#AFORISMO 322/ENS DE SÊMENS, ENTES DE SEMENTES# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Sêmens, sementes
Ens de sêmens,
Entes de sementes,
De ens ao ente, aos entes.
Ensimesmadas as alamedas, desérticas, curvas, aclives, declives, de
poeiras e areias, silencioso, em vão buscando falar, dizer; eu próprio re-colho
a angústia deste instante à boca e ávido de sentidos, verdades transparentes,
ocultas, volto-me contra a enxurrada de ideais e sonhos, tão simplesmente
idéias inda e em sangue me comprazo. A veste se converte em pelo e braço em
perna, faço-me lobo e conservo algo da antiga forma, uivo a toda a extensão da
terra: as mesmas cãs, o mesmo rosto violento, o mesmo olhar brilhante e um
furor idêntico. Perpétuos uivos do verbo serão sempre honrados. E se me fosse
dada a fala, o dizer, beijaria as palmas, e se, desfeito o choro, a angústia
das palavras, dos verbos concede as lágrimas efervescentes, pudesse falar,
dizendo o sentimento e estados psíquicos, faria no pó letras, faria nas
gotículas de orvalho ideais.
De ens ao ente, aos entes
Entes de sementes
A sabedoria é o verbo da alma humana, é a liberdade da regência; mas à
medida que mergulho nos seus recônditos sinto o horizonte do desconhecido cada
vez mais longe. A sabedoria con-siste em dizer, falar e agir da verdade.
Ens de sêmens,
Sêmens, sementes.
A linguagem é a etiqueta das coisas efêmeras. Onde está o que existe de
verdade? Ensombreados pelas árvores plantadas nas calçadas, os becos, homens
idosos acompanhados das esposas sentados no banquinho, cachorros, galinhas, por
vezes porquinhos acompanhando a porca mamãe, apenas perscrutando o entardecer,
silenciosos, olhando os transeuntes passando. Vozes ouvidas são distantes,
cochichadas, murmuradas, ao que não fora dito aquando o coração pulsava por ser
falado o sentimento que perpassava o íntimo, era tão suave, meigo, terno.
Velhinhas respondendo aos cumprimentos dos conhecidos, respostas sussurradas,
mas, passados, comentam sobre os que passam, lembranças, recordações. Fora
crescendo, crescendo ao longo das trajetórias, travessias, inda vivo, um toque
nas mãos di-lo inteiramente, não são necessárias palavras. Toque de silêncio.
O silêncio, as águas, a luz sem limite do céu. O que é fogo solerte da
lareira, nos olhos vidrados!, soprado em neve. Sentir o que o mar traz para a
etern-idade das buscas, dos sonhos, das utopias. Outra chama, não perceptível,
não visível, deixa uma particular quimera a imprimir seu selo nas in-finitas
nuvens atrás das constelações.
Ens de sêmens
De ens ao ente aos entes,
Sêmens, sementes,
Entes de sementes.
O pensamento e o ser. De índoles insolentes, o pensamento verbalizar os
vazios, travessias das trevas do nada à luz do nada, caminhos de sombras e
entardeceres, veredas de outras paisagens, panoramas, nos amanheceres. O
silêncio é a linguagem do pensamento, de princípios de estesias fluorescentes,
o ser é o estilo do silêncio, emite chamas a partir de pequenas aberturas,
erige-se o desejo inda mais presente e forte como os bicos dos foles do vazio
que re-colhe e a-colhe o múltiplo, e o estilo requer a multiplicidade, concílio
de deuses nefastos e deusas sedentas da glória. É preciso um sábio para
reconhecer a sabedoria de outro sábio, os simples humanos aplaudimos as
condutas e posturas de nosso rebanho. O que há de belo e honesto os deuses não
concedem aos homens, isto há-de ser conquistado. O pensamento e o ser
re-conhecem as labutas, a entrega às suas glórias e percalços. O homem que é
dotado de gênio sofre mais do que todos, e os homens dotados de nada vivem de
quê? A imagem no rosto do mistério: o que é isto, a genialidade, quem é este, o
gênio?, e a mente exausta de vistoriar continuamente o abismo, mesmo afetando
entregar-se ou se rendendo, a cada instante mais se re-traindo, exilando-se,
outras seivas, outros orvalhos, pasto inédito a perder de vista da natureza
mítica das coisas.
Sêmens, entes de sementes
Sementes, ens de sêmens
Alegoria,
Profano,
Sementes de sêmens
Sentido, significante, significado
Os lobos uivam no alto da colina, colina dos insurrectos, colina dos
hereges, colina dos bufões, uivos de solidão, uivos de silêncios, uivos de
algazarras, uivos de muvucas, uivam as trevas, uivam solitários. Risos, profanações,
profeta do vazio e do nada, o que há por nós?, e o riso se transforma em
bufonaria em praça pública, o que há por nós é sermos quem somos, concluir um
projecto que ninguém ao menos intuiu, o SER. Ah, concluir!... Deixar esboçado o
projecto...
(**RIO DE JANEIRO**, 27 DE OUTUBRO DE 2017)
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