#RETICÊNCIAS MUDAS E SURDAS LANÇAM RECURSOS A PRAZERES ILUSÓRIOS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Não
toco as pirâmedes de Queóps. Dedos tamborilam cinzas e fumaças.
Hora.
Tempo. Oito horas e quarenta e cinco minutos. Alvorecer de cânticos de pássaros
em con-sonância com os raios de sol. A distância, o morro afiguram-se
desfeitos.
Mar de
demônios... Lanço a corda e alguém devia descer para retornar com a mulher.
Lavo os pedaços rudes de pedras. Um prazer estranho penetrando a luz pelas
frinchas da janela. Muita palavra para o pobre muro de cimento.
Solto
o ar no fim do dia. Gestos amargos na boca. Perdi a amargura da solidão.
Reliosa solenitude desta noite. A deusa é um riso. Imagens de voz fazem oscilar
a luz da lâmpada. Galgar e vagar de mortais.
Vísceras.
Reticências mudas e surdas lançam recursos a prazeres ilusórios. Água empanada
de risos e gargalhadas. Taça nas águas. Sonho povoado de expressões. Apoteose.
Nostalgias. Luzes. Voz soprando nas longas alamedas do sono. Rosto navegando
barcos de brinquedo.
Sinto
saudades. Relembro passos. Revejo o sorriso, o olhar. Ouço letras desconexas.
Vontades. Esperanças. Vidraças. Encruzilhadas. Feições expressivas se eliminam
ao reconhecerem o lugar em que iniciaram imagens.
Abro a
torneira do chuveiro. Deixo a água cair. No chão, vários produtos de beleza e
higiene pessoais. Tão pequena esta casa de banho. Fecho um pouco a torneira.
Detesto água fria ou morna. Puxo a cortina de plástico. Ensabuo o corpo.
Devo
fazer um esforço para dissipar-me. Olhar cheio.
Registrar
o que em nada esclarece. Sou mulher sustentando um corpo. Beleza.
Sensibilidade. Nada... remete-me ao futuro. Negando o racional e rejeição. Se
não mostrar sou capaz de um último ato em nome de ser a minha verdade.
Confessar esta atitude causa-me prazer em todas as dimensões.
Mulher.
Deixo
a água escorrer no corpo. A voz sai da boca. Expressa-se na parede. Desliza-se.
Escorre no ladrilho, buscando o chão. Mistura-se á água que escorre. Ouço. Não
a sei dizer...
Ouço
palavras. Nada compreendo. Não posso entender o que dizem. Deixo os olhos irem
deambular no interior da voz. Solitários, sendo a leveza de estar solta. Não há
angústia. O carinho anda cambaio pelas arestas. Loucura. Seduções.
O
corpo frouxo no chão. Ladrilhos amareliçados. Vago a esmo pelo universo das
coisas às avessas.
Quem
sou?
Os
dedos da mão não se mexem. Nunca desejei encontrar-me. Com que propósito?
Encontrar-me não me liberta de haver sido a mentira. De ir residir numa
sepultura.
Encontro-me
de pé.
Olhos
de lágrimas. Abatimento. Amenizo o mover dos pés. Vago no jato de luz morta.
Arrasto a sandália pelo chão da casa.
Porque
estar no mundo? Nada pode explicar como fui escolher a mentira. Guardar a paixão.
Nada sou. Não posso perceber. Dimensões sensíveis perdidas por haver
escolhido...
Um
abraço de despedida. Acenar de mãos. Voz. Manhã do desconhecido. Um arrastar de
formigueiro vem de muito distante. Restos de mim erguem-se brancos e brandos.
(**RIO
DE JANEIRO**, 11 DE JUNHO DE 2017)
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