#AFORISMO 140/RECANTO AFASTADO DA SABEDORIA# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Despojando de significado todas as coisas do mundo, o silêncio, os
elfos, os gnomos, a idéia de uma águia sobrevoando as serras, a idéia de uma
vela colocada do lado de fora da janela consolam-me prematuramente das dores
merecidas e absolvem-me de tristezas e desilusões. Não possuo nenhuma das
idéias que tivera a ingenuidade, a inocência de atribuir ao silêncio e solidão
deste quarto onde me encontro, a minha arte do cinismo e do sarcasmo, da ironia
e da galhofa, revela-se, com o tempo, tristemente monótona.
Mas apenas, metade de minha inteligência consegue acreditar a alegria e
exultação de, à noite, enfiar-me debaixo da coberta, do edredom. Se há algo que
ansiara permanentemente em todos os anos fora por uma intimidade completa
comigo, uma intimidade de compreensão e conhecimento. Se a compreensão e o
entendimento afastam-se, resta um espaço vazio, e toda a luta e desejo
profundos são de preencher este vazio, resta um espaço cheio de sombras. Se
pudesse ser frio, de não dar a mínima para o espaço vazio com a ausência da
compreensão e o entendimento, ao ponto de imaginar-me rindo tanto do vazio como
das sombras, riria sem dúvida de me imaginar vivo. Não me afasto dos desejos
mais percucientes de uma intimidade completa comigo, mexendo-se-me,
remexendo-se-me, pelas fadas do silêncio e pelos elfos da sombra e pelos gnomos
do esquecimento...
Instantes caídos nessas verdades
De verdades outras cheias
De orgulho de ter inconcebíveis angústias,
De vaidades de haverem in-auditas náuseas,
De lisonjas de serem as cintilâncias das estrelas
Ad-versas às certezas in-versas da vida.
Com que alegria, com que exultação, enfio-me à noite debaixo da coberta,
do cobertor, do edredom! O importuno rumor da vida, o importuno sussurro dos
questionamentos muitos, dos desejos de sobrevoar os campos, os rios, os mares,
seguindo os horizontes à frente, o importuno rumor da vida quotidiana, o seu
dia a dia, sofre uma trégua e no silêncio noturno a minha imaginação, a minha
criativa inteligência segue o seu curso à vontade.
Todos os homens têm, assim o creio desde há muito, desde tempos
imemoriais, como tenho costume de dizer, aprecio muito esta imagem, todos os
homens têm o direito de expandir suas opiniões e seus conceitos ao vento que
sopra. Se, então, seguindo este pensamento, aliás, uma convicção que dentro
trago em mim, deveria expandir, deveria permitir que com o soprar do vento de
sombras a reflexão da vida seja algo que mude vez por todas a vida.
Observo de repente, como quem repara que é vocacionado à felicidade,
como quem repara que é vocacionado ao seu conhecimento íntimo, como quem repara
que vive e sonha a vida, sonha o sentido da vida, sonha a união da vida e do
sentido da vida, o quarto está cheio de vozes que comigo dialogam, mas termina
por ser um monólogo porque só se ouve a minha voz trespassada de tantas vozes.
Nenhuma ânsia teria razão de ser.
Sombras se projetam por todos os cantos do quarto onde estou. Caminhando
sempre e sem o saber ou querer, parece ainda assim que me demoro á beira de
alguns rios. Sombras que são relíquias de outroras felizes. Um vento de
sombras, a janela está aberta de fio a pavio, e o dia estivera ensimesmado
devido à chuva que caiu por quase três dias continuamente, sopra as cinzas que
foram sendo armazenadas no íntimo, cinzas sobre o que sou de vigília, sobre
quem sou no sono. O espírito vagueia sem limites e sem fronteiras, sinto a
profundidade das águas que seguem o trajeto rumo ao mar, à amplitude, e a
profundeza do olhar que a acolhe e recolhe de um desejo, de uma vontade.
Instante de um nada-sublime
Nada-sublime de re-versos ideais da beleza
Nada-sublime de in-versas razões do eterno
Nada-sublime de ad-versas idéias dialécticas
Recanto afastado da sabedoria.
Aqui a paisagem tem os olhos rasos da fonte originária do rio de águas
límpidas, olhos parados cheios de tédio inconcebível de ser quem sou, de
revelar a profundidade de meu espírito, os sonhos e esperanças que me habitam a
alma, o espírito. Cheio sim do tédio de ser qualquer coisa, de não me importar
nem um pouco se não conseguir mais reconhecer-me, se decidir vez por todas
tirar as máscaras com que fui envelando a minha realidade até não mais
reconhece-la em lugar algum, mesmo no recanto afastado da sabedoria.
Afasto-me da janela, sentando-me à cadeira de sofá. Olho em todas as
direções do quarto em que estou, em silêncio, esperando ver algo, não sei que
algo é este que espero, mas espero. A grande lâmpada eléctrica sobre minha
cabeça lança uma luz amarelada e intensa, fazendo-me parecer mais claro e
pálido do que habitualmente, tirando até a cor dos olhos, de um castanho claro.
A luz amarelada e intensa que me traz a grande lâmpada parece vir-me de dentro.
Aqui me detenho e começo de pensar que há tempo que vivo instante cheio de um
outro senti-la, instante de uma perfeição vazia, instante de um nada-sublime,
tão adversos às certezas inversas da vida. Instantes caídos nessas verdades de
verdades outras cheias de orgulho de ter inconcebíveis angústias.
Instante de perfeição vazia,
Perfeição de falhas,
Perfeição de desmembramentos,
Perfeição de atos falhos,
Olhar disperso na imensidão do mundo
O sossego inquieto da fonte originária do rio de águas límpidas parece
vir-me de dentro, sim é de dentro que me vem, encontro-me encostado ao
parapeito da janela de minha residência, no terceiro andar, dando-me as mãos de
concordância espiritual ao entristecer longínquo.
São horas de cinza de espírito, não tenho a ousadia, não sou um espírito
aventureiro, pudera sê-lo, não me pergunto para que é isto que não é para coisa
alguma, para nada, estaria apenas tentando preencher o vazio das horas com algo
sem sentido, não há resposta, nem posso entender que, não tendo resposta, como
uma pergunta fora criada, fora feita, fora pres-ent-ificada. Tenho-me esquecido
do tempo, em verdade. Vivo um tempo que não sei decorrer, um espaço para que
não há pensar, um decorrer fora do tempo, uma extensão que desconhece as
emoções e sentimentos, conhece o saber como é suave saber que a espiritualidade,
o conhecimento, a contemplação, na clepsidra deste imenso desejo, sonho,
vontade do sublime, entregar a vida a esta busca, esperançoso de vir a sentir o
gosto do sublime, gotas regulares de esperança, de fé, marcam horas irreais.
(**RIO DE JANEIRO**, 31 DE AGOSTO DE 2017)
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