**DO NADA A QUE ASPIRO** GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA(Belo Horizonte(MG), 21 DE JUNHO DE 1985)
"Sou
eu, sou eu que me extraio do nada a que aspiro..."(Jean-Paul Sartre)
"Uma
farsa enorme..."
"Enorme
é um termo pouco para definir esta farsa".
"Um
advérbio(?) que não tem sido. A farsa está sozinha".
"Sei
disso..."
“Não tive
nunca a preocupação de resgatar o que perdi com você. Não movi uma palavra para
recuperar a confiança. Nem sei mesmo porque. Já removi céus e terras para
recuperar o que perdi com as pessoas. Consegui, afinal".
"Tudo é
uma farsa. Não sei porque após três anos você me procurar. Qual foi a sua
intenção?".
"Nem
mesmo sei. Foi uma coisa de espírito. Aconteceu. Realizei. Não consigo saber de
nada. Talvez tivesse sido melhor deixar as coisas como estavam".
"Não se
deve arrepender do que se faz...".
"Não me
arrependi. Só acho que deveria ter esquecido de tudo o que houve. Não há mais o
que pensar sobre".
"Não
há. Nada houve. Não há nada. Haverá nada".
"É o
que é. Desculpe o realismo. Não sei porque nunca preocupei em resgatar a sua
confiança. Talvez seja isto: confiança perdida é confiança irrecuperável. Fiz
com que perdessem a confiança em mim. Quis recuperá-la. Recuperei-a . Com você
não. Nada houve. Não entendo o que aconteceu entre nós. Como dizer? E... Que
peças entraram neste jogo? É a primeira vez estou sendo tão realista".
"Tudo
farsas, farsas..."
"Não
mais possibilidade de nada entre nós. Mas, sinceramente, vou sentir falta. De
dialogar amenidades. É muito bom. Nem é possível uma boa amizade. Gostaria de
saber o que nos trouxe até este ponto. Machucamo-nos muito. Nada irá nos
responder".
"Não
estou preocupada em saber..."
"A bem
da verdade, estou. Apenas para não mais acontecer. Não é agradável uma situação
como a nossa".
"É
esquecer de tudo..."
"Esquecer
é quase improvável. De algum modo, iremos lembrar um do outro. O que é: cada um
seguir o seu próprio caminho. O melhor para ambos".
"Vamos
nos encontrar na velhice. Não conheço nada tão insubstancial..."
"Já
disse isto faz algum tempo. Quem irá garantir que vamos ficar velhos? Apesar de
tudo pode ter sido o mais verdadeiro que vivemos e iremos viver. Ou o mais
mentiroso".
"Mentiroso..."
"Talvez...
Você perdeu a confiança em mim".
"Perdi.
Tudo seria diferente se fosse do seu interesse recuperá-la. Mas não".
"É...
Já lhe disse: não me preocupei. Enganei-me. Quis acreditar amava-me você.
Amando-me, uma perda de confiança seria passageira. Nunca me amou. Nem mesmo eu
a amei. Vivi uma farsa. Uma espécie de aventura".
"Esperava
a sua maturidade. Chegasse, seguiria o seu rumo. Estava escrito".
"Não
esperava nada. A maturidade chegou. Tomei decisões irei realizar. E você não
está incluída nelas".
"Não
sei porque fui admitir tudo isso. Deixei acontecer. Por isto, indago o porquê
de me haver procurado após três anos".
"Nem
mesmo eu sei... Soubesse, diria. Mas não sei. O que posso fazer? Nada".
"Sempre
precisei de dados sensíveis a seu respeito".
"Nunca
lhe dei estes dados sensíveis...
"Sei
disso..."
"Nem
lhe vou dar agora. Nunca me preocupei com estas coisas. Acredite: nunca lhe vou
dar. Por que só no concernente a você? Por que não com as outras pessoas? Isso
é muito estranho".
"Farsa..."
"Farsa.
Um direito meu não acreditar em você".
"Direito
seu. Não lhe tiro este direito. É todo seu. Tem mais é que reivindicar e viver
seus direitos".
"Sabe
que vivo os meus direitos..."
"E como
sei disso!... O direito de esperar a velhice para nos encontrarmos. Já fui
questionado por causa disto".
"Fico
pensando neste almoço sexta-feira. Estou quase não indo".
"Não
vai?"
"Não
sei ainda. Mas não tem sentido algum".
"Quero
fechar a relação com chave de ouro. Comemorar o seu aniversário"
"Para
que "chave de ouro"? Nada houve entre nós. Por que querer consertar o
que não tem conserto. O que não tem concerto nem nunca terá".
"O que
está feito"
"Pois
é..."
"Você
quem sabe. Não vou forçar nada".
"Nada
faço com pressão. Sabe disso".
"Seria
melhor a resposta agora. Aí, não vou lá. Procuro outra coisa para fazer neste
horário. Nem apareço por lá".
"Estou
pensando..."
"Dê a
resposta agora!..."
"Estou
considerando a proposta"
"Considere,
então. Voltando... Vou sentir falta de você".
"A
gente só sente falta do que possui".
"Não a possuo.
Nunca possuí. Com efeito. Mesmo assim, vou sentir falta. Gosto de ouvir sua
voz. Gosto de dialogar com você. Faz-me bem de algum modo".
"Não
lhe faço bem algum"
"Não
concordo. Por mais nada haja entre nós, há qualquer coisa. Você me faz bem, de
algum modo. Não é o mesmo bem os outros me fazem. Mas faz".
"É...
Isto aí é com você".
"Só
é... Respondo por mim"
"Uma
farsa... Nada mais pode haver entre nós".
"Sei
disso. Sexta-feira termina tudo".
"Estou
considerando a proposta. Isto não tem sentido algum. O que isto significa?
Nada".
"Quero
deixar uma boa recordação minha. Pense bem: nunca almoçamos juntos. Só os
corpos estavam distantes. Se bem me lembra, foi só no início da relação que
homenageei o seu aniversário com um abraço".
"O
desejo era de beijar-me. Enviou-me um bouquet de rosas com um lindo cartão. Já
não nos falávamos".
"Nem me
lembrava disto. É verdade. Fiquei com receio de devolver tudo. Aceitou".
"Nem
mesmo sei o porquê..."
"Não
importa mais..."
"Não
importa..."
"Este
ano estou empreendido neste almoço..."
"Estou
considerando... De alguma forma, nós vivemos a história de Anny e Antoine de
Roquentin".
"Não
justifique... Não é de seu feitio. Lemos esta obra. Tudo bem. Mas nosso caso é
outro. A questão é: machucamo-nos muito. É o que é. Amadurecemos. Não nos
livramos das feridas. O fim só poderia ser este".
"Nosso
caso foi nada..."
"Nada é
uma palavra muito rica. Não foi um caso entre nós. Nada houve. Começo a duvidar
se houve diálogo entre nós".
"Nem
diálogo... Nada..."
"O que
é isto? Sinceramente, não entendo".
"Você
pode responder..."
"Eu
não... Nada sei. Concordo: por que fui procurar você, após estes anos? Queria
mostrar a mim o quê? Queria ver se a amava como pensava".
"Você
nunca me amou".
"Não.
Nunca a amei. Sempre soube disso. Você foi alguém em minha vida. Nem foi uma
grande amiga. Foi alguém. Só isto".
"Sempre
soube disso..."
"Não
tem culpa. Sou eu o grande culpado. Fui eu o único quem a procurou todas as
vezes. Só uma vez me procurou, por interferência de alguns conhecidos".
"Sim.
Por causa deles...
"Sempre
soube... Diga-me: vai ou não almoçar comigo?"
"Não
sei. Não vou dar respostas agora".
"Tudo
bem. Quando?..."
"Amanhã..."
"Tinha
de sê-lo... Se não houvesse sido, já sabia de tudo".
"Então,
até amanhã...
"Até..."
#RIODEJANEIRO#,
20 DE FEVEREIRO DE 2019#
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