#DE DENTRO A CALCAR# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Beber nas
fontes das serras, onde a água é suave. É preciso compreender essa atitude
predispõe para iluminações elevadas. Ao atingir o limite dessa perspectiva
sensível ao coração, percebo de um só golpe de vista o fugir das colinas a
respirarem juntas e, com ele, o canto da terra.
A chuva,
sendo precisa, não há solidão, medo, tédio, restando estar em pé à janela,
olhando os pingos que caem diante da luz de entre folhas de árvore, lembrança
de tempos idos, que estão indo, memória de prazeres, angústias e medos. Sinto
os ventos. Árvores continuam a florescer, dar inúmeros frutos, o rio rola as
águas continuamente, as estações do ano se unem e se afastam, ligam-se,
separam-se, os anos se sucedem rápidos, é só olhar para trás e ver quando
começou o novo milênio, século, década.
Talvez que,
para este instante de pureza, só fosse própria e verossímil a inocência de
criança, que nunca se conhece senão depois de ser ingênua. Se não fossem estas
horas em que subo o caminho de luzes, à noite, por vezes, uma chuva fina caindo
sobre as pedras – preferiria estar pisando a terra ao invés de pedras que o
desejo de reeleição construiu, - esta coisa de dentro a calcar, a dizer as de
fora.
Letras
surgem e desaparecem na ansiedade da vigília, de poder estar a sós, buscando
descrever estes caminhos de pedra. Preocupo-me em estar re-velando o que há de
verdadeiro, nos sentimentos, emoções, para, aquando tristeza e
descontentamento, saber as pernas podem subir outros becos do moinho, outras
burgalhaus (a questão é indagar onde é que estão a areia, o cascalho), mesmo
que existam desde toda a eternidade, saber a resposta para os questionamentos
percucientes sobre vida e morte, que não me defendam ou justifiquem, mas me
identifiquem com sonhos aí sedentos de verdades.
Se isto não
é estupidez, dissensão dos sentimentos, é peculiaridade da alegria de viver,
existir. Sinto-me comovido e, sobremaneira, condescendente; refestelo-me
inteiro como um cachorrinho diante de pouca ternura. Seria que ec-sistisse
tentação mais perigosa, do que renunciar à crença nos deuses de Epicuro, esses
desconhecidos sem preocupações...
O silêncio
auscultativo da alma escuta o silêncio eloquente do espírito.
Quase toco
este mistério, retenho-o, cuidadosamente, na concha das mãos fáceis, rápidas de
gestos, na retina dos olhos. É seguir o caminho até atingir o Cruzeiro, no cume
da serra, a Cruz solitária brilhando por todos estes anos, à noite, e centenas
de outros que não tive a oportunidade de presenciar. É trilhar esta alameda:
sou o mundo e o mundo é o meu “eu”, sou sendeiro de outros caminhos. E se
houvesse presenciado, o que faria diferença? Pergunta imbecil, aliás, qualquer
questionamento que envolve o condicional “se”.
Este amor é
travessia serena – quem pode ofertar estrelas ou fazer de si mesmo
oferenda?!...; quem pode doar a lua ou sentir-se iluminando o mundo à
noite?!... Sem ele, abominaria o verbo que se faz carne, e ainda que o resto do
caminho até o ocaso fosse inteiramente desfigurado, o cerne da vida é nobre,
tem feição e laia, gira em torno das estrelas, da lua cheia que se ostenta
vigorosa e vital.
Andar na
única alameda de luzes a refletirem no chão, que, antes, era de terra, hoje, de
pedras, que o desejo de reeleição construiu, na grama, nas folhas de árvores,
logo abaixo as águas sujas, e na fonte eram límpidas e transparentes, seguem a
trilha – a noite se estende como um sudário, murmurando sílabas encerradas de
revolta, rebeldia, palavras de sonhos e utopias – para a imortalidade, mesmo
que esta, às vezes, mostre apenas ilusão, fuga das dissensões de sentimentos,
fruto de farsas e falsidades, isto rejeito no mais profundo do espírito.
Terei, sem
dúvida, se o desejo de seguir o caminho de luzes, de multiplicar as
ambigüidades, complicar os mistérios da morte eterna, de se lhe entregar
inteiro ou de lhe abandonar vez por todas. Por ter um rosto meio parecido com
redoma de farmácia, na cabeça um punhado de cabelos frisados em crista,
penteados para cima e fixados com pomada numa espécie de roseta.Terei de
recolher no presente sonhos e ideais, de estender os braços em sintonia com as
pernas, buscando encontrar o torvelinho de inocências, ingenuidades; terei de
re-colher no futuro desejos abertos, utopias dilatadas, para chegar, quem sabe,
a viver todas as vidas, senti-las iluminando os recantos ensombrecidos.
#RIODEJANEIRO#,
29 DE JANEIRO DE 2019#
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