#AFORISMO 132/FORMOSURA CRISTALINA DO SENTIR# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
#EPÍGRAFE:
"Não acredito que em mim existe outro Romualdo Lacerda, de ser
im-possível o encontro de valores, virtudes, ética e moral, posturas e condutas
em consonância com as verdades do não-ser, pitis, orgulhos, vaidades,
impertinências, poderes, pernosticidades, prepotências." (O autor)
Ao nascer da madrugada frágil, passadas as primeiras vagas ainda
invisíveis, ainda ensombrecidas e descontentes, é um novo ser o que fende a
água da noite, tão longe de suportar, tão perto de aprazerar, tão distante de
rejubilar. As lembranças dessas alegrias não são uma saudade triste, tampouco
são nostalgias felizes e prazerosas.
Tantos anos após, ainda persistem em algum recanto de meu coração, quiçá
também nalgum recôndito sítio da inconsciência e do espírito, de onde os próprios
deuses enviam-me a sabedoria e o destino de pedra, saga de cinzas, sina de
revezes à antemão do renascer, karma de avessos in-versos às fectivas de verbos
de regências ambíguas e obtusas, o mesmo céu continuará derramando sobre mim
sua carga de suspiros e estrelas, o panorama do in-fin-itivo se con-funde mas
sedas a-temporais dos devaneios das utopias e a paisagem do in-finito se roçaga
na superfície da ampulheta, enquanto grãos e grãos vão-lhe passando na
garganta, nó górdio no peito. Porque aqui estão as terras da inocência, os
sítios da pureza.
O espírito se une aos apóstolos adormecidos e os aprova, os crepúsculos
dão-me a impressão de serem os últimos, agonias solenes anunciadas ao
pôr-do-sol através de uma derradeira luz que escurece todos os matizes,
surpresas patenteadas no crepúsculo de mistérios e enigmas, no alvorecer de
mitos e rituais, que devaneia e desvaria na travessia da noite para o dia.
Saio em passos largos. Largura efêmera.
Caminho em direção ao ponto de ônibus. Não estou só cansado. Ressacado
de sono. Dormi às cinco da manhã. São sete e dois quartos. Numa ressaca de
sono, os olhos não só ardem, fora das órbitas. Na boca, gosto desenxabido. A
saliva é água dentro de um vidro, contendo flores. O corpo não dói. Repuxa-se.
O desenxabido da saliva é a água, após as flores terem sido jogadas fora. Os
sentimentos, entre o sono e a vigília de um indivíduo que não consegue deixar
de pensar. Numa ressaca de sono, pensa-se pela saliva, pelos olhos que ardem. O
estômago, o opaco, o vazio abismado – como se tem costume de dizer, no momento da
fome? ‘Meu estômago está lá nas costas”. Estou lá nas costas.
Fome ininteligível. Capaz de comer três ovos quentes, quatro pães com
manteiga na chapa, duas vitaminas em copo grande, dois salgados, de preferência
enroladinho de salsicha. Em menos de hora e meia, sou ainda capaz de comer três
esfihas, dois copos grandes de vitamina, dois pães na chapa, uma tapioca
deliciosa com requeijão e queijo. Nada há que consiga satisfazer o meu
estômago. Na hora do almoço, posso tranqüilo comer uma feijoada bem substanciosa
ou um quibão com requeijão.
Flor de ruínas... A casa, pouco recuada, de frente para a rua. A pintura
azul está queimada de sol, e a parede, em conseqüência da chuva e do sol, bem
estragada. Há lugares escavoucados. Entre a grade e casa, jardim, grama. Quase
todas as espécies de rosas estão ali plantadas.
Jogos da mente.
Re-presentações das imagens a-nunciadas na sensibilidade.
Inspiração.
Tempos de outrora.
A suntuosidade do esplêndido ápice do prazer a manifestar os espectros
eternos e perenes da ternura, tornando o viver um simples ato de credulidade. A
formosura cristalina do sentir a presença do clímax imortal a revelar as suas
plenas imagens de júbilo, os seus dons de perseverança, os seus talentos de
Sísifo, a insistência em colocar a rocha no topo da montanha, e refestelar num
porto, em cujas bordas e orlas habita a luz, miríade de raios patenteia o
sublime, o sereno. A pomposidade efêmera do gozo de sensações da contingência a
derramar os risos solenes da esperança, os escárnios polidos da espera, a
ironia nobre da intuição. Nobre desejo de sentir as profundezas do coração, em
seu segundo mais sublime, ascendendo ao mais longínquo cume da paz o sentimento
nítido do alvorecer para o viver.
O homem re-cria para dar sentido ao seu instante-já, enquanto Deus cria
para se orgulhar de quem re-cria para intuir a Verdade da Vida.
Digna vontade essa de lançar-me nítido e consciente ao fundo de prazeres
reais. A fugacidade do olhar inscrita nas atitudes sérias e sinceras faz-me
recrudescer o sonho de futuro. Jaqueta de couro preto à Dean, boné à Gogol,
sandália de fivela à Robert de Niro, galã dos becos, devaneando a ausência de
saída, sorriso cínico, perscrutando o relógio do igreja, o movimento do
ponteiro de minutos e segundos, cena cinematográfica. Sinto permanecer num
sítio de mim e, através de sua percepção e veracidade, envio à superfície as
sensações buriladas e polidas.
O instante apresenta-me a impertinência para a longevidade nesta vida.
Ouço a nitidez de sons quase que ininteligíveis ao ouvido e sinto emanações
exóticas de um paladar subliminar. As ondas vivas de sentimentos sutis vêm
tocar as docas de caros pensamentos de ternura e generosidade. O silêncio
inaudível do sibilo na caminhada do vento rumo ao precipício do infinito traz-me
esta sutil alegria no olhar. Vou deambular fácil e espontâneo nos recônditos
sítios do sensível, sentindo as nuanças nítidas do clímax.
A emoção é o cristal onde se espelha toda a beleza, todo o esplendor,
maravilha e inutilidade do mundo. As flores de seu carinho são aparições
fugidias. As pétalas de sua consciência são alegrias breves. De sorte que a
consciência delas serem apenas aparições fugidias. As palavras sinceras e
verdadeiras, humanas e profundas são as flores de amor profundo, sujeito à ardente
inspiração de um peito mais aconchegante. No vazio do silêncio, destaca-se o
respirar cadenciado de um velho.
A carne do mundo abre uma fissura, um corte de gordura, sebo, de
gelatina e manteiga, o sangue jorra quente e espumoso. Redescubro a luz dourada
que brilha e reluz suave, meiga, serena sobre os altares do nada no fundo da
penumbra, nas pre-fundas das brumas e orvalhos nos auspícios do Pico do
Everest. Re-acho o brilho cinzento que reluz e brilha dócil, incandescente no
mistério do cenário do cheiro frio de lama, quente da poeira e do vazio que
reina e impera sob as arcadas sombrias do mundo, visto através da retina dos
olhos. A eternidade invadida por uma tenra e pueril melodia do silêncio, da
in-existência completa e absoluta do som. O vento sopra a ampulheta, mistério e
enigma de como as gotículas de areia vão passando na garganta, renovando-se,
inovando-se, incrementando-se.
O desejo leva-me longe demais, muito além, para o alto por entre riso;
eu, então, voo estremecendo como uma flecha através dos arrebatamentos ébrios e
sedentos de sol: voo para futuros remotos que nenhum sonho presenciou, para
meios-dias mais quentes dos que jamais podem imaginar a fantasia, a ilusão, a
quimera – para além onde os deuses se envergonham de qualquer traje, as ninfas
balançam a cauda à cintilância da lua cheia, não se vexam de luxúrias – a fim
de falar em parábolas, elipses, anacolutos, hipérbatos, hipérboles, balbuciar e
coxear como os poetas.
Amo este eloqüente silêncio que soa para mim como uma doce ópera,
melodia cantando a grandeza e o poder de um coração que espera ajuda só da
"viagem aos interstícios da alma", mas creio que vá dizer a mim que
não a coloque antes de destino, que diga mesmo: “Espero ajuda só de Deus e da
Senhora”. Desculpe-me a sinceridade, mas prefiro mesmo pedir à Senhora em
primeira instância, esperando que transmita a Deus o meu pedido. Será mais
fácil para Ele ouvir-me, será mais fácil para Ele realizar o de que tanto
necessito. Não é assim que as crianças fazem? Pedem à mãe para pedir ao pai?
Impetuosa paixão pelo sentimento de viver os resultados contingentes do
prazer vem surgindo saltitante pelos interstícios de olhar, buscando as
sensações alegres do peito.
Comportamentos. Gestos. Atitudes. Ações. Constituem angústia por estarem
sendo gratuitos, indecentes, imorais. Só a mudança deles não irá proporcionar a
harmonia de que tanto necessito. Algo superficial. Harmonia, a união das
manifestações sensíveis e emocionais com os desejos de construção. O mergulho
deverá ser feito no emocional. Nele, é que toda a problemática está.
Encontrar-me em quem sou. Não tombarei em colapso senão quando me fuja a
consciência. Somente a morte fará surgir a água esmorecida e depenada.
Tornar-me digno de estar existindo. Existir com dignidade. Antes, necessito de
patentear os sonhos em concomitância com as realizações. Não acredito que em
mim existe outro Romualdo Lacerda, de ser im-possível o encontro de valores,
virtudes, ética e moral, posturas e condutas em consonância com as verdades do
não-ser, pitis, orgulhos, vaidades, impertinências, poderes, pernosticidades,
prepotências.
As flores, as lágrimas (quando contidas), as partidas e as lutas são
para amanhã. No âmago do dia, quando o céu abre suas fontes de luz no espaço
imenso e sonoro, todos os promontórios da costa se assemelham a uma frota que
parte, um barco à deriva no mar, oscilando nas ondas.
Extasiado em alguma abstração fascinante, de que não tenho consciência.
Erro pelas ruas e pela cidade em redor, fixando tudo e, contudo, sem nada ver.
Falo raras vezes, quase não tenho relações com os habitantes da terra; nem sou
pessoa para meditar; consumo-me numa orgulhosa tensão de hostilidade e
amabilidade, como o polo negativo, positivo, dialéticas e contradicções...
(**RIO DE JANEIRO**, 28 DE AGOSTO DE 2017)
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