#AFORISMO 277/DIALÉCTICA DO PROFUNDO E DO GRANDE# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Os poetas nos levam com frequência entrar no mundo
das algazarras, barulheira dos impossíveis, de uma impossibilidade tal que bem
os podemos rotular de quimera sem interesse. Sorrimos e passamos, olhamos de
esguelha. E, entretanto, muitas vezes, o poeta não tomou seu poema como um
jogo, pois que há-de existir ternura, singeleza, carícias nas imagens.
Tais imagens devem, ao menos, ser tomadas em seu
ser de realidade de expressão. É da expressão poética que é tirado todo o seu
ser, a expressão poética habita no In-finito sob a luz do verbo do ser poético,
a realidade de expressão se revela no espaço poético do In-finito.
Diminuiríamos seu ser se quiséssemos relacioná-las com uma realidade, mesmo uma
realidade psicológica ou mesmo uma realidade que o nada trans-literaliza na sua
contingência intencionando a trans-cendência. Elas dominam a psicologia. Não
correspondem a nenhum impulso psicológico, afora a pura necessidade de
exprimir, num lazer do ser, quando se escuta na natureza, tudo o que não pode
falar, assim o inaudito se revela.
É supérfluo que tais imagens sejam verdadeiras.
Elas são. Têm o absoluto da imagem. Ultrapassaram, trans-cenderam o limite que
separa a sublimação condicionada da sublimação absoluta.
Mas, mesmo tomando em consideração a psicologia,
tendo-a como pedra de toque, uma trans-ferência das impressões psicológicas à
expressão poética é, por vezes, tão sutil que somos levados, tentados a dar uma
realidade psicológica de base ao que é pura expressão.
Como os grandes valores do ser e do não-ser são
difíceis de situar! Estivéssemos situados na con-ting-ência, no nada, talvez
pudéssemos situá-los através do efêmero, mas a poesia é trans-cendência. O
silêncio, onde está sua raiz - o silêncio é dimensão do In-finito, é parte
integrante nele, habita-lhe -, é uma glória do não-ser ou uma dominação do ser?
Ele é "profundo", profundidade abissal. Mas onde está a raiz de sua
profundeza? No uni-verso onde rezam suas preces as fontes que vão nascer, ou no
coração de um homem que sofreu, sentiu dores inestimáveis assistindo os
efêmeros desembocarem no nada, esvaecerem-se nele? Em que altura do ser devem
aguçar-se os ouvidos que escutam?
Quanto a nós, estamos na posição incômoda da
dialética do profundo e do grande; do in-finitamente reduzido que aprofunda -
redução decorrente do vazio que se revela no esvaecimento do efêmero no nada,
ou do grande que se estende sem limite, o grande estende-se intencionando
re-colher e a-colher no espaço poético do In-finito o Verbo do Ser poético.
Todo sonhador solitário sabe que ouve de outro modo
quando fecha os olhos. Para re-fletir, para escutar a voz interior, para
escrever a frase central, condensada, que vai ao "fundo" do
pensamento, quem não põe a mão na fronte e aperta as pálpebras com pressão
forte? Então o ouvido sabe que os olhos estão fechados, sabe que a
responsabilidade, o compromisso do ser que pensa, que escreve, está nele. A
calma virá quando a pessoa reabrir as pálpebras.
Colhendo todos os documentos da fantasia e dos
devaneios que gostam de jogar com as palavras, com as impressões mais efêmeras,
confessamos uma vez mais uma vontade de permanecer superficiais. Exploramos
apenas a camada mais fina das imagens nascentes. Não há duvidar, a imagem mais
frágil, mais inconsistente pode revelar vibrações profundas. Mas seriam mister
indagações em outro estilo para separar a metafísica de todos os
"além" de nossa vida sensível. Para dizer como o silêncio trabalha
simultaneamente o tempo do homem, a palavra do homem, o ser do homem,
necessitaríamos de mergulhar no mundo do silêncio, que é tema futuro.
(**RIO DE JANEIRO**, 16 DE OUTUBRO DE 2017)
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