#AFORISMO 104/PELO LIMITE DO GRITO: ESSE NÃO-EU** - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
"O vento ermo no campo traz a inteligência no bolso." (Manoel
Ferreira Neto)
Idéia louca de ser lua cheia. Ou crescente. Ou não ser lua. Ou não ser
nada. Apenas uma coisa de alguém. Que esquece em casa. Deixa na gaveta. Junto
com as camisas cheirosas. Sem ser dada ou tomada. Basta que de vez em quando
abra a gaveta. Olhe-me. De soslaiou ou de banda. De modo algum.
Súbito, a frieza da solidão nos ossos. Na posse do apelo mudo. Na
negligência da morte. No con-sentimento do surgir do nada, retornar ao nada, só
se atinge a eternidade para trás, em cujas trilhas passos foram dados. Plana,
rica. Imunda. De modo que o próprio desequilíbrio teria esquecimento daí.
Ocorre-me que recuperaria o rosto e a expressão de inocente hipocrisia, ingênua
aparência, inocente farsa. Resgataria a face, fisionomia circunspecta,
semblante entre introspectivo e sinistro. Se o impalpável brilho da areia
esguinchasse o sono. Ansioso. Lamento. Clamor. A alternância egoísta reluz aos
olhos extremunhados do peito. E ronda, no fim da noite, a estranha mão de fogo.
Sonoridade de asas de pano. Entranhas chacoalham o vazio, chocalham o nada.
Não poder tocar a alma sem perdê-la - próprio dos naturalistas
desastrados. Nem tanto o devaneio, nem tanto o despautério. Gotículas de
lágrimas vertidas não re-presentam idílios não cor-res-pondidos
Meto outro cigarro na boca. Palavras borbulham quentes. Debatem-se sobre
tábuas ásperas. O móvel oscila um pouco. Enérgica distância do que há-de ser
apagado em silêncios. Inútil, a incompreensão excitada.
Ilusões imergem.
Desvario passageiro, entre as mãos, reduzido ao destino que precede mal
ao pescoço que o puxa sempre mais para baixo. Esgares sem palavras. Recorrem
com um zelo arrebatado à carniça dialética e à vontade dos carrascos, o mau
cheiro das contradições e as volúpias dos algozes.
O eco significa bastante. Indica que a humanidade se renega e os homens
não podem sair nem atingir os limites, as limítrofes linhas entre o
inconsciente e o consciente. O sussurro fornica todos os dons para cacarejar
liberdades.
Olho um papel amassado no chão. Estou bem só. Virado para o futuro. Não
dou por mim que enxugo mal os sonos no ouvido. Enxergo mal ao longe. Miopia. Às
portas das tabacarias, não sou nada, não quero ser nada. Atiro navalhas aos
fingimentos. Se me sentisse apenas feliz até ao absurdo e aos viscosos.
Dúvidas. A descrença cobrir-me-ia de vergonha.
O excesso do louco reside no meu prazer. O paradoxo do desvairado...
inexistente. Mãos ecoam no movimento de dedos. Traço linhas gerais. Facas
cortam o osso temporal. Espalham cinzas ao comprido de ausências. Impregnado entendimento
de sonhos esgotados.
Irrisórias in-verdades de instantes-limites do verbo de tempos
pretéritos - angústias, tristezas, acompanhadas de insônia, medos, inseguranças
do porvir. O que era sonho tornou-se pesadelo, originando desespero, era outro
e nem imaginava, quaisquer noções. Ad-verso aos preceitos, dogmas, princípios.
Andar solitário por entre os homens, sem os lenços, documentos quotidianos,
triviais de con-sentimento das idéias, pensamentos, valores e virtudes
mundanos, à busca de quê, desejando o quê, esperança em quê.
Feto, aeiou. Feto, aeiou.
Feto. Féretro. Falta-me afeto. Falta-me alento. Faltam-me as idéias
encadeadas, concatenadas. Falta-me redescobri-lo. Descentralizá-lo.
Distribuí-lo. Entregá-lo.
Estou um feto. Molhado por dentro e por fora. De dentro para fora. Esse
branco.
Esse sol.
Esse reflexo.
Esse eu.
Esse não-eu.
Misturo. Tudo. Faço nada. Sensação. Portão. Plutão.
E Platão degusta o sabor das idéias, à soleira da caverna é madrugada
silenciosa.
Este muro já devia ter caído. Todos caem. Esse entre nós. Entre eu e eu.
Entre mim e o si-mesmo.
A noite cerra as pálpebras com um olhar morto. A interminável madrugada
instaura-se – reconheço a sedução do pecado. Só e nu. Por dentro, o cancro da
indiferença a comer-me. Sentar-me à beira da vida é o suicídio mais covarde,
por manter a aparência de desejar existir, ser sensível.
Só... O manto verde e amarelo vem e corta-me pelo limite do grito. O
sobretudo branco e azul some e resgata-me pelo absurdo da audição. O boné de lã
de carneiro protege-me do sol. Arde-me no corpo a angústia do exílio,
queima-me. No sangue, a vertigem. Ser inteiro na consciência. Igual a mim e tão
abandonado. A serpente da tarde ergue-se, insanamente, do fosso.
Ah, se pudesse ser, nas mãos, só o símbolo das dialécticas e do
silêncio. O vento ermo no campo traz a inteligência no bolso.
(**RIO DE JANEIRO**, 17 DE AGOSTO DE 2017)
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