#BUSCO SOLO PROFUNDO ONDE FIXAR RAÍZES# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
"A
felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um
deve procurar, por si, tornar-se feliz."(Freud)
"A
felicidade é a consciência de que as dúvidas, inseguranças, medos encontraram a
luz para a busca do "Eu"(Manoel Ferreira Neto)
Corre,
corre, vagabundo
Corre dos
lácios e fácios do pré e pós
Corre,
corre, vagabundo
Corre das
tragédias, tragicomédias
Das
dialéticas, contradições das verdades e in-verdades,
Corre,
corre, vagabundo
Da história
dos heróis e mártires,
Do nada
social, do vazio político,
Do nada
existencial,
Corre,
corre, vagabundo
Do
"Epateur les bourgois",
Do
"Libertas quae será tamem"
Corre,
corre, vagabundo
Da vida e da
morte,
Do paraíso
celestial, do castelo de "0",
E deixe as
poeiras metafísicas
Nas margens
das estradas por onde passa,
E consinta
as dores e sofrimentos contingenciais
Nas vontades
da liberdade de criar o próprio destino...
O sentimento
de ser feliz vem surgindo tímido, discreto, resguardando-se, a todo instante,
de uma simples ameaça à sua inteireza. Se quero profundamente que ele ilumine
os passos, tenho de cuidar bem dele. Deveria sentir-me angustiado, mas a
angústia significa, apenas, uma ideia destilada e desenvolvida. Anos a fio, num
processo de ir e vir, vivi buscando entender a estrutura das emoções, que
terminaram por dizer, a mim mesmo, ser uma fuga de elaborar a autenticidade,
burilar o bem-estar, delinear o amor e a afeição.
Censurei-me
em todos os níveis – as dimensões puras e nítidas nem são percebidas a olhos
nus por estarem unicamente servindo de justificativas e fugas aos medos e
resistências. Não abandono nem negligencio as emoções: sinto-as a partir de
outro ângulo das atitudes e autenticidades.
Um brilho
todo especial sinto nos meus olhos. Um vento surge ininterrupto,
processando-se. Uma música vem -me ao encontro, Chris Isaak, "Wicked
Game", toca-me fundo, profundo, as raízes fluem no fluxo das emoções,
sentimentos, sensibilidade. A atitude de outro em mim. A volúpia, que dela
emana, esgota-se e remove-se a todo instante. Sei, no instante de agora, que,
nem um pouco, estou em condições de ir ao fundo de meus sentimentos, pois a mim
afigura-se uma estratégia e subterfúgio sutil de não assumir quem sou, mas sei
posso fazê-lo, mostrando-me. Meu ato, sem dúvida, necessita estar harmonizado
com os meus desejos. Crio novos sentidos para os sentimentos, para os
acontecimentos no percurso do tempo, o que denominam biografia: desejo abarcar
o mais fundo em mim. As próprias delícias fazem-me sentir que poderia ir ao
contato do sopro mais fresco.
Demônios
ociosos das sepulturas tradicionais, simples ou mausoléus, a nova modalidade
dos tempos modernos, a "gaveta" numa parede. Nestes longos e quase
intermináveis anos, pensando estar a enterrar as arbitrariedades, construindo
um homem, estive, por todos os níveis, buscando enterrar o homem, aflorando as
arbitrariedades inteiras e plenas. Nefasta escuridão do homem no mundo. Os desejos
nunca estiveram de acordo com os meus atos. Buscava, por vezes, uma explicação
plausível e sincera de desejar ser o mais inautêntico e ilegal possível; e a
farsa era de autenticidade e legalidade. Não me é sabido imprimir
justificativa, nem registrar explicações.
Contudo,
criando margem a contradições de toda ordem, ambiguidade de toda natureza,
soleira a nonsenses de origem obtusa, sinto-me exigir de mim um comportamento,
uma atitude. Bem fácil desejar a inautenticidade com a intenção única de justificar
e explanar as gratuidades: não há o dever de se ser autêntico.
Peregrino em
direção às ruínas dos templos: lá encontro a beleza, que é o encontro com o
sentido de mim. Acaso posso mesmo dizer, com convicção, ser a beleza, pois ela
passou pelas perquirições, indagações, visão de forma, contudo, estilo - em
suma, foi racionalizada e intelectualizada? Acaso posso mesmo dizer com
consciência ser o sentido de mim, pois crio fantasias a fim de aveludar as
censuras, verbalizo o que em mim há de verdadeiro no tangente ao desejo mais
profundo? Cumpre conscientizar-me da própria tristeza e fazer virtude de toda
manifestação do espírito. Coloco ordens frente a mim, com a intenção de
vislumbre e estudo, a fim de aperceber-lhe a fundo. Fossem estas ordens vividas
com sinceridade, permitindo-me cada vez mais ir ao fundo de mim, mas jamais sou
sincero comigo. Todas as emoções vividas, pensadas, entendidas, aconteciam e
fluíam sempre nos labirintos da censura. Compreendi, enfim, as dores
manifestas, as angústias mais contundentes serem as censuras mais ferozes e
agressivas.
E, hoje,
sinto em mim um desejo enorme de desvencilhar-me delas, viver lúcido e
consciente a afetividade e amor mais puros. Recuso-me radicalmente a dizer algo
sobre "amor é...", deixo isto para os dons supremos, os deuses.
Contudo, nem sei ser verdade este desejo, pois possuo o engenho e a arte de
transferir a dor intima para a dor da superfície e, neste instante, necessito
de anestesias. Faz um longo tempo evito dizer: “possuo um superego mais que
aguçado: é feroz”. Dizia a mim o meu superego haver sido formado aos seis meses
de útero materno, aquando comecei a sentir os primeiros indícios da rejeição. É
verdade. Sinto. Não queria, em absoluto acreditar e assumir, pois que, no
mundo, rejeitava a mim mesmo. Esta rejeição que sentira por sempre, e que, ao
passar das circunstâncias, consciente, efetivou-se mais quando compareci a um
velório para acompanhar um ente amado e querido, sabendo que a falecida
rejeitava-me, num velório espera-se de todos a discrição dos fatores
emocionais, sentimentais, pois que fora a quem acompanhava eu chamada e pedido
que me retirasse de lá. Fiquei de longe observando as coisas. Compreendi e
entendi: "...até a morte me rejeita...", em tom satírico, cínico, sarcástico,
o amor cuida-me em seu coração, de mim cuido eu nas atitudes e
responsabilidades. Depois do velório: almoçamos juntos num restaurante à
beira-mar. E mais: a fim de assumir frente a mim, a morte haver-me rejeitado,
compreendi que não recuso morrer, mas a morte não me quer, tempo muito longo
para abrir muitas trilhas para o amor, para a vida, para a liberdade, para a
consciência. Dói imenso. Faço um enorme esforço e digo. Pelo menos, a vida e o
amor recebem-me de braços abertos.
Não basta
ser sensível para permitir a autenticidade. Como teria amado seguir-me os
passos e saber para onde estava indo? Como teria gostado de abordar-me, mas me
não permitiria fazê-lo, a fim de não me ferir o orgulho, a vaidade!
Até que
compreendi que deveria sonhá-la...
Causar-me-ia
maior desamparo com as necessidades de superação, entendimento, compreensão.
Ultrapasso a linearidade com a simples intenção de, a cada instante, o coração,
sem um vínculo algum, indistintamente, através de todas as coisas, ser o viver
do bem-estar, da paz. Providas de significação e significado, estas palavras
tecem a mim com luxo e requinte. A superfície da beleza aveluda o sentido, o
vivido; e mesmo que haja o engenho e arte de encontrar nele, o vivido, o que há
de mais real e verdadeiro, permanece inda opaco e destilado, a superfície da
beleza precede o engenho e a arte, e ela são os sofrimentos, dores,
circunstâncias, situações, acontecimentos. Não digo não haja a beleza real e
verdadeira, mas ela nasce sempre de atitudes coerentes e sinceras. Expressei
estas palavras, mas não nasceram de atitudes e sim de gestos. Não são belas,
nem constituem a beleza. Vou terminar à beira do limiar do infinito, onde
também terminam os horizontes, onde me tornarei "estrelinha".
Até ao
último limite, a construção de todas as censuras, a partir dos medos,
resistências, fugas, trouxeram-me ao aveludar do mundo inteiro, abrindo-me as
portas para todos os infernos – e as vaidades das palavras deliciam com a
descrição escultural e artesanal deles, o orgulho da felicidade de haverem as
dúvidas, inseguranças, medos encontrado a luz da busca do "Eu"...
Devasto os
mares e rios de mim, o meu ser vindita os mais recônditos e longínquos sítios
da verdade – quando serei uma presença? Busco o solo profundo onde fixar raízes
– quando serei verdadeiro? Ou melhor: onde fixar raízes, o profundo solo que
busco – quando serei a minha verdade?
A linguagem
e estilo de existir: a consciência de que viver é buscar, querer outros
horizontes. Ter cor-agem de olhar, observar as coisas de frente, e para isto
não há conselho válido, só o Amor.
#RIODEJANEIRO#,
16 DE FEVEREIRO DE 2019#
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