#ESCRITOR PRIVILEGIADO# - GRAÇA FONTIS: FOTO/Manoel Ferreira Neto: TEXTO
Sinto-me hoje escritor privilegiado.
Fazê-lo nas circunstâncias con-temporâneas é agulha encontrada no
palheiro. Reinam e imperam no métier da intelectualidade e das Artes egrégios
despautérios, hipocrisias, arbitrariedades, a náusea diante disto re-vela-se
solene e pomposa. Por mim, fico à distância deste métier, como o escritor Jean
Genet, não andava em rebanho, Jean-Paul Sartre é que recebia os seus direitos
autorais, entregando-lhes em mãos. Não vale a pena participar deste métier.
Tomando em questão as obras dos artistas, pintores, escritores, poetas,
escultores, quantas foram perdidas, algumas pessoas que possuíam originais de
romances, novelas, poemas, contos, crônicas tiveram a pachorra de publicar em
nome delas, críticos felizmente encontraram. A título de exemplo, mui
recentemente críticos descobriram obra de Machado de Assis perdida. A irmã de
Nietzsche tomou posse da obra dele, adulterou-a tanto que se tornou húmus do
Nazismo Alemão. Max Brod tomou posse de obras de Franz Kafka, acredita-se haver
obra que nunca foi publicada, não se sabe que rumo Brod deu nelas. O manuscrito
de John Lennon da música GIVE PEACE A CHANCE, que ele doou a um jornalista que
esteve no Hotel onde ele e Yoko se hospedaram por uma semana, época do Baggism,
fora vendido por uma soma inestimável. Seguem inestimáveis exemplos da falta de
respeito - e de amigos, parentes, conhecidos! - para com o acervo do artista,
com a humanidade, obras que poderiam despertar questionamentos profundos,
servindo como pedra de toque para outros horizontes.
E por que me sinto privilegiado? Após a decepção, sentimento de fracasso
com o meu primeiro livro de contos publicado pela FUMARC, Universidade Católica
de Minas Gerais, CONT.ANDO, andei deixando originais manuscritos em mãos de
amigos, conhecidos, até que fui chamado a atenção para o desrespeito comigo
próprio, não valorar o que escrevia, assim não mais praticando esta
arbitrariedade. Passaram-se anos, anos, jamais acreditei que viria a recuperar
os meus originais, considerei-os perdidos para sempre.
Acabo de receber via SEDEX originais de obras minhas que foram escritas
de 1979, depois do lançamento de Cont.Ando, até 1989. Não vou declinar o nome
de quem me enviou os originais, o que agradeço sensivelmente esta atitude do
remetente. No envio da pessoa, não foi conferida por mim missiva alguma dela
acusando as razões de mas colocar em mãos, após tantos anos. Tenho eu as minhas
razões desta atitude. Se não o fez, alguma razão específica houve, guarde-a com
ele no seu cofre de segredos e mistérios. O mais importante, para mim, é ter
recuperado os originais manuscritos, que poderei revisá-los, publicá-los
virtualmente ou em livros.
Ninguém tem a mínima noção do que significa isso para um escritor: obras
consideradas perdidas serem recuperadas. Serve de exemplo para este métier de
hipocrisias, falsidades, falcatruas, desonestidades, farsas que é o dos
intelectuais e artistas. O que não pertence a alguém não pertence a alguém.
Roubar obras, consumir com obras não faz ninguém importante, não lhe confere
qualquer valor, será descoberto no tempo.
(**RIO DE JANEIRO**, 04 DE AGOSTO DE 2017)
Comentários
Postar um comentário