#SER O SILÊNCIO NO SILÊNCIO DO SER/À COMPANHEIRA DAS ARTES, Graça Fontis# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
É
o silêncio na alma. É viver com o silêncio na alma. É simplesmente deixar que
este silêncio se revele, se manifeste livre, espontâneo, sem qualquer muleta da
razão, sem qualquer bengala da intelectualidade, sem quaisquer esperanças de
sua revelação, a-nunciação... Assumi-lo plenamente. Vivê-lo. Quem o deixa
perpassar todas as dimensões do ser, do espírito e da alma, com certeza, sente
o além, sem a presença da imortalidade, da eternidade. Nem poetas ou escritores
são capazes de vivê-lo na sua essência, pois que sempre têm os utensílios da
pureza da inspiração.
Silêncio
é silêncio no silêncio. No silêncio do silêncio, o silêncio é a voz suprema do
saber a vida na roda-viva das dialéticas do ser e não-ser, no catavento das
contradições do efêmero e eterno, no redemoinho das ambiguidades da morte e
dubiedade do nada. Nos re-cônditos do silêncio, o silêncio é o vernáculo do
espírito sem a metáfora do sublime, sem a sin-estesia da leveza, sem a poiética
da pureza. Nos interstícios do silêncio, o silêncio é a erudição da alma que
perscruta a semântica linguística da solidão do ser, a linguística semântica
das melancolias e nostalgias pretéritas das angústias e tristezas, à busca do
solstício do alvorecer para lhe guiar, orientar no ser-para a consumação da
verdade.
Silêncio
não se verseja de versos e estrofes, trovas, sonetos, poemas livres. Habita-lhe
na poética do ser. Silêncio não se prosa, proseia, não é prosa que racionaliza
a gnose das experiências, vivências, pre-núncio do saber. Silêncio não se
vers-ifica das suas reflexões do deserto, meditações do porto. Não se diz o
silêncio, não se metaforiza o silêncio, o silêncio se versifica no silêncio que
afagamos com as verdades do sonho, das esperanças, das utopias, à busca das
palavras sagradas no livro do Ser.
O
elemento principal no bem-estar de um indivíduo — de fato, de todo o seu modo
de existir, de ser-no-mundo — é aquilo que o constitui, que ocorre dentro dele
próprio. Pois isso constitui a fonte imediata de sua satisfação ou insatisfação
íntima, que resulta de todo o seu sentir, desejar e pensar. Tudo que o cerca
exerce somente uma influência indireta; por esse motivo, os mesmos eventos ou
circunstâncias afetam diferentemente cada um de nós; e até com ambientes
exatamente iguais, cada qual vive em seu próprio mundo. Pois um homem apenas
preocupa-se diretamente com suas próprias ideias, sentimentos e volições; o
mundo exterior somente pode influenciá-lo na medida em que traz vida a esses. O
mundo em que cada qual vive depende principalmente de sua própria interpretação
desse e, assim, mostra-se diferentemente a homens diferentes; para um é pobre,
insípido e monótono, para outro é rico, interessante e importante.
Fica
mal com Deus quem não alça vôo nas asas do condor de esperanças, real-izando os
clímaces voláteis do gozo da estirpe. Fica mal comigo quem não trans-eleva a fé
no divino eterno aos auspícios da liberdade que exala suas nuanças de desejos
de compl-etude com os termos acessórios do nada e efêmero, como o pássaro de
fogo que choca os ovos das chamas perenes a aquecerem o inverno das espécies
susceptíveis às caliências do nunca antes de quaisquer jamais, carências do
sempre antes de quaisquer pretéritos perfeitos ou imperfeitos. Fica mal com a
vida na sua vocação de ser o absoluto perfeito, inda que tardio o perfeito,
inda que in-ec-sistente as ruminâncias de ouro e risos a satirizarem com
veemência e re-verência o surrealismo das laias côncavas e convexas das
viperinidades da natureza humana, quando o perfeito, desde a eternidade,
encontra-se refestelando-se às margens sinuosas do cócito inaudito de vozes que
permeiam a noite de lua cheia e centenas de estrelas cadentes...
Oh,
centelhas que brilham momentaneamente, onde faíscam o silêncio da liberdade e a
liberdade do silêncio?
Pelo
meu caminho vou, vou como quem pisa com toda delicadeza e acuidade os ovos da
"garnisé", grávidos de réquiens para as ipseidades do pretérito
iluminando as trevas e sombras da terra do bem-virá. Vou como quem saltita nas
brasas de lenhas da lareira, incandescendo a sola dos pés para sentir o prazer
e volúpia das estradas na jornada sem limites, fronteiras, obstáculos, enfim
sem o instante-limite do zero a prenunciar o "um" dos solilóquios e
colóquios da aritmética dos "noves fora um". A linguagem é condenada
pelos princípios, o estilo é indecente pelas lógicas, mas antes sendo do que
dar com as mulas no mata-burro, com os jegues no abismo.
A
vida consiste de movimento e nisso reside sua própria essência. O constante
movimento interno requer auxílio parcial por parte do exterior. Essa falta de
proporção é análoga ao caso onde, em consequência de alguma emoção, irrompe
dentro de nós algo que somos obrigados a suprimir. Até as árvores, para
florescer, precisam ser agitadas pelo vento. Aqui se aplica uma regra que pode
ser anunciada de forma mais concisa em latim: omnis motus, quo celerior, eo
magis motus [quanto mais rápido é um movimento, tanto mais é movimento].
Silêncio
é silêncio, vive de suas vozes íntimas e trans-cendentais da espiritualidade,
da divin-idade. Não se alimenta dos pães e trigos do vir-a-ser, alimenta-se da
plen-itude de seu ser. No inaudito de si, revela sentimentos e emoções que lhe
habitam e são os sonhos da sabedoria, da verdade, as estesias do eterno, no
deserto onde se re-colhe para a reflexão do verbo-de ser ser cristalino, puro,
são os desejos vontade de tern-itudes.
Buscar
o silêncio - não se lhe encontra. Desejar o silêncio - não se lhe vive. Sentir
o silêncio - mergulho profundo no que trans-cende os verbos da con-tingência,
quais sejam a suprassunção dos valores imanentes, a superação dos estados de
alma, redenção dos pecados, ressurreição.
O
tolo em trajes finos suspira sob o fardo de sua própria individualidade
miserável, da qual não pode se livrar, enquanto o homem de grandes dotes povoa
e anima com seus pensamentos a região mais deserta e desolada. Há, pois, muita
verdade no que Sêneca diz: omnis stultitia laborat fastidio sui [toda estultice
sofre o fastio de si mesma.
Ser
o silêncio no silêncio do ser.
(**RIO
DE JANEIRO**, 26 DE JUNHO DE 2017)
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