#AFORISMO 124/SOU QUEM DEVO SER# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Corre para a ruína, a desgraça a humanidade inteira! Tudo decai, tudo
vai mal!
Vou até ao fundo deste pântano. Serei hóspede inestimável das víboras,
preparar-me-ão o mais nobre dos ninhos!
Antes nada saber de coisa alguma do que saber muito pela metade. Metade
de um cálice de vinho e metade de uma porção de salmão não sacia a volúpia do
prazer do paladar pleno. Metade da metafísica da razão pura e metade da
metafísica da razão prática não conceituam de liberdade o dever moral e ético.
Duas metades de maçã não fazem maça inteira.
Antes ser um embuste com os próprios pensamentos, idéias, com a cabeça
mesma do que um egrégio sábio ao sabor dos outros, às barras das saias da
sociedade, às barbas dos dogmas e preceitos, aos chapéus da verdade e do
absoluto e do divino.
Para a verdadeira consciência do conhecimento, nada há de grande, de
absoluto, nada há de pequeno, nada há de ínfimo. Perdoem-me que, neste
pormenor, legue eu a palavra ao meu orgulho, empáfia, pois que, em tal matéria,
não há quem me iguale: "Aqui estou em minha residência, ouvindo músicas,
fumando um cigarro, jogando fora as infantilices e cretinices das fantasias do
poder."
O que exige de mim minha consciência do espírito: eu saiba que o nada é
a ponte que conduz à liberdade, o mata-burro que conduz ao ser, a pinguela que
conduz à busca da eternidade, de tudo mais nada saiba; nauseiam-me todos os
meios-termos do espírito, todas as mentes entupigaitadas de exaltações, todas
as mentes plumitivas, todas as mentes enobrecidas e nebulosas.
Naquilo que quero saber, quero também ser probo, sincero, honesto, isto
é, duro, severo, preciso, cruel, implacável, pois que é a minha vida que está
em questão. Sou quem devo ser.
Cruzo, com pés quentes, o meu monte das oliveiras, o meu campo de
castanheiras, o meu vale de orquídeas; no recanto ensolarado do meu chapadão,
canto e escarneço de toda compaixão, fraternidade, solidariedade. Eis a
benevolência de minh´alma!...
Não houve vez única em que tenha ouvido falar em demônios da escória não
os tenha achado mentirosos e superficiais, aprenderam com fartura a arte de
fazer a lama ferver.
Admiram-me os que convidam os amigos para um churrasco no fim de semana,
enquanto tem dentes: querem escarnecer e acabam sendo ridículos.
Minha virtude enojou-se de si mesma, era brotada de minha solidão, pela
sua superabundância, pela sua eloquência. Oh solidão de todos os que espargem
luz: nos espaços vazios fala a tudo o que é escuro, obtuso.
Oh serpente, tomai o teu veneno de volta. Não sois tão rica em
perspicácia, não sois tão ardilosa, tão cheia de trambiques, tramóias para
dá-lo de presente a mim.
(**RIO DE JANEIRO**, 25 DE AGOSTO DE 2017)
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