#AFORISMO 129/O ARVOREDO SOMBRIO DE ALÉM CONFUNDE-SE NA GENERALIDADE DAS TREVAS# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Re-vela-se a manhã. Neblina
embaciando a visão.
Identifica-se a natureza. Calma,
quieta.
Olhares inventamos para manifestar
desgraças íntimas.
Outros para driblar e dissimular,
Inda outros para encantar, seduzir,
dissimular,
Por singular seja, inda mais outro,
- pre-figurar,
- representar - o enleio, enredo,
mentiras e mistérios in-devassáveis.
Havia o declive das avenidas
Favorecendo nossos passos comedidos,
Lentos, aqueles de quem estão
conversando amores,
Tocando com palavras sentimentos
íntimos,
Os de bichos-preguiças, re-colhendo e
a-colhendo emoções,
Instantes-limites, sentimentos,
desvarios, devaneios, dispersões,
Absurdos, hiatos, ausências,
presenças...
O aclive para amortecer um pouco a
prepotência, pernosticidades.
Sonhos, esperanças, inspirações
re-criamos e criamos.
Estando os galhos inertes, o vento
balança-lhes, dando harmonia às folhas verdes, molhadas pelo orvalho,
engolfadas de opacidade, de seu cume, cruz solitária, dizem que ela purga a
mediocridade, hipocrisia, farsas, falsidades dos homens, e o lugar chamado Vale
dos Insurrectos. O céu, com nuvens brancas de perto e, ao longe, no que é
conseguido ver da montanha, algumas nuvens obscurecidas. Árvores impedem de
saber se são contínuas. À janela – cabeça de fora, - não é verdade. Claras.
Nítido nulo. Mudança irreal/real. Emoção sentida. Divagação, sentimentos fluem
a-facelados. Devaneio: idéias e pensamento rugem desvairados, viagem ao nirvana
da alma.
Dor incrustada no peito.
Somos uns tristes e desamparados.
Somos uns loucos e dispersos.
Somos uns desvairados e desmiolados.
Dias de verão. Lugar em tédio
deixado. De tudo, sentimento vivido. A renúncia encontrada em nós desta
liberdade. Olhar de frente as coisas lineares renascidas nas veias oblíquas.
Olhar de soslaio as coisas exteriores, renascidos no tempo obtuso. Vem a imagem
de que necessito retornar à sombra de uma árvore, a cabeça sobre sua raiz, e
olhei para cima, um vazio sem limites, mas esta lembrança permaneceu em mim
desde sempre, embora não tenha sentido ou intuído antes.
Fazenda.
Era tarde, o sol queimava o corpo a
qualquer toque, um calor infernal, fui lá eu sentar-me por baixo de uma árvore,
para descansar à sua sombra, fora quando senti um vazio enorme, e quando
desejei ter ao meu lado todos os homens, de qualquer credo ou raça, reconheci
uma folha de jornal sobre mesa de costura. Fascínio.
A terra sugere levantar-se, o céu
descer. O verão vai chocar guinchos cerimoniosos nas vertigens. Transcorre-se
ambíguo.
Absurdo plúmbeo e clorificado.
Oscilam entre sombras, tédio,
obscurecimento.
O duplo transcorre-se.
Oscila entre o pessimismo, nostalgia,
paz. Somos miséria, desgraça. A liberdade, luz estrídula: presente e futuro.
Presente mesquinho, medíocre, vivido insuportavelmente. Não vislumbro nele
senão um estranho e inexplicável mostruário de paixões e desejos reprimidos, de
tradições e idéias maquinais, tudo mal misturado e ao acaso no rosto débil e
lustroso de um homem que orça pelos trinta e oito anos, tão irresoluto e
indeciso agora como o fora na mocidade.
Esquizofrenia, psicopatia, alienação
mental. Menino louro, olhos azuis, rosto magro, quatro anos de idade. Olhos de
sobrenatural demência. Aspecto de quem observa as coisas e não as vê. Lugar
vazio. Mostram ali terem estado várias coisas. Tiradas e nunca devolvidas.
Acusando-se por sinais visíveis, feitos à custa do tempo. Perdeu o contato
direto com o mundo, este empreende viagem, além das retinas. Assistem a
mulheres, encostadas à porta das lojas, esperando a vez de se entregarem.
Defendem a sobrevivência – cama nua e crua. Fingem gozo. Não sentem o momento
de tudo ter qualquer revelação e voltar ao normal. Se o tempo houvesse sido
outro e não o que foi. Instantes sucedem-se e, sucedendo-se, param segundos.
É verdade sim que os homens desejamos
viver alguns momentos que vivemos, mas com a visão-de-mundo que possuímos hoje,
com certeza, descobriríamos verdades inestimáveis, e foram as que não sentimos.
Sensibilidade não tem tempo, nem idade. Há experiências mais lúcidas. Sei-o.
Quanto o sei neste segundo em que não há palavras para definir o que quer que
seja, e tão só penso e sinto, ou busco sentir, tão só in-vestigo, questiono,
indago, desejo a utopia da consciência livre, vivendo o efêmero, vazio, náusea,
pés fincados no chão. Os sentimentos...
Tudo vem à tona, à superfície, após
um reencontro com alguém a quem amamos e desejamos tudo, o mundo, uma pessoa
com quem compartilha ternura, sedução, sinceridade, seriedade, amor, carinho,
afeição, dedicação, artes ad-versas conciliando-se, comungando-se, aderindo-se.
Pre-figuração. Re-presentação. Tão somente, estar-no-mundo, estar-com... A
eternidade... Presenças de sentimentos, alegrias, felicidade...
É muito fácil explicar os paradoxos,
as contradições. Falo de duas coisas diferentes: por um lado, daquilo que a
verdade estabelece, e por outro, daquilo que eu chego a saber por experiência
pessoal. Certamente que não li em nenhum compêndio, embora naturalmente deve
estar estabelecido aqui que o inocente deve ser absolvido, portanto, não se
estabelece nelas que se possa influir sobre os homens por meio de relações
pessoais.
O menino não grita. Não chora. Chama
por alguém. Ali, parado, olhando as coisas sem nada enxergar. Limita-se à
posição estática, chupando o dedo. Não tem consciência de tudo estar emergindo
e dando espaço a outras coisas que vão imergir até que nada haja, aspergindo
gotículas de água de estalactites. Ali, sozinho. Nada surge. Os acontecimentos
estão diante dele a exigirem participação. Mostrando-lhe tudo. Atitude
instantânea. Embora não o seja tanto. A demência não lhe permite. Levanta-se.
Dirige-se à beira da lagoa. Próximo ao banco em que estava sentado. Tira a
calcinha. Segura o sexo. Jorra água aos poucos. Tudo, parado. Observa a ação. A
mãe olha. Pasmo e terror. Somos os únicos que presenciam. Nada diz.
Saio. Caminho. Nada para fazer. Rua
da Consolação.
Com certeza, houve modificações, mas
metamorfose alguma. Nada além que irresolução e indecisão. Que inventário
maravilhoso!
O conhecimento da beleza incumbe-se
em ir construindo-se. A afeição transbordante de calor. Passo pelo tempo,
conhecendo. Não fora Sócrates quem disse, “Homem, conhece-te a ti mesmo...” A
imortalidade viva e perspicaz de ternura. Se aqui, “ad absurdum”, o
conhecimento da beleza torna-se ainda mais doloroso, uma empresa de longo
fôlego. Se lá, “ad infinitum”, o conhecimento da beleza será apenas idéias de
mim. Só eu sei o que isto significa. Estar à procura de uma realização, não
sabendo onde se encontra: a ausência de compreensão e entendimento. É muito
mais profundo.
Resta-me agora a tarefa mais difícil
para mim, mas também a mais necessária: falar-vos brevemente a meu respeito sem
pudor nem vergonha, a fim de dar consistência ao pouco que exponho aos senhores
até agora. Porque vos poderia ter sido exposto por qualquer outra pessoa, mas,
para adquirir um mínimo de valor, deve estar, por assim dizer, encarnado em uma
experiência concreta vivida. Melhor dizendo, é preciso mostrar que foi “pago”,
porque não foi gratuito, nem, muito menos substituível ou suplantável, ou seja,
anônimo e anódino.
Se eu entendo, se eu com[preendo]. Se
há na verdade com que idealizo os sentimentos e as idéias conciliados, tornado
verso-uni, verso-uno? É a manhã que desvela tudo, exaustões e amores. Ignaros
cochilam, encarcerados também. A terra afundada, a universalidade imagina
destemor e volúpia. Único objeto, numa rocha de treva circulada de tudo, é este
sítio que anuvia, vazio de seus mistérios. Amores, ódios não nos são ditos.
Aliás, itens... Emudeceram vontades e histerias.
O arvoredo sombrio de além confunde-se
na generalidade das trevas. E, no meio deste negrume universal, distingo apenas
luzes disseminadas, que são convidadas. À distância, na superfície de tudo, há
reflexos de fogo descorados, verdes, vermelhos, amarelos.
Não fosse o convite, assim tão rápido
e compulsivo de atenção, desejando fazer as cenas, como seria este arvoredo
sombrio de além? Estivesse sim diante de uma árvore e fosse tomado por estes
pensamentos? Deva ("de") ser mui lindo e charmoso!...
(**RIO DE JANEIRO**, 27 DE AGOSTO DE
2017)
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