#AFORISMO 292/FOLK-LORE DE PREFÁCIOS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Quisera eu ser dotado da genialidade do filósofo alemão Friedrich
Nietzsche para a escritura de certos aforismos; falta-me a genialidade, mas a
criatividade habita-me, assim estimo que me seja possível escrever este e
adquira algum resultado digno de minha consideração e reconhecimento.
O folk-lore de Prefácios de obras literárias, filosóficas, poéticas está
minado de coisas interessantíssimas, sobretudo no que tange às estapafúrdias, e
na atualidade estes folk-lores estão ultrapassando os limites em todos os
níveis, tornando-se escalafobéticos, não haveria lugar nas páginas do Gibi ou
do Pasquim para elencá-los. Numa linguagem e estilo eminentemente vulgaróide,
diria que os Prefácios estão indo para o "vinagre".
Diante de algumas histórias, a criatividade se faz presente,
convidando-me a re-versar, in-versar, re-verter, con-verter, per-verter esta, a
fim alcançar a in-tenção, o ob-jetivo, o pro-jecto, para que seja uma fábula
aforística, invite a quem interessar re-fletir, pensar, meditar, elucubrar.
Consta numa página de Pasquim que um escritor quem iria publicar seu
primeiro romance haver procurado um conhecido de seu, quem já desfrutava de
prestígio, reconhecimento, devido aos seus artigos publicados em jornais de sua
comunidade. Apesar de o conhecido estar "apertado de costura",
significando estar muito ocupado com os seus compromissos com os jornais,
visitas às escolas, dispôs-se com toda a sua generosidade e solidariedade a
realizar o pedido do escritor, desse-lhe uma semana, tempo suficiente para a
escritura. No prazo estipulado, o prefácio estava pronto. Três dias após, o
escritor se dirigira à residência do conhecido, pedindo-lhe desculpas, perdão,
soubesse compreender as razões de sua atitude - não é de meu conhecimento as
razões elencadas -, mas havia convidado outra pessoa para fazer o prefácio.
Digno, honrado, muitíssimo educado, disse ao escritor não se preocupasse,
compreendia suas razões, noutra oportunidade estaria disposto a prefaciar outra
obra. No fundo, ficara magoado, ressentido, o que estava coberto de razões,
pois que estava ocupado com as suas coisas, lera o romance, horas foram gastas
no empreendimento.
Pós lançamento do romance, o prefaciador ficara sabendo da conduta
arbitrária do romancista, através de um editores-chefe de um dos tablóides da
cidade. O conhecido do escritor era amigo do prefaciador, amigo íntimo, e nada
lhe disse a respeito por dignidade, honra. Fosse outro, o conhecido teria
ficado chateado, aborrecido, interpretado como gratuidade do prefaciador,
estava roubando a sua cena. O prefaciador ficara nas tintas com o escritor, mas
da mesma forma não tiraria satisfações, como dor de cabeça não acontece única
vez, esperaria sentado no toco a resposta categórica. O que fez? Procurou seu
amigo íntimo para conversarem a respeito, não desejava qualquer mal entendido.
Não sabia do acontecido, houvesse sabido não teria prefaciado o romance. O
amigo não guardara qualquer mágoa ou ressentimento.
Há-de se louvar a atitude do conhecido do escritor. Fosse outro, teria
deixado tal facto no métier dos escritores, da intelectualidade, o escritor
estaria eminentemente des-acreditado, tido e havido como um homem sem qualquer
senso ético. Este métier é com efeito triste: qualquer deslize tudo vai para o
"vinagre".
Dor de cabeça não dá única vez. Dois anos após, o escritor procurou
novamente o conhecido para prefaciar outro romance, da outra vez não fora
possível, mas desta vez seria publicado. Calmo, tranquilo, como quem não sabia
de coisa alguma, disse ao conhecido: "Amigo, em verdade, em verdade, não é
por estar apertado de costura, mas ando sobremodo cansado mentalmente, estou
escrevendo artigos em tablóide de outra cidade, incluindo não estar bem de
saúde, problema de enxaqueca sério, devo ir à capital para uns exames, não vou
poder prefaciar seu segundo romance. Tenho certeza de que encontrará outro quem
realize o que me pede. De outra vez, terei o prazer inusitado de fazê-lo. Saiba
considerar a minha impossibilidade." O conhecido agradeceu
diplomaticamente. Nem lhe passou pela cabeça ou imaginação o conhecido sabia de
sua arbitrariedade, e com que justificara a impossibilidade não era real.
É assim que se vai cavando a sepultura, e quando se assusta está dentro,
sem qualquer possibilidade de sair dela.
(**RIO DE JANEIRO**, 19 DE OUTUBRO DE 2017)
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