#AFORISMO 117/PODE ALGUÉM REPICAR COM SINOS A SABEDORIA?# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Prescrito fascínio o de gostar de caminhar com pernas tortas. Não quero
muitas honras, tesouros. Quero apenas o con-sentimento de con-templá-las nas
alamedas, ruas e becos, ruminando paciente como uma vaca: quais foram as dez
verdades que me extasiaram na ec-sistência, êxtases de júbilo e glória, as dez
risadas altissonantes que me fizeram verter lágrimas pujantes, regalando o meu
coração de tanto prazer e estesia, o brilho do sol cintilando nos dentes, em
que circunstâncias me reconciliei dez vezes com as mediocridades e
mesquinharias que regem as misérias do espírito...
Minha sabedoria reza ser mister pastar no vale todo dia para no
entardecer, de estômago cheio de feno, dormir o sono de quem suprassumiu as
carências, a memória do tempo mais fundo, a res mais extensa, o sonho anterior
às artes, a canção no ermo continente.
Vida mínima, essencial; um início, um sono;
Virtudes simples, amplas; uma inspiração; um sonho. O eco não
cor-res-pondendo ao apelo, o exílio sem água e palavra. Não a morte, contudo. O
tempo elidido, domado. Seria a sabedoria sono sem sonhos? Não me é dado saber
melhor sentido de ec-sistir!
Uma coisa é a solidão, outra, o abandono. Por que, no meio dos homens,
hei-de ser um selvagem e um estranho? Faltam-me as palavras para entabular um
diálogo, mesmo que de ninharias, mesmo que de orgulho des-enfreado de gostar de
caminhar com pernas tortas, mesmo que de "causos" inóspitos, mesmo
que de piadas chinfrins. Faltam-me aquelas lisonjas do palrador que sente ser o
ás do momento. Des-embesto-me nos hiatos que me habitam à cata dos inter-ditos
obstinados dos sentimentos ocultos, sentindo-me in-audito, sendo justamente
quando descubro o deserto abismático de meu ser, o devir quer que lhe ensine a
falar.
Pode alguém repicar com sinos a sabedoria? Busco, por vezes, des-cobrir
caminhos de longe, os rios primeiros e certa esperança e extrema poesia, a
alvura primeira de cânticos, o círculo de água refletindo o rosto, novos
horizontes em ascendência ao positivo, ao belo... Áureos tempos!... O recurso
de Kant, a poesia. Pode alguém musicalizar, ritmar, melodiar, acordear com
matraca os hiatos da ec-sistência?
(**RIO DE JANEIRO**, 24 DE AGOSTO DE 2017)
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