#AFORISMO 106/ONDE AS TEMPESTADES SE PRECIPITAM NO MAR# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Nada corroborando o sublime desejo de con-templação do arco-íris ao
longo da montanha. Nonada exsudando grãos de areia na ampulheta sobre a colina
onde raios de sol incidem misticamente. Lenta aranha rastejando ao luar, o
próprio luar, eu e as lembranças distantes e próximas cochichando de coisas
externas.
Vazio de perfeitas dimensões con-tingentes menoscabando sentimentos e
emoções que esplendem as visões aos lotes vagos dos becos onde boêmios catam
cavacos e vociferam impropérios contra os ressentimentos e mágoas. Náuseas
noctívagas performando inter-ditos e in-auditos sob a re-velação da lua cheia,
num silêncio mortal, quando também as cadelas tem medo de almas penadas.
Contorcido, sufocado, convulso, com o rosto transtornado, negra e pesada cobra
pende de minha boca.
Coração tem quem vê o abismo com petulância. Alma tem quem precipita no
mar as tempestades.
Quem sabe tenha eu a faculdade de julgar os valores estéticos do abismo,
segundo critérios subjetivos, sem levar em conta as normas preestabelecidas?!
Por julgar que a tenha, é que vejo o abismo com petulância. Não me refiro à
petulância, diante de testemunhas, diante de alguém que reconheça esta
petulância, refiro-me sim à petulância de solitário, à petulância daquele que
não ergue nenhuma efígie e a adora e venera, daquele que não tem deuses por
espectadores, não tem Zeus como protagonista, não con-templa sua imagem
re-fletida no espelho.
Creio, sim, a crença de quem contempla e espera alcançar uma graça, aos
risos e ouros sentir enfim o que é isto a esperança, que, quando é chegado o
instante de sua entrega aos homens, ela simplesmente põe em mãos outras tantas
realidades e prazeres. Creio sim na imagem que se me surgiu no espírito. Por
uma frincha das folhas de uma árvore, vi as montanhas descerem aos vales, os
abismos subirem à superfície, algo assim como uma nova terra, uma nova
realidade, novos sonhos e ideais, enfim, o viajante da ressurreição necessitava
seguir a sua jornada, e num sonho desta noite senti onde as tempestades se
precipitam, no mar, olhei-me ao espelho e sorri plenamente.
O que dentro trago em mim deve ser revelado, deve ser expresso. Por
exemplo, pela minha parte, sinto um alívio sem precedentes estar cá em cima,
olhando o mar, perscrutando a sua profundidade, buscando revelá-lo. Sem isto, o
sentido da vida não teria o mínimo senso. O que dentro trago em mim deve fazer
sorrir de prazer, de questionamentos, de novas possibilidades, novos encontros,
novas amizades, aí sigo a viagem para onde as tempestades se precipitam no
mar... no Mar de Janeiro.
A vida... Meu Deus, tantos caminhos nela, às vezes temos de passar por
veredas, becos, alamedas, escuros todos, não podendo enxergar um palmo além do
nariz adunco, não sabendo o que pode haver, onde novamente as luzes iluminem a
cidade inteira; o mesmo no que concerne nossa vida intima, esquecemo-nos de que
nos perdemos com os nossos dramas, onde está a esperança a que somos
vocacionados, vocação dada gratuitamente por Deus, deixo de ser feliz, de viver
em paz, de sentir amor e carinho, dedicação e entrega, em nome de coisas já
passadas, de futilidades, de achaques e pitis.
Faz-se mister um conhecimento de quem somos e quem representamos no
mundo, tornando-nos conscientes, homens em busca de nossa verdadeira vocação: A
Paz, a Felicidade.
A sombra é uma dimensão do conhecimento.
Às vezes, se observarmos com perspicácia, percebemos que ela reflete
exatamente a adversidade de nossas condutas, atitudes, ações. Ela mostra-nos
que andamos em direção contrária às nossas necessidades mais fundamentais: a
compaixão, a solidariedade. Colocando-nos diante dessa nossa sede de
contemplação e conhecimento, estamos desejando sim que haja uma síntese do
homem e de sua sombra.
O questionamento que nos é colocado é justamente a nossa
responsabilidade com a vida e o sentido desta.
Devemos trazer as montanhas para os vales e os abismos para a
superfície.
(**RIO DE JANEIRO**, 19 DE AGOSTO DE 2017)
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