#DIALÉTICA DA CRIAÇÃO E DO AMOR ENTRE OS DIVINOS TRÊS# (UMA LEITURA DE ‘A SANTÍSSIMA TRINDADE É A MELHOR COMUNIDADE, LEONARDO BOFF) GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: DISSERTAÇÃO EM TEOLOGIA
I PARTE F
O Reino foi
aproximado (Mc 1,15; Mt 3,17) e já está em vosso meio (Lc 17,21). Esta é a
Segunda grande novidade de Jesus. Não basta anunciar um utópico, mas que o
utópico se está fazendo tópico. Há alguém que é mais forte que o forte.
E este
resolveu intervir e por termo ao caráter sinistro e rebelde do mundo (cf.Mc
3,27). A tônica da pregação de Jesus, as exigências duríssimas que faz, os
apelos à conversão estão no horizonte da irrupção próxima do Reino que já está
em ação no mundo, e que vai se manifestar totalmente em breve.
Ele, Jesus,
se entende não apenas como o pregoeiro desta alvissareira notícia (Mc 1,15),
mas como o portador e realizador dela: “Se eu expulso demônios pelo dedo de
Deus, sem dúvida o Reino de Deus chegou até vós” (Lc 11,20), lógion tido por um
dos mais autênticos dos evangelhos.
Sente-se tão
identificado com o Reino que a pertença a ele exige adesão a Jesus (Lc 12,8-9).
O que seja Reino em concreto se revela em sua própria práxis, como
pro-existência, ser-para-os-outros, livre e libertada geradora de um processo
de libertação e provocadora de um conflito com os fechamentos sociais e
pessoais dos atores históricos daquele tempo.
O Jesus
histórico se moveu dentro de uma atmosfera cultural comum aos seus
contemporâneos. Assumiu um dos sistemas prevalentes que era a apocalíptica com
o código e as chaves que ela instrumentalizava, especialmente esta do Reino de
Deus e da iminência da intervenção divina. Muitos textos indiscutivelmente
jesuânicos são devedores da mentalidade apocalíptica do tempo (cf. Lc 22,29-30;
Mt 19,28; Mc 13,20; 10,23).
Neste
contexto referimos dois textos de fundamental importância, para mostrar a
consciência de Jesus. Ambos se dão no contexto da última ceia que o Senhor
celebrou entre nós:
Mc 14,25:
“Em verdade
vos digo: não mais beberei do fruto da vida até aquele dia em que o beba de
novo no Reino de Deus”
E o outro de
Lucas também num contexto eucarístico:
Lc 22,15-l9a
29:
“Tendo
desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de sofrer, digo-vos: de
agora em diante não tornarei a comê-la, até que ela se cumpra no Reino de Deus.
E recebendo o cálice, deu graças e disse: Tomai e distribui-o entre vós, pois
digo-vos: já não tornarei a beber do fruto da videira até que venha o Reino de
Deus... Eu, pois, vos entrego o reino, como meu Pai mo entregou a mim, para que
comais e bebais à minha mesa no meu Reino e vos senteis sobre tronos, julgando
as doze tribos de Israel”
A última
ceia possui um eminente sentido escatológico. Simboliza e antecipa a grande
ceia de Deus, na nova ordem das coisas (Reino). Como veremos mais tarde, pão e
vinho não simbolizavam, a esta altura, o corpo e o sangue de Jesus que seriam
sacrificados (isso descobrirá a comunidade primitiva, quando já viveu a morte e
a ressurreição de Jesus), mas simplesmente a ceia. Dentro de uma ceia judaica,
onde já havia o pão e o vinho, estes representam o banquete no céu. Daí que,
logicamente, Jesus diga: “Eu vos entrego o Reino (ceia celestial)... para que
comais e bebais”. O pão e o vinho simbolizam a Ceia-Reino.
O que
sustenta a mensagem e a práxis de Jesus ( “ele fez tudo bem”: Mc 7,37) é sua
profunda experiência de Deus. Não era mais o Deus do Torá, distante e rígido.
Mas é o Deus-Pai de infinita bondade, servo de toda humana criatura e simpatia
graciosa e benevolente para com todos, especialmente para com os ingratos e
maus (Lc 6,35b). Diante deste Deus sente-se também numa distância criacional,
pois ora e suplica a Ele. Por outro lado, sente-se em profunda intimidade a
ponto de sentir-se e chamar-se de Filho. Sente que Deus age através dele. Seu
Reino manifesta-se em sua ação e vida. Comer com os pecadores, aproximar-se dos
impuros e marginalizados não significa humanitarismo, mas forma de concretizar
o amor de Deus e seu perdão irrestrito a todos estes que viviam em má
consciência e se consideravam perdidos. Juntando-se a eles, Jesus lhes dá a
certeza de que Deus está com eles, os acolhe e perdoa. Em função deste amor de
Deus que Jesus vive se entende o paradoxo de sua vida: por um lado liberal face
à lei, às tradições e às etiquetas sociais e religiosas da época e, por outro,
extremo radicalismo ético, como se demonstra no Sermão da Montanha. Este
pradoxo se ilumina à luz da experiência de Deus de amor e bondade. Face ao
amor, não se há de impor limites. Seria matar o amor. Ele é exigente: deve amar
tudo e a todos. Por causa deste amor aceita entrar em conflito com a lei e com
as tradições que o obstaculizam ou o amordaçam. Jesus não é contra nada, nem
contra a lei, nem contra a piedade farisaica. Suas oposições nascem de um
projeto novo sobre a existência, entendida à luz de uma nova experiência de
Deus. A partir dela submete tudo o mais à critica purificadora e acrisoladora.
#RIODEJANEIRO#,
26 DE JANEIRO DE 2019#
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