#AFORISMO 278/É NA AMBIGUIDADE QUE SE REALIZA A LINGUAGEM E O ESTILO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
No discurso poético, a relação entre as camadas
verbal e significativa deixa de ser arbitrária, ganha necessidade. A maneira de
significar significa. No sentido rigoroso da palavra, poesia é uma tomada de
medida, somente pela qual o homem recebe a medida para a vastidão de sua
essência. O homem se essencializa como o mortal. Assim se chama porque pode
morrer.
Poder morrer significa: ser capaz da morte como
morte. Somente o homem morre e, na verdade, continuamente, enquanto se demora
sobre esta terra, enquanto habita. Seu habitar se sustenta, porém, no poético.
Hölderlin vislumbra a essência do “poético” na tomada de medida através da qual
se cumpre plenamente o levantamento da medida da essência humana.
Como diz Lacoue-Labarthe: Holderlin pensa a hybris
sagrada de Antígona a partir da blasfêmia. No concernente à prosa poética a
musicalidade da prosa, tecida com as linhas da sensibilidade e da ambigüidade,
se transforma na poética que nela habita interiormente, tornando-se poética da
prosa, e realizando a musicalidade, através da qual se re-presenta e dedilha
“[...] a lira nos momentos em que analisa a essência dos seres e das coisas em
torno de si”, conforme a orelha de Ópera do Silêncio, de Newton Vieira.
O tempo nessa “orelha” pensado e in-terpretado são
os tempos idos e vindouros, o homem mergulhado “nas profundezas éticas tão
esquecidas quanto fundamentais no mundo contemporâneo”.
A verdade do discurso poético, nessa perspectiva de
interpretação e análise que fazemos, são as situações e circunstâncias no
quotidiano, o que mesmo vivemos e experimentamos, recriadas e criadas em busca
de tecer o lirismo, musicalidade e beleza na prosa, que nos identifique,
real-ize o nosso reconhecimento no que fazemos.
Qual é o tema central desse comentário de
Holderlin? A consciência e sua relação com a inconsciência. Isso aparece em
fórmulas como: “É um grande recurso da alma que trabalha em segredo esquivar-se
da consciência no grau mais elevado da consciência...” ou “No ápice da
consciência, ela sempre se compara com objetos que não têm consciência, mas que
assumem em seu destino a forma de consciência” .
Neste sentido, a mais alta consciência é a da
finitude. Consciência que Antígona adquire no momento em que se dá frente a
frente com a morte.
Enquanto no discurso científico o vocabulário e a
ordem expositiva são instrumentais, justificados apenas pela fidelidade com que
simbolizam um conteúdo mentado que deles independe, no discurso poético a
convenção se desfaz e refaz individualizada. É justamente esse “luzir sensível
da idéia” na camada sensível tornada significativa, que os estetas têm
localizado seu domínio. Será falsa, em estética, a reflexão que não partir
dessa totalidade como de um dado originário de nossa experiência. A tarefa de
cada indivíduo singular consiste em nada mais senão na própria purificação
espiritual e corporal.
Acreditamos, hoje, abertamente, no tangente à
“estética”, não mais exatamente o que Kant vinculava a essa palavra quando
denominou a doutrina do espaço e do tempo uma “estética transcendental” e
entendeu a doutrina do belo e do sublime na natureza e na arte como uma
“crítica do juízo”.
Acreditamos que a “estética” nasce na experiência
concreta da vida em suas situações e circunstâncias, dores e sofrimentos, e a
busca da consciência, do viver quem estamos no mundo, diante do mundo, dos
homens, das coisas e dos objetos, é na ambigüidade que se realiza a linguagem e
o estilo.
(**RIO DE JANEIRO**, 16 DE OUTUBRO DE 21017)
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