#DIALÉTICA DA CRIAÇÃO E DO AMOR ENTRE OS DIVINOS TRÊS# (UMA LEITURA DE ‘A SANTÍSSIMA TRINDADE É A MELHOR COMUNIDADE... -
II PARTE
C......
Com o
cristianismo abre-se para o homem (e, portanto, também para a reflexão
antropológica) uma nova perspectiva.
O fundo
sobre o qual se desenvolve a vida humana não é mais o da natureza, do cosmos,
como para os gregos, mas sim aquele da história da salvação, ou seja, a
história das relações entre Deus e a Humanidade. Por conseguinte, a reflexão
antropológica dos autores cristãos tem como ponto de referência constante o
próprio Deus: é uma reflexão evidentemente teocêntrica.
Uma
antropologia abstrata permitia fazer o corte entre a questão sobre a verdade e
sobre o significado. Mais. Fazia preceder a questão sobre a verdade à questão
sobre o significado. A antropologia moderna, por sua vez, parte da questão
sobre o significado. É necessário conhecer o que uma proposição significa antes
de decidir se é verdadeira. Estão em jogo diferentes pressupostos, experiências,
interesses no mundo do significado, intenções no mundo do significante.
Enquanto não se esclarecerem tais pressupostos, a discussão sobre a verdade
fica comprometida.
Na
cosmovisão helenista, a história constitui um ciclo de repetição eterna. A
verdade platônica reside nas idéias eternas. Somente quando a cultura grega
entrou em contato mais íntimo com outras culturas elevadas foi que a
estaticidade do conhecimento grego ficou um tanto abalada.
A visão
bíblica é totalmente diferente. A teologia do Antigo Testamento é narrativa. A
religião de Israel é a história do seu relacionamento com Deus, com esta
presença fiel. A palavra hebraica “emet” pode ser traduzida tanto como
“verdade” quanto como “fidelidade”. Na história da revelação, a manifestação da
verdade é a experiência da fidelidade criativa de Deus em busca de uma resposta
semelhante por parte de seu povo.
A verdade
dinâmica é histórica. Ela traz para o presente as riquezas da experiência e das
reflexões do passado; o presente participa do desenvolvimento gradual do
conhecimento. A verdade em si está eternamente em Deus; mas a verdade que
orienta o homem é um evento que ocorre agora e que traz consigo um sentido de
continuidade. “O futuro possui uma dimensão aberta para nós, não apenas
noeticamente – isto é, para a nossa percepção -, mas também ontologicamente, no
desenvolvimento da realidade” (Denecke).
A sociologia
do conhecimento ajuda-nos a compreender melhor a importância do que o Vaticano
II diz, em seu decreto sobre o Ecumenismo, a respeito de uma complementaridade
de pontos de vista e de doutrinas nos diversos grupos do cristianismo, e a
respeito da hierarquia das verdades. Isso não significa, de forma alguma,
condescendência dentro de uma falsa atitude conciliatória, mas pode ajudar
muitíssimo a remover os mal-entendidos que surgirem em meio aos contextos
históricos.
A sociologia
do conhecimento pode também alertar os teólogos sobre o perigo de seguir
acriticamente correntes que aparecem em meio ao seu ambiente e à sua cultura.
Dá-lhes, também, melhor compreensão da legítima diversidade entre as escolas
teológicas, como ocorria, por exemplo, com a escola de Alexandria e a da
Antioquia na antiguidade, e do grande perigo que correm as escolas quando
condescendem com os antagonismos.
Não é o homem
empírico, nem a imagem do homem que deriva das ciências antropológicas, mas o
homem assim como é apresentado pelas Escrituras; ouvinte da Palavra, em
permanente diálogo com o último que se faz presente na consciência, em
transcendência viva, jamais categorizável completamente. Por isso esta
tendência não significa imanentismo, pelo contrário, resgata dentro da história
a transcendência, o homem como mistério, abertura infinita para a qual somente
Deus é o pólo adequado e plenificador.
Não se pode
esquecer que a Revelação permanece envolvida no mistério. Jesus, com toda a sua
vida, revela seguramente o rosto do Pai, porque ele veio para manifestar os
segredos de Deus; e contudo, o conhecimento que possuímos daquele rosto, está
marcado sempre pelo caráter parcial e limitado da nossa compreensão. Somente a
fé permite entrar dentro do mistério, proporcionando uma sua compreensão
coerente.
Na
Eucaristia Cristo está verdadeiramente presente e vivo, atua pelo seu Espírito,
mas, como justamente diz Santo Tomás, “nada vês nem compreendes, mas te afirma
a fé mais viva, para além das leis da Terra. Sob espécies diferentes, que não
passam de sinais, é que está o Dom de Deus”.
Temos um eco
disso mesmo nas seguintes palavras do filósofo Pascal: “Como Jesus Cristo passou
despercebido no meio dos homens, assim a sua verdade permanece, entre as
opiniões comuns, sem diferença exterior. O mesmo se dá com a Eucaristia
relativamente ao pão comum”.
Esta
tendência procura em todos os mistérios da fé mostrar seu quoad nos, em que
medida vêm ao encontro das buscas humanas. Parte do pressuposto ontológico de
que o homem foi “construído” assim por Deus, que só é plenamente homem em
contato com a revelação; só em Jesus Cristo, Deus humanado, se decifra o
mistério antropológico. O grito do homem de todos os tempos pelo Infinito e o
Eterno é eco da própria voz do Eterno e do Infinito que o chama. Destarte o
mistério da Encarnação não diz apenas respeito a Jesus de Nazaré, de certa
forma concerne a cada homem, pois aí sente sua própria vocação realizada.
Uma das
forças produtivas do campo religioso-eclesiástico é a experiência cristã e seu
conteúdo de revelação. Neste particular não nos queremos deter, por se tratar
de matéria amplamente conhecida. Queremos afirmar a irredutibilidade da
experiência de fé cristã testemunhada e conservada pelos textos fundadores que
são as Escrituras cristãs lidas e relidas ao largo da história (Tradição). Ai
se narra a história de um Vivente no qual os Apóstolos decifraram o sentido
terminal do homem e do mundo (salvação). As pilastras que sustentam a fé cristã
e constituem fonte inspiradora para a Igreja é a gesta de Jesus morto e
ressuscitado e sua mensagem de amor, de esperança, de fraternidade, de serviço
entre os homens, de entrega confiante ao Pai. Tais conteúdos constituem a
positividade da fé, não um interpretandum, mas critérios que julgam
permanentemente a Igreja, suas práticas, seus discursos e seu modo de produção
religiosa.
A noção de
Verdade da Revelação recobre exatamente o conceito da Tradição. Num sentido
muito amplo, tradição é igual ao princípio mesmo de toda economia da salvação
cristã, já que esta é apresentada à humanidade como um grande processo de
tradição que, partido do Pai, através das missões do Filho e do Espírito, vai
atingir toda igreja e por meio dela a toda a humanidade. Tradição inclui por
conseguinte tudo o que é transmitido: Escritura, sacramentos, instituições
eclesiais, numa palavra: toda a realidade mesma do cristianismo, que supera
toda enunciação textual. É a verdadeira tradição apostólica propriamente dita.
Quando se
pensa na tradição, está-se perguntando pela transmissão de uma experiência, de
uma realidade, de uma verdade através de gerações, de horizontes culturais
diferentes de universos simbólicos plurais. Se houvesse uma homogeneidade
completa entre as gerações, no fundo, não haveria o problema da interpretação
da tradição que se transmite, se entende, se guarda, se vive.
Não é
tradicional, em primeiro lugar, o conteúdo da verdade, visto que este não é
senão uma tematização de uma visão operatória que serviu para reler a história.
Não é, tão-pouco, tradicional, num sentido mais profundo, o esquema que
presidiu à releitura, uma vez que ele próprio é o produto de uma releitura que
permitiu a superação dos esquemas e dos temas precedentes. A tradição
ultrapassa as visões ontológicas e as suas produções ônticas. Ela é a retomada
hermenêutica do passado à luz das possibilidades do futuro.
Os católicos
in iure possessionis não se sentiam provocados a buscar uma auto-identificação
que os constradistinguissem dos outros que polemizavam contra eles. Não moveram
uma ação. Ficaram, inicialmente, numa mera re-ação. Ao invés de aceitar a
provocação para um aprofundamento da relação Evangelho e história, Cristo e
igreja, salvação e sacramentos, passaram a afirmar maciçamente o que tinham.
Daí, católico passou a significar conservador, tradicionalista e reacionário.
Não houve a preocupação de aprofundar teologicamente o estatuto daquilo que se
mantinha. Esqueceu-se que a mediação era mediação; ela foi apresentada e
mandada crer como divina, evangélica e apostólica.
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