#AFORISMO 210/ETERNOS, ?MAS ATÉ QUANDO.# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Completo
silêncio. Na malícia das coisas. Na algazarra das falas e vozes. Nas ideologias
da consciência e da liberdade. Nos interesses de bem-estar, prazer, puro
deleite. Nas ironias do cinismo aberto, respeitem a mofa! Nos sarcasmos das
ironias, dignifiquem a liberdade! Nas sátiras dos sarcasmos, vangloriem a
dignidade, a honradez! Silencio dentro do silêncio as palavras, dentro do
silêncio silencio os verbos...
Os
ponteiros do relógio suspensos na parede inertes, o vento silvando, a cadela
farejando o perfume da coberta da cama, o jornal sobre a mesa, uma cadeira
estrangeira. Antepassados ouvem o clamor de vozes e estabelecem um diálogo,
ouve-se-lhes silvos. Antepassados e descendentes se tocam, se apalpam pelos
seus contrários, dialécticas, nonsenses, compreendem-se e se justificam. Visão
de um antepassado se dirigindo do fundo da eternidade, re-colhe imagens nesta
travessia, dos panoramas e paisagens, e se projectando diante de si mesma,
alargando-se no tempo e se autojustificando existencialmente, ora no
imperfeito, ora no futuro do pretérito numa alternância que revela a
equivalência estilística de um tempo para o outro. Pros-pectivas de sonhos,
utopias.
Houvesse
única voz neste instante de completo silêncio se manifestando, de imediato
perquirindo quem seria eu na hora da morte, ouvindo a contra voz, olhos
faiscando de brilhos, e neles as fagulhas de sarcasmo, sátira, por perquirição
tão des-cabida, se na hora da morte, seria o início do nada, projectando-se aos
in-fin-tivos verbos do infinito, nada mais seria, a contingência esvaeceu-se.
Os pensamentos nascem por trás de mim, como uma vertigem, sinto-os nascer atrás
de minha cabeça... se eu ceder, virão para a frente, aqui entre os meus olhos -
o pensamento cresce, cresce, e ei-lo, imenso, enchendo-me por inteiro e
renovando minha existência.
E
vem surgindo um som, uma voz, sussurra, murmura, um grito altissonante:
"Faltam-me o som, o ritmo, a melodia, o acorde... Falta-me a música neste
instante de silêncio, falta-me a ópera. O grito esplende-se, ecoa, e passando
por entre montanha assobia. Levantam a cabeça e olham ao redor o que deseja
criar novos mitos e o que se satisfaz com os antigos, o que ama no homem sua
morte, o que ama no homem sua vida, o humanista alegre, que tem uma coisa
hilária para dizer, o humanista deprimido, que são encontrados sobretudo nos
velórios.
Revérberos
semelhantes de uma mesma imagem. Levanto-me da cadeira, dirijo-me ao parapeito
da amurada da varanda, vejo um lance do mar ao longe, o tempo virou, nublou-se,
venta um pouco, cão late, barulho de carro, de motocicleta, vozes de
transeuntes. Sorrio. Acendo um cigarro, trago, expilo a fumaça. É culpa minha
se a cerveja no copo sobre a mesa está morna, se há manchas escuras no espelho,
se sou demais, se o mais digno de meus sofrimentos, mais honradas de minhas
dores, os mais secos se arrastam e se entorpecem, com excesso de carne e a pele
muito larga ao mesmo tempo, com grandes olhos úmidos e comovedores? Faltava-me
o som do silêncio: o que de mim seria,
fora, sem ritmos, melodias, acordes, careceu-me a ópera. Sigo deslizando entre
as antíteses, sem me embaraçar.
Silêncio.
Sons. Palavras. A eternidade é feita de instantes (Eternos, ?mas até quando), a
água que corre já viu a valeta da rua. O rio-tempo fluindo nos instantes
posteriores.
(**RIO
DE JANEIRO**, 25 DE SETEMBRO DE 2017)
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