#DIALÉTICA DA CRIAÇÃO E DO AMOR ENTRE OS DIVINOS TRÊS# (UMA LEITURA DE ‘A SANTÍSSIMA TRINDADE É A MELHOR COMUNIDADE) GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: DISSERTAÇÃO EM TEOLOGIA
II PARTE D
Uma forma
patológica foi sustentada como sendo o catolicismo tout court. Ganhou foros
oficiais e entrou nos manuais de dogmática pós-tridentina e se prolongou até o
advento do Vaticano II. Por exemplo, se apresentava assim a Igreja: Cristo
deixou antes de subir ao céu a Igreja toda pronta com suas estruturas, seu
corpo doutrinal, seus vários ministérios e os sete sacramentos. O problema da
Igreja consistia em manter tudo isso de forma pura, embora às custas de uma
explicitação libertadora, mas perigosa. A Igreja devia permanecer inalterável
na história. Iria como numa linha reta ao encontro do Senhor na parusia. Sua
evolução é retilínea e seu crescimento meramente horizontal. O possível
desenvolvimento posterior já estava contido nas ordens de Cristo dadas aos
Apóstolos, conservadas seja na Escritura seja na Tradição. Assim se justificava
teologicamente e se consagrava para todos os tempos uma determinada forma
histórica da Igreja surgida num determinado tempo. Nela, tudo era considerado
instituído por Jesus Cristo. Como J. Möhler dizia de alguns teólogos de seu
tempo: “Para eles, Deus criou a Hierarquia. E isso para a Igreja é mais do que
suficiente para garanti-la até o fim do mundo”.
É à luz da
descoberta do Amor de Deus, Dialética da Criação e do Amor, que intenciono
confrontar com a existência real do conhecimento e consciência, situando o
problema em seu verdadeiro contexto. As exigências de vida interior do cristão
do século XX são tão grandes quanto no passado, mas o que nos falta são novas
formas e práticas de vida espiritual e técnicas adequadas para se chegar a este
fim, e que reflitam e expressem a situação do homem atual.
Harvey Cox
apresenta uma hermenêutica para aprender com a religião do povo. Não somente
damos atenção ao contexto cultural e histórico, mas também consideramos cada
detalhe, não à distância, porém antes com o desejo de corresponder e de
confrontar a história de nossa vida com a dos outros. Tal confronto será
sincero se estivermos dispostos a modificar nossas opiniões e nosso estilo de
vida.
“Não podemos
ver nossa cultura e, em muitos lugares, nossa religião continuarem sendo
impostas aos pobres; e, em muitos lugares, nossa religião continuarem sendo
impostas aos pobres; e, como a nossa cultura não foi criada com a participação
deles, tanto ela como a nossa religião se transformam em meios de controle”
(Harvey Cox, The Seduction in the Spirit. The Use and Misuse of Peoples’
Religion).
Não é de
admirar que haja pessoas, especialmente as do Terceiro Mundo, que, por vezes,
reajam da mesma forma como grande parte da classe trabalhadora reagiu no século
XIX e no início do século XX. Elas rejeitam tanto a cultura imposta quanto a
religião tal como lhes é apresentada.
Somente
através de um genuíno processo de aprendizagem é que poderemos partilhar o que
há de mais profundo em nossas intuições sobre o sentido moral e os valores
religiosos.
O Concílio
Vaticano II, especialmente na Constituiçào sobre a Igreja no Mundo Moderno,
oferece orientação segura quanto a esta forma de partilha.
“Possam,
portanto, os fiéis viver em estreitíssima uniào com as pessoas de seu tempo.
Que eles se esforcem para compreender perfeitamente sua maneira de pensar e de
sentir, expressa através de suas culturas. Procurem unir a ciência moderna,
suas teorias, seu modo de encarar as descobertas mais recentes, à moralidade e
à doutrina cristãs. Assim, a prática religiosa e a moralidade que abraçam
poderão conviver em paz com seus conhecimentos científicos e com uma tecnologia
em constante progresso. Assim, também, tornar-se-ão eles aptos a avaliar e
interpretar todas as coisas segundo um espírito verdadeiramente cristão”
Viktor
Frankl vê o verbo (logos) e o amor como dois aspectos de uma única realidade, o
próprio Ser. O homem não pode encontrar a plenitude e a unidade interior a não
ser seguindo fielmente a consciência da verdade, a não ser procurando o sentido
último de sua vida. Encontramo-nos a nós mesmos e encontramos a nossa
integridade quando encontramos a verdade de nossa vida no amor autotranscendente.
O genuíno encontro entre pessoas não se orienta apenas para o logos (a
palavra); ele auxilia também os parceiros a se transcenderem a si mesmos em
direção ao logos.
“A
autotranscendência da pessoa humana pode ocorrer tanto a serviço de um objetivo
quanto mediante o amor a uma pessoa. Isto significa que ela se orienta ou para
o logos em si mesmo ou para o logos que se encarnou”
Toda a
pesquisa e os escritos de Abraham Maslow aprofundam igualmente a necessidade do
homem de conhecer a verdade sobre si mesmo e de se transcender na busca da
verdade e no serviço dos outros. As necessidades mais imperiosas que impelem as
pessoas à procura do sentido último são sustentadas pela admiração, assombro,
reverência e respeito, sempre que se manifesta a beleza da verdade e do bem.
“O homem
inautêntico é possuído pelas coisas, e não é capaz de se considerar como algo
mais do que uma coisa entre várias coisas”
Mas o homem
está marcado pela capacidade e pela necessidade de refletir sobre o seu próprio
ser, sobre o fato de “ser pessoa”, e, na medida em que vai satisfazendo tal
necessidade íntima, ele se torna cada vez mais apto a se aproximar dessa obra
maravilhosa que ele é chamado a ser.
Nossa
capacidade de admirar, de nos enchermos de respeito e assombro, e, ainda mais,
a nossa consciência relativa à nossa própria verdade dependem de nossa busca
incessante da verdade existencial. Nesta busca experimentamos as nossas
limitações. Descobrimos nossos erros, mas também a nossa capacidade de
superá-los.
Nossa
consciência da verdade é ameaçada de muitas maneiras, como o mostra Heidegger
repetidas vezes. O homem torna-se escravo do fluxo de acontecimentos e do pensamento
impessoal que o transforma em uma coisa no meio de coisas. Ele pode ser
dirigido pelo fluxo de acontecimentos e pelas necessidades mais baixas e ainda
pela superficialidade da multidão, da massa. Pode comprometer a verdade e sua
capacidade para a verdade por causa de sua própria inércia que, tão
frequentemente, celebra o triunfo do status quo e das doutrinas e opiniões
estereotipadas. Ele pode ser de tal forma parte de um grupo, de um partido, ou
de uma seita religiosa, que chegue a sacrificar sua boa fé a algo que se diz
“fé”. No entanto, não deve existir este dilema: ou “fé”ou boa fé; só é possível
haver o sacrifício da boa fé, ou melhor, da fé verdadeira, em favor de um tipo
errado de fé. Um sacrifício deste teor só pode ser pedido por uma fé morta ou
sectária. Privada de sinceridade, a “fé” passa a ser obediência cega ou
loucura. A fé, no sentido religioso, como a dedicação a uma grande causa, pode
ir além da razão, porém nunca contra a razão.
Apenas a
estreita ligação entre a avidez e a ternura faz com que os outros sejam
verdadeiras pessoas, cujos sentimentos me preocupam, mas que permanecem perante
mim, diferentes de mim, independentes de mim. O amor do homem, quer se dirija à
mulher, à mãe, ao pai, ao(s) filho(s), ao amigo íntimo, ao companheiro,
conserva sempre a marca destes dois movimentos do coração, um dos quais quer
possuir, dominar, utilizar, e o outro é feito de abnegação e de respeito. Não
nos esquecemos nunca completamente de nós perante o outro, ou quando o fazemos
é em proveito de um ser determinado que guardamos inconscientemente entre o que
nos pertence (os meus filhos, os meus amigos, o meu amor...). Se o perfeito
amor domina por vezes o ciúme, não acontece no entanto que não o sinta um
pouco, ainda que como uma tentação. Inversamente, o amor mais ignóbil, tem
ainda respeito na sua base O próprio sadismo não é a sua ausência, mas a sua
deformação monstruosa. Não é, de forma alguma, a materialidade do outro que a
crueldade quer atingir, mas os seus sentimentos íntimos, a sua própria
consciência. O ato pelo qual se fere outrem proclama pois simultaneamente a sua
autonomia e a sua importância. Digamos, mais simplesmente, que no seu amor ou
na sua amizade, os homens exigem ou esperam a reciprocidade. Querem “ser pagos
na mesma moeda”, quer dizer que querem dar e receber ao mesmo tempo,
oferecer-se e adquirir. A sua própria exigência parece atestar, a seus próprios
olhos, a sinceridade dos seus sentimentos. Para eles, como para Alceste, a
razão de ser de tal fato é evidente: “É que um coração bem atingido quer que se
llhe pertença completamente”.
Num
documento sobre a importância do Encontro de Casais, o padre Marthaler disse
que os místicos “usam termos como câmara nupcial e leito matrimonial justamente
porque seu amor por Deus absorve todo seu ser físico, emocional, espiritual e
intelectual. Uma verdadeira experiência mística nos transporta para fora de nós
mesmos... É óbvio que os místicos sugerem que o êxtase e o orgasmo são ambos
experiência paralelas de amor. O tempo se paralisa, e se sente o calor e a
força do abraço. O chão mexe-se embaixo... não podemos encontrar Deus só
através da razão; precisamos da paixão.
Uma esposa
descreveu a comparação entre a união da alma com Deus e a união sexual humana:
“Ainda que
sejam experiências infinitamente diferentes em sua essência, sendo uma
espiritual e a outra humana e sexual, a natureza da união é a mesma: é sair do
próprio ser para entrar num outro, acompanhado pelo êxtase; é a penetração de
um ser por outro”
#RIODEJANEIRO#,
19 DE FEVEREIRO DE 2019#
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