*#AFORISMO 286/LIRISMO PUNGENTE/A PERFEIÇÃO É IM-PERFEITA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Não quero ensinar, educar, instruir ninguém sobre o que é poesia, sobre
o "fazer poético". Quero que a poesia ensine-me a explicá-la com
percuciência, quero ser percuciente com a aprendizagem e a linguagem e estilo
de a re-velar e fundamentar. Sou aluno da Arte das Letras, e não professor quem
ensina ao outro os caminhos do conhecimento. Se o outro não ensina a si mesmo,
não se ensina as coisas do mundo, quem o fará? Ninguém.
Não quero alcançar a perfeição: a perfeição é imperfeita de perfeições.
Não quero alcançar a verdade: a verdade não é verdadeira de/nas verdades. Não
quero alcançar o céu: no céu não há labirintos, cavernas de estalactites,
terrenos baldios, águas banhando a montanha. Não quero alcançar o inferno: não
vou penar nas chamar ardentes, lá não há fogo. Não quero alcançar o uni-verso:
o uni-verso é longínquo. Não quero alcançar o sublime: as sublim-itudes do
sublime nas suas sublim-idades não são sublimes.
Não quero compor um soneto de versos metrificados: não tenho fita
métrica para medi-los. Não quero sentar-me à soleira da porta, con-templar as
estrelas e a lua: estou deitado, olhando para o teto, só letrando o silêncio.
Não quero sentar-me nalguma cadeira do Olimpo dos Deuses, não tenho paciência e
nem "pedigree" para ostentações da verdade. Não quero cadeira numa
Academia, confradear Letras que só se jubilam, vangloriam, envaidecem-se,
orgulham-se; quero solitário andar entre elas, bebendo-lhes o néctar da eterna
busca da estética, tomando em mãos uma frase do escritor Lúcio Cardoso: "O
que é isto - a eternidade?"
Não quero um amor que alegre o meu viver: quero um amor que des-faça as
minhas alegrias, faça-me triste, angustiado. Não quero sentir o sabor do vazio:
quero beber o nada em pequenos goles para sentir-lhe preenchendo as minhas
ausências e forclusions. Não quero ouvir lírica de música: quero recitar o som
ritmando a melodia do silêncio. Não quero rosas e feras sintéticas, elétricas
guitarras, um solo triste, sinfonia louca, lirismo pungente, demente da gente:
quero ver o cruzeiro do sul. Não quero a vigília da insônia: quero a insônia
lucilando as estesias e ex-tases, as estéticas do prazer sem limites. Não quero
a morte genesis da vida: quero a morte morrida de tanto morrer.
Não quero rir de felicidade: quero a felicidade rindo de tanto sentir o
prazer de ser feliz. Não quero debulhar as contas do terço, rogando a redenção
e ressurreição: quero todos os pecados lucilando nos recônditos da alma. Não
quero alvorecer com os pássaros trinando no ipê amarelo: quero uma tempestade
daquelas anunciando o novo dia. Não quero o despetalar de "bem me quer/mal
me quer": quero a rosa no jardim, respingada de orvalho. Não quero a
poesia poetizando a poiésis do poema: quero simplesmente palavras sem
semânticas e linguísticas. Não quero cartas dizendo o meu destino: quero o
destino jogando as cartas aos naipes do eterno.
Não quero mergulhar com volúpia e êxtase no mundo para in-vestigar a sua
genesis: quero tropeçar em pedras, quero a pedra do tropeço. Não quero saber
quem pintou o urubu de preto: quero o resto da tinta para engraxar a minha
botinha, para pintar o "croqui" do nada absoluto que tracei. Não
quero o tudo que é nada: quero simplesmente o nada que é nada, o nada puro, sem
princípio e sem metafísica. Não quero fogo para acender o cigarro: quero o
cigarro no canto da boca apagado.
(**RIO DE JANEIRO**, 18 DE OUTUBRO DE 2017)
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