#BRUMAS DE PRATA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: SINOPSE DE PEÇA TEATRAL
Post-Scriptum:
Aos 12 de junho de 1989, comecei de delinear uma Peça de Teatro,
traçando o uni-verso emocional, sentimental de um personagem, inspirado num
encontro psico-analítico com a minha psicanalista Joyce Maria. Um momento sui
generis: senti naquele encontro a genese de meu "Eu" autêntico
verdadeiro. Escrever a Peça, após estas anotações sobre o personagem, não me
fora tão importante: a importância residia na concepção do "eu" de
mim sentira naquele tempo.
ANÁLISE: 12 DE JUNHO DE 1989
PEÇA INTEIRA
Apanho-me sentindo uma leveza, vinda de que sítio não sei, uma sensação
suave na carne, mas, devido à tensão existente no interior, não consigo nomear
estes fenômenos em mim. Talvez por estar havendo um obstáculo emocional de o
tempo intronizar-se no sentimento de meu amor, arrancando de sua memória as
situações de fracassos, colocando a identidade às claras. Talvez por estar
havendo um empecilho de a consciência penetrar no tempo de meus sentimentos,
retirando as arestas das lembranças das perdições, pondo evidentes as emoções.
Talvez por estar havendo uma dificuldade sensível de o intelecto adentrar nas
fantasias, entendendo-lhes, explicando-lhes, construindo o arsenal da
consciência. As fantasias precedem a consciência. Engurgitado no cansaço de um
dia envolvido inteiro com a datilografia de uma obra, e feliz por haver
descoberto em mim um amor antigo, filtradas as impurezas no tempo, adquiro pela
primeira vez uma espécie de cumplicidade com as forças de decisões, com a
firmeza das palavras, uma familiaridade com a franqueza. É evidente: este amor,
desde os primórdios de seu nascimento, legou-me sempre uma força de decisões,
uma autenticidade das palavras, uma perspicácia no entendimento de minhas
circunstâncias da consciência, penetro-me fácil nos liames de minhas fantasias,
encontrando a verdade de mim. Descobertos tais fenômenos, alicerçados no
sentimento de rejeição, medo da solidão, necessidade de compreensão, temi
radicalmente os resultados, preferindo uma ambiguidade de sentimentos, uma
força e insegurança de decisões, uma autenticidade e desamparo das palavras,
uma perspicácia e desconsolo no entendimento de minhas circunstâncias da
consciência.
Vivia com ferocidade a inquietude do próprio corpo. Respirava uma
verdade simples, quase higiênica e equilibrada. Reprimia as fantasias, por uma
questão de não desejar ir bem fundo na duplicidade de sentimentos, dizendo-me
não ser sincero aceitar a imaginação. E, não sabendo mais distinguir a fantasia
da imaginação, transferia o significado de uma para a outra. Não me é sabido
como se deu o processo de filtramento das impurezas deste amor em mim, pois o
discurso estava envolvido das melhores fugas e mentiras. Conquistar o seio do
amor, em sentido de sentir-lhe com seriedade e verdade, é tarefa dificílima.
Não posso, em hipótese alguma, com convicção, afirmar este amor seja
puro, as impurezas tenham sido filtradas, pois reside em mim um sentimento de
fracasso, começado a fundar-se no início deste amor. Mágoas, ressentimentos,
raivas, cóleras, aborrecimentos, nascidos a partir de inúmeras situações,
esvaeceram-se com efeito.
A bruma de prata que flutua pela manhã sobre os prados ainda sonolentos
é o vestido da intimidade. Inalo, entre lacônico e lascivo, a pureza de
sentimentos e sensações, que, aglutinados à consciência das dores mais
substanciais, desejam a mim calmo e tranquilo, vivendo e sentindo prazeres.
Encoimo a consciência perspicaz, por vezes, a empreender-se a favor do
singular, e é a sensibilidade a crochetear os pensamentos. Efemeriza-se no
vácuo no interior da memória e, de suas dimensões temporais, exalam a
contingência dos desejos mais profundos, a necessidade da visão de vida mais
sentida e processada.
A intimidade nua, a mostrar-se sobremaneira, sente as sensações mais
singulares de inteiração e desvencilhamento do gozo e prazer. Transcorro-me em
termos afetivos. Concilio a intimidade com a imanência, num fervor de
renovação. Insuflando interiormente, sinto-me estar. Não consigo deixar de
reconhecer existe neste sentimento de liberdade qualquer coisa de inteiramente
espontâneo, às vezes gratuito e irrevogável, que caracteriza o encontro de
percepções novas e escapa a qualquer fantasia. Postergam-se as emanações
contingentes do absurdo e, encontradas as idéias de sossego e silêncio,
extravio as sensações de perda.
Há consolo no espírito branco da eternidade. Tenho uns desejos vagos e
incompletos, uma moleza voluptuosa e agradável que me obriga, inerente aos
desejos, as fechar as pálpebras. Parece-me, a princípio, haver sentido uma
eclosão, bem para além do inteligível, e sou uma ironia mesclada de cinismo, a
sentir os pensamentos. Reconheço o tempo, uma sensibilidade no seu âmago,
transpareço em nível das palavras. Quem sou? Uma gota de mais e/ou de menos no
copo de minhas ausências - surge de verificar a distância de mim a estender-se
ao longo da alma, fluindo-se espontaneamente. O exílio de agora não será apenas
manifestação, ser-lhe-ei os êxtases das ondas. A dança de uma evidência que se
escova todas as manhãs. Conciliam-se raízes que se afloram no fundo do tempo e
da terra à beleza muda, silenciosa. A fisionomia de uma ingenuidade proclama um
silêncio indisciplinado, e o rosto da inocência perspicaz lança na consciência
a sombra clara do indivíduo.
Um lânguido e tênue olhar entenebrece como um céu onde vai relampejar.
Penso as contingências todas do passo sombrio - uma nitidez de ar sem poeira,
sem a vibração de raios tensos e densos. Intuo as arestas da consciência, os
resquícios da razão, vestígios da indagação: sou a mesma abertura de silêncio.
Brilha mais puramente a brancura da realidade. Lá das profundezas da solidão,
não devolvo as coisas nem as modifico. Um vento brando reflete no coração. A
fumaça do cigarro habita o escopo da intimidade. Fundo-me e me absorvo na
humanidade prolixa. Olho a claridade da luz. Afigura-se-me a imanência seria...
uma ausência lenta. As imagens retornam a encenar frente aos meus olhos. O
retorno nítido de uma cumplicidade com o sentimento do eterno aglutinado à
consciência da alma e suas voluptuosidades e volubilidades.
Levantei com o sentimento de estar sendo consciente hoje. Nada há senão
uma atitude sincera e de que, em verdade, só eu participo de sua orgulhosa
liberdade, só eu, enquanto a necessidade de doar-me vem ligeira à minha
consciência. Sou.
(**RIO DE JANEIRO**, 04 DE AGOSTO DE 2017)
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