#SACIAR A SEDE DOS PEREGRINOS# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Contemplação
maior que rima os apelos de sussurros, murmúrios, oscilando ante a natureza e o
espírito, em tardes serenas de janeiro, os silêncios e mudez de pensamentos ao
longo de invernos; rima os clamores de desejos, aspirações, em manhãs de
fevereiro, a luz de palavras e olhos de idéias, longínquos de primavera.
Se as flores
desaparecessem de todos os jardins e plantações, da produção humana, creio que
faria na espiritualidade e intuição um vazio, uma falta, uma falha, enfim, uma
ausência no intelecto da humanidade, uma imperfeição muito mais indescritível
que todos os excessos e erros pelos quais vós, os homens do final do Segundo
Milênio, sois os responsáveis e culpados; uma incapacidade sem precedência no
mundo, na terra, na inspiração dos poetas, escritores e dos artistas, se os
cactus fossem extintos dos desertos, de a água deles saciar a sede dos
peregrinos, não mais existissem, como os viandantes e sábios sobreviveriam à
sede, faria uma falta sem limites à sensibilidade, ao espírito, pois que a água
rega os ideais, os sonhos, as utopias. E jamais imaginaram o que seria do
perfume que exalam, assim que se despetalam, a falta que fariam aos narizes do
bom gosto, acostumados a sentirem tanto prazer? E se o vazio e o nada fossem
expulsos das metafísicas, do quotidiano da existência? Não tem qualquer noção
da desgraça que causaria aos homens!
Não é
razoável pensar que todos os homens que nunca viram flores em suas vidas, nunca
as sentiram próximas, os que não conhecem flores no mundo, ingênuos ou sistemáticos,
são frios e calculistas, insensíveis, não são capazes de imaginar uma tarde de
primavera no alto da montanha, tudo sendo flores e mais flores, um espetáculo
ininteligível, luzes psicodélicas, sombras, fogo no céu, fumaça na água. Diria
outras coisas, mas penso é o suficiente para com-preender e entender o que isto
não ser capaz de criar um só barquinho com qualquer folha de papel de tamanho
suficiente, são imbecis ou hipócritas, não conhecem a beleza de seguir viagem
conhecendo a natureza em cada lugar a menos de alguns passos...
A intenção
seja de alcançar nível elevadíssimo poético com tais palavras, não enxergam que
elas próprias são tesouros inestimáveis para refletir, meditar, serão solo para
a continuidade do pensamento pensando o pensar. Não compreensível, não é mesmo?
O que importa? Se as palavras faltassem, as artes se ausentassem, que efeito
assim tão causaria ou não causaria nenhum?
Através da
magia posso eu modificar os sonhos que não passam de ilusões [antes, e de
maneira mais pura do que o poderia eu fazer, delineio esboços, o sentido e a
imagem de um olhar], entregar-me de corpo e instintos aos desejos iluminados em
seus valores eternos como imagem e como visão fugaz da própria divindade,
passos lentos na areia fria, de por baixo dos pés?O sábio aceita bem o
escurecer, mas tem palavras de luz.
O sério, ao
pé da morte, já sem ver, acesos os olhos, alegre enfim, luta, luta para a luz
não morrer; o desvairado, ao pé da morte, já sem sentir o perfume das flores,
já sem poder discernir os odores das coisas, luta, luta para a luz não morrer.
A luz não pode morrer. O rude que põe o sol pra correr, e vê tarde demais o que
é ruim, não entra na noite pra se render. O caipira que se senta no degrau da
escada de seu casebre, no entardecer, fuma seu cigarro de palha, e olha a
estrada a perder de vista, gostava de conhecer o mundo, viajar, viajar, não
entra na noite para se render. O adolescente que fuma o seu baseado, sentado na
grama, olhando a cachoeira, que prazer não seria este momento fosse eterno,
para sempre ali fumando seu baseado, não entra na noite para se render.
Os sonhos
serão algo que se possa alcançar? Viveremos para nos exterminar com a morte?
Não, vivemos para temê-la, para rejeitá-la e também para amá-la, faz parte do
jogo, e precisamente por causa da morte é que a nossa vida vez por outra brilha
tão radiosa num instante nítido e nulo.
#RIODEJANEIRO#,
03 DE FEVEREIRO DE 2019#
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