#AFORISMO 215/MOMENTOS DE UMA RESENHA DE AUTOBIOGRAFIA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Só vislumbrando a felicidade de uma criança que
brinca como jogo das palavras, tripudiando com o tempo, blefando com o verbo.
Folhas de cartolina cortadas em pedacinhos, cada pedaço com uma letra do
alfabeto, criança na varanda no interior da casa, sentada no chão, espalhando
palavras ao redor, brincando de ajuntá-las, aleatoriamente, para afixar as
letras era a intenção, quanto prazer, alegria, aquele sonho de ler um livro,
iria ser logo, logo. Algumas vezes ouvindo, como um incentivo: "Escreveu
uma palavra, com as letras ao contrário."
Hoje seria quem re-versasse, in-versasse a verdade
da plen-itude com os interstícios baldios da alma, interditos sarapalhados de
regências e declinações das utopias das esperanças e pretéritos
mais-que-perfeitos que se sintetizam na pectiva de retros, retros de
crepúsculos, entardecer, alvorecer a semente de orquídea que será a flor e a
beleza nívea da náusea das mesmidades no instante de travessia para outras
dimensões do absurdo e divino ser no transcorrer dos ipsis e litteris das
páginas de um sono o picadeiro do circo de gestos e intenções do in-fin-itivo
verbo de haver nascido do picadeiro, picadeiro de brincadeira, graça e riso.
Sou quem no sou, no ser-de-mim... sou palavras do
inter-dito dos baldios terrenos da alma, a orquídea simbólica da sorrelfa sob a
chuva fininha do eterno. Re-costado ao parapeito da janela, fim de tarde, o sol
se pondo, re-cordações dos espetáculos circenses, entre os olhos, o que faria
delas, só re-cordações não satisfaziam, se ao menos conversasse sobre as partes
das brincadeiras do palhaço mais admirara, mas eram coisas tão particulares,
vivia-as em mim, contá-las, referir-me a elas era desvencilhar-me delas. Livro
de Filosofia sobre a mesa, estudava para exame em Teoria do Conhecimento,
Gaston Bachelard, Poética do Espaço. Epigrafarei a solidão do palhaço,
silêncios e vazios, aliás, quanta vez ouvira pessoas dizendo o palhaço fazer
graça, fazer as pessoas rirem, mas no fundo era triste, chorava frente ao
espelho do camarim, re-presentando na metáfora dos subjuntivos gerúndios os
vernáculos eruditos do vir-a-ser jogados no jogo lúdico do tempo, jogo de
ruminâncias de ouro e riso, epitafiarei os re-versos in-versos da morte nada
sendo senão a mediocridade em não saber, trazer a sabedoria em
dentro?Esqueceram-me tantas coisas. Apresentar-se-ia o momento de uma resenha
de autobiografia? Nada de respostas. De volta aos estudos. Anoitecia.
Retornando a Belo Horizonte no ônibus das seis da
manhã, continuando o estudo para o exame de Teoria do Conhecimento,
interrupções, lembrança de estar lendo poesia de Cecília Meirelles, primeiro
ano de grupo, evento cultural com a presença de todas as classes, os alunos
mais adiantados na leitura leriam um poema, a banca examinadora escolheria quem
lera melhor, ganharia um prêmio. Vencera eu o concurso, quem havia lido melhor
que aluno do quarto ano. Hora dos abraços dos professores. Disse: "Não quero
abraço de ninguém. Fiz o que pude(gaguejei em três palavras; queria ter lido
escorreitamente.)" Era cumpridor de minhas tarefas escolares, e ainda
gaguejar. No horário do intervalo, lanche, brincadeiras do galpão, algazarras,
brigas, estava eu na minha carteira, livro de Machado de Assis sobre, lendo.
Não brincava com ninguém, inteirava-me com as meninas, conversava às vezes com
elas, elas gostavam que eu lesse, depois elas leriam, eu corrigia a pronúncia.
Não me abraçaram. Olharam-se de esguelha. Ganhara uma mini-pasta de couro para
colocar os objetos escolares. Em casa, esperavam-me bolinho de chuva e guaraná
para festejar o meu primeiro prêmio de leitura. Orgulho de minhas mães.
Quê moldura metafórica, metafísica, colocaria nesta
lembrança do primeiro prêmio de leitura? Decepcionei com este questionamento:
estava irritado, a professora só mandava ler Cecília, chamava os alunos para
lerem em sala de aula. Até o final do segundo ano, só se lia Cecília, já tinha
ojeriza da poetisa, mas em compensação, lia Machado de Assis em casa, começara
a lê-lo aos quatro anos e meio. Podia escolher. Não respondera ao
questionamento, por estar irritado com Cecília Meireles, mas a minha primeva
preocupação é a moldura metafórica, linguística, semântica, filosófica colocarei
numa obra.
Memórias furtivas. Representações de sentimentos me
houvera assimilar, palavras soltas no ar, letras espalhadas no chão de cimento.
Quiçá, não a escreva, publique aos 63 anos. Sartre publicou sua autobiografia
AS PALAVRAS aos sessenta e três anos. Era um sonho que nascia numa viagem,
retornando a Belo Horizonte, na terça-feira, prova de Epistemologia.
(**RIO DE JANEIRO**, 28 DE SETEMBRO DE 2017)
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