritualmente.
Antônio Nilzo Duarte neste excerto que escolhemos para a nossa reflexão
confessa que é mesmo difícil este mergulho na alma, em seus estados,
enfatizando a tristeza, embora todos os outros estejam nela inclusos,
habitam-lhes: a “tristeza vive de consciente animosidade”, o que torna quase
“impossível chegar ao fim sem cometer um desatino”. Embora isto, que, em
verdade, de modo real, vive, abre seu coração às memórias, às palavras que refletem
os seus sentimentos, a maior realidade que é ele mesmo.
Recuemos à estrutura de sua obra, A esperança do reencontro, isto é,
como fora criada, constituída, estabelecida, para compreendermos mais de perto
como se deu esta abertura de seu coração, de seu espírito, apesar de todos os
sofrimentos e dores. Todos os capítulos da obra são escritos à luz de epígrafes
de sua autoria. Estas epígrafes são imagens enviadas de seu espírito, são
imagens eivadas de horizontes e universos em que ele deveria se fundamentar
para a realização de seus objetivos.
Conforme con-“versa” nossa, hoje, 19 de outubro de 2009, iniciando este
ensaio, estas epígrafes foram as verdadeiras responsáveis pela realização de
seus objetivos; cada uma destas epígrafes, ao todo 33 (trinta e três),
identifica como o espírito se foi abrindo, até abrir-se por inteiro, realizando
a espiritualidade. Dizemos-lhe nesta con-“versa” que, conforme seus estados de
alma e espírito, precisava de algo em que se apoiar, amparar-se, fundamentar-se
para a verdadeira liberdade, para a espiritualização, e o espírito, iluminado
que se encontrava, no seio da arte da memória, da arte, enviou-lhe suas
mensagens, seus húmus e suas fontes; sem as epígrafes, ter-lhe-ia sido quase
impossível realizar os projetos de espiritualização, talvez não chegasse ao
fim, a obra teria sido interrompida.
Conforme as intenções que estabelecemos para a realização deste ensaio,
citamos algumas destas epígrafes, fundamentais para o mergulho na obra:
Nós vivemos uma vida de um realismo tornando real os sonhos que antes
sonhávamos (Capítulo 6)
Amar é sentir, é ter prazer, é ter amor ás coisas ou a alguém, e não é
outra coisa senão querer bem às pessoas e à vida. (Capítulo 11).
Eu não repudio o passado, pois acredito que o bem futuro é uma
conseqüência de um passado sadio. (Capítulo 13)
A obscuridade muitas vezes nos agrada, assim como a solidão que nos
instiga, nos suaviza algum sofrimento (Capítulo 17)
Os sentimentos do ser humano somente se manifestam quando se tem
conhecimento daquilo que nos sensibilizou. (Capítulo 20)
Escrever pode falar-nos como a voz de Deus, ou a dos homens, ou como a
algazarra da cidade em que vivemos. Escrever as memórias fala-nos com a voz de
Deus, quando nos trazem luz e paz e nos enchem de silêncio. Fala-nos com a voz
de Deus, quando desejamos nunca deles nos separar.
O que de real significa a nossa vida? Como viver bem a vida, esta que
Deus nos ofereceu sobre a terra? Em resposta, eu posso dizer e compreender que
a vida criada por Ele foi para vivermos com amor e, efetivamente, os nossos
desejos, com serenidade mas, sobretudo, com sentimento de amor, e não de outra
coisa; saber amar alguém. Amar e ser amado por uma felicidade imensa, como um
dia a Neusa e a mim nos acontecera .
Amar uma outra pessoa de modo incondicional não é simples. Não é fácil
amar uma outra pessoa sem barganhar e sem colocar aqueles “ses” e aqueles
“mas”. Mas este é o amor que Jesus nos pede para darmos uns aos outros. Quando
eu conseguir dar este amor a alguém sem impor condições, sem esperar nada em
troca, então eu amarei esta pessoa da maneira como Jesus a ama. É por isso que
Jesus me pede: “Ame essa pessoa da maneira como eu a amo”.
A vida espiritual não exclui o pensamento nem o sentimento. Precisa de
ambos. Não é simplesmente uma vida concentrada no “ponto alto” da alma, vida da
qual a mente, a imaginação e o corpo estão excluídos. Para que possa viver, tem
o homem de estar plenamente vivo, corpo, alma, coração, mente, espírito. Tudo
tem de ser elevado e transformado pela ação de Deus, no amor e na fé.
E, para o nosso escritor-memorialista Antônio Nilzo Duarte, refletindo
nos seus sentimentos da esperança, mergulhando nos seus estados de alma e
espírito, desejando a liberdade, viver no espírito de sua amada D. Neusa,
comungar-se a ela, sentir-se íntegro e real, não um intruso no mundo, com a
imensa tristeza que lhe habita, diz-nos palavras que, com efeito, vêm de seu
mais profundo, de suas experiências de vida, do amor que sente por seus filhos,
esposa:
A vida é uma esperança contínua, de sentirmos os nervos vibrarem e
soarem, exatamente como a música de um suave langor, que pode se apoderar dos
sonhos que, dormindo, sonhamos .
Nosso destino é viver, realizar nossas esperanças, sonhos, utopias, o
que pensamos, sentimos, o que desejamos e temos vontades. Somente tornando o
que conhecemos parte de nós mesmos, pela ação, atitudes, gestos, é que
penetramos na realidade significada por nossos conceitos. Conhecermos o que é
parte de nós mesmos é unificar nossa vida, é reunir os pedaços nossos que
ficaram no passado – o próprio Antônio Nilzo Duarte diz-nos não repudiar o
passado, acredita o bem futuro é conseqüência de um passado sadio. O passado, por
mais doloroso e sofrido que nos tenha sido, que nos é, é pedra angular, é pedra
de toque de nosso encontro, de nossa espiritualidade. Viver, de acordo com a
obra e vida do escritor e do homem, é o constante ajustar-se dos sentimentos,
dos sentimentos da esperança à vida, e da vida aos sentimentos, de tal modo que
estejamos, os homens, sempre em crescimento, sempre tendo a experiência de
coisas novas nas antigas, e de antigas nas novas. Assim, a vida é sempre coisa
nova.
Acredito ainda existir entre nós a força de uma intensidade espiritual
que talvez não se possa explicar, mas sei tratar-se de um poder intenso e
consciente que torna possível descrever todo o segredo que ainda me faz
persuadir. Eu acredito em recordações. Elas são fortes quando aceitamos que o
fato que vivemos não desaparece no momento em que uma pessoa nos abandona,
tanto quanto a ficção, que também não se oculta facilmente depois de tantos
anos instituída em nossa imaginação
A verdade espiritual que Antônio Nilzo Duarte busca é a verdade total,
realidade, existência e essência conjuntamente, algo que possa ser abraçado e
amado, algo que possa receber a homenagem e o serviço de suas ações.
A vida cheia de tristeza que vivia por ocasião da “feitura” dos
primeiros volumes de sua obra memorialística, que, com a abertura do espírito a
partir do envio das imagens de seu espírito, tornadas epígrafes no segundo
volume Esperanças do reencontro, elucidadas com engenhosidade e arte no
terceiro volume, Sentimentos da esperança, permitiu-lhe a liberdade, a
espiritualidade, o novo homem que hoje vivencia, experimenta, vive, unificado
com suas memórias, recordações de sua amada D. Neusa.
Esta obra na sua totalidade, quatro volumes, construída de sentimentos e
esperanças vividos com amor e sinceridade, traz-nos aos seus leitores, aos
homens que, porventura, debruçarem-se sobre ela, reflexões profundas e
espirituais sobre o que são isto, viver, amar, sonhar, ter esperanças na vida.
(**RIO DE JANEIRO**, 14 DE SETEMBRO DE 2017)
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