#AFORISMO 283/O DITO POÉTICO QUE PERMANECE NÃO DITO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
"O NADA é um instante do SER; O TUDO é o fascínio que a Eternidade
exerce sobre ELE" mergulhemos noutra pectiva dessa pers, no sentido do
Silêncio: "O SILÊNCIO é uma pers do Poiético; O DITO é a paisagem da
viagem do poeta à busca do espírito poético."
O silêncio do poema hermético, metaforizado na alvura do cisne, da neve,
da neblina que cobre a montanha no alvorecer ou da página - a neve que recobre
os mortos, cujas lápides aparecem em letras, a neve que é o mundo da morte, da
morte ec-sistente na vida que não é vida - este silêncio não é simplesmente o
"não-dito", "inter-dito". Este "não dito" é dito
no próprio "dito do poema, nas suas linhas, na sua forma"; ocorre,
contudo, que toda a metodologia positivista de abordagem do poema, procurando
explicar o poético através da descrição da função da linguagem, só alcança o
dito que não inclui o não-dito, quase se restringindo, a seu nível de
significante.
O não-dito está dito. Sua explicitação enquanto branco do cisne, da
página, da neve, da neblina, ou enquanto nudez, é apenas uma re-velação, talvez
até demasiado óbvia, de algo intrínseco e inerente à natureza da obra de arte
literária.
O poema é um texto, o texto literário é uma textura, uma tecitura. Esta
tecitura é um tecido e, como todo tecido, quando posto sob um microscópio, tal
tecido mostra-se como uma rede. Toda rede é constituída por uma série de fios -
o equivalente ao "dito", ao explicável por métodos positivistas de
análise - e por uma série de vazios, o equivalente ao não-dito, ao indeterminável
do poema. Uma rede não é constituída apenas pelos fios com que ela é tecida.
Essencial à rede são os vazios que existem entre um fio e outros, os vazios
constituídos e organizados pelos fios.
Nestes vazios é que estarão os peixes - a finalidade da rede.
Diz Trakl: "A obra do poeta é apenas um ouvir. O afastamento capta
primeiro o ouvir em sua música, de modo que esta música possa soar no poema em
que vai ressoar." As palavras ditas no poema protegem o dito poético como
algo que, por sua natureza essencial, permanece não dito.
Esse silêncio é sine qua non à poesia. De certo modo já está presente no
próprio caráter hermético da verdadeira poesia, hermetismo contrário à
comunicação fácil, pois esta não comunica nada, retomando apenas o lugar-comum.
Voltando à antiga figura da rede, que deixamos em suspenso - suspender é sempre
deixar que a res-posta a um questionamento se re-vele e mostre livremente -, é
o vazio que enquadra o além da rede, o além do texto, o que trans-cende a sua
pres-ent-ificação, mas que é sua finalidade e realização. A palavra é a marca
do Acontecimento interior à linguagem. A escrita é a marca do Acontecimento
interior à linguagem. A escrita é o depósito da Tradição do Ser. É, também, ao
interrogar o Ser que a linguagem arranca, constantemente, a palavra ao peso do
significado e a escrita aos limites do signo, para regressar à noite da
Presença de onde se manifestou. A linguagem reside, pois, na diferença interior
à Palavra do Ser, que se inscreve entre o Acontecimento que, ao mesmo tempo,
des-vela e oculta e a letra ou a palavra que morre no limiar da coisa. A
linguagem é o lugar onde habita o pensamento.
O falar como um ouvir à própria linguagem diz-se novamente o próprio
dizer da linguagem: deixa sua voz atonal vir até o homem, fazendo-se ouvir,
fazendo o homem ouvir ao ser. Pode-se dizer: "É o ouvir-se-sendo a
linguagem." Quem melhor ouve este dizer da linguagem é o poeta; quem mais
presta atenção a este dizer é o poeta que torna poema a própria essência da
poesia, é o "eu poético" que torna Verbo do Ser a Esperança do
In-finito, o Sonho do Espiritual Divin-izado.
E se me ouvir con-versando no vento, precisa compreender temos de
apreender-lhe as sabedorias adquiridas no tempo, na sua jornada do espaço, na
viagem do nada, que é um estado da alma que transita no ir e vir, até ao
In-finito, onde todas as pers da Eternidade são pectivas da Verdade. São sábias
experiências para o entendimento dos horizontes longínquos onde habita o que
trans-cende sonhos e fantasias, o que trans-eleva a con-ting-ência da palavra
ao verbo do além. E se me ouvir sendo o silêncio, é o nada tecendo o vir-a-ser
do perpétuo re-vestido de silêncios e solidão, síntese que re-vela o sublime do
ser-no-mundo, sublime que eiva e seiva a luz da verdade à mercê da sede de
conhecimento, fome de saber, carência de idéias e pensamentos, manque-d´être do
espírito e sonho de divin-ização, falta de visão do além da vida à vida que
consuma os tempos, o tempo sempre letras e imperfeições para o Opúsculo do
Soneto de Viver.
(**RIO DE JANEIRO**, 17 DE OUTUBRO DE 2017)
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