#AFORISMO 309/TRISTEZA ASSIM ESVAECE A VIDA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Nenhuma felicidade ou infelicidade tem sido tão
forte que tenham trans-formado, trans-mudado os elementos de minha matéria,
dando-lhe caminho único, como deve ser o verdadeiro caminho, como deve ser a
eterna jornada. Continuando sempre me in-augurando, abrindo e fechando círculos
de vida, jogando-os de lado, murchos, cheios de passado, cheios de esperanças
velhas, cheios de utopias antigas, cheios de nadas e nonadas seculares. Por que
tão independentes, por que tão livres, por que não se fundem num só bloco,
servindo-me de lastro? É que são demasiado integrais.
Por que não esvaziar o peito da tristeza? Seria que
o peito esvaziasse, dizendo-a, revelando-a? É tristeza funda, abismática, é
tristeza encarnada, inerente à alma. Palavras não a amenizam, nada aos
re-versos, in-versos, às avessas surte aquele efeito de envelamento.
Inteligível que não se diga o que não se sabe, eternize-se como um segredo ou
mistério. Ininteligível não dizer o que sei, sei de sobra e salteado - então,
aquando sei dos prejuízos está causando, tudo está sendo esgarçado, corroído, é
inconcebível não dizer. Tristeza assim esvaece a vida. Inconcebível desejar,
ter vontade, esperança do Ser, e atingir, alcançar a tristeza incólume,
insofismável, simplesmente por o imprescindível para este desejo, vontade,
esperança ser ceifado por uma ausência. Não me fariam qualquer falta a
felicidade, a alegria, as realizações, as glórias, sentisse o sentimento que
sentia antes dessa tristeza. Esgota-se-me o viver. Uma frase... uma frase antes
da primeira gotícula de lágrimas que se anuncia pujante... Não se me patenteia
qualquer. Sou uma coisa simplesmente dada, sou engrenagem numa máquina, sou uma
ilha no oceano. Só vejo um remédio para me moralizar - cortar o incômodo aipim
que a vida me legara!
Momentos tão intensos, instantes tão fortes,
vermelhos, condensados neles mesmos que não precisam de passado nem de futuro
para existir, não precisam do presente para ser isto ou aquilo. Trazem um
conhecimento que não serve como experiência, trazem uma sabedoria que não serve
como vivência – um conhecimento direto, mais como sensação do que percepção,
uma sabedoria certa, mais como imaginação do que intuição. Dons e talentos de
literalizá-los nada preenchem. Não é ficção, não é re-presentação, não é
poesia, é real, é puramente con-tingente. A verdade então des-coberta é tão
verdade que não pode subsistir senão no seu recipiente, no próprio fato que a
provoca, que a cria, que a re-cria, que a faz re-nascer e res-plandecer. Tão
verdadeira, tão fatal, que apenas em função de sua matriz... Uma vez terminado
o momento de vida, a verdade correspondente também se esgota. Não posso
moldá-la, fazê-la inspirar outros instantes iguais. Nada, pois, me compromete.
Contudo, mas e porém a justificação de sua curta glória, como qualquer outra
glória que se possa conceber e criar, talvez não tivesse outro valor senão o de
certo prazer de raciocínio, assim como: se uma folha cai, essa folha existe,
essa folha caiu de uma galha, essa folha...
Abro os olhos, à espreita de mim. Sei que desse
pensamento podem vir conseqüências as mais di-versas. Pelo menos antigamente,
quando minhas resoluções não careciam de grandes fatos, minhas decisões não
precisavam de grandes raciocínios, só de uma pequena idéia, mofando disso, do
tamanho de uma pulga, de uma visão insignificante, para nascerem.
Há neblina lá fora, além da janela, da janela
aberta, o grande símbolo. Sinto-me tão dentro do mundo que me parece não estar
pensando, mas usando de nova modalidade de respirar. Isso é o mundo, eu sou eu,
quem ou o que seria por mim, está chovendo no mundo, é mentira. A tristeza está
me entristecendo, minh´alma está triste, é verdade.
(**RIO DE JANEIRO**, 23 DE OUTUBRO DE 2017)
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