SONIA GONÇALVES POETISA ESCRITORA E CRÍTICA LITERÁRIA COMENTA O AFORISMO 1006 /**ENGRANZAMENTO DE CONTOS EM FIOS DE NYLON**/
Há uma ambiguidade em nossos sentidos Manu, esta vigora em todos os
sentidos, penso que é isso que nos difere uns dos outros, veja, se eu sinto um
gosto e gosto desse gosto, você ou outro poderá não gostar...A vida seria
insuportavelmente tediosa se todos gostassem de amarelo ou de rosa. Imagine que
sentido teria se todos escrevessem no mesmo estilo?Ainda bem que é diferente e
cada um tem o seu próprio colóquio o seu jeito particular de expor sua dor, seu
amor, seu talento nas artes...O seu modo de escrever me inspira, porque gosto
muito e sei que gostas do meu também, outros preferem um jeito mais simples,
mais coloquial mesmo, penso que essa conversa espontânea que o poeta tem
consigo mesmo é enriquecedora, pois é assim que inspirado vem à tona o escritor
para nos presentear com seus lindos textos, como esse que leio nesse
momento.Também pela passagem onde descreves sobre o olhar perdendo-se ao mar,
nas longínquas espumas quais contas em fio de nylon peroladas, vou imaginando o
poeta pensador em frente ao mar em sua cadeira de praia, claro é isso que vou
vendo enquanto estou lendo rsrs vamos criando as imagens que o texto simula não
é verdade? Por isso a leitura cura a alma, por nos proporcionar exatamente essa
reflexão que você faz consigo e nos leva junto a raciocinar os mistérios, os
enigmas de viver e de escrever também. Parabéns Manu, lindo demais seu texto,
ficaria aqui tecendo centenas de palavras a tarde toda, mas a vida no requer
executando nossas tarefas diárias por mais extras ordinárias que sejam...Bjos
mil.Amei de paixão.
Sonia Gonçalves
#AFORISMO 1006/
ENGRANZAMENTO DE CONTAS EM FIO DE NYLON#
Manoel Ferreira Neto: DESENHO/GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Letras de zaranza e brumas,
Quando a neblina da madrugada
Entrelaça-se aos devaneios e desvarios,
Quando a cerração do alvorecer,
Esvoaça-se na mente com o vento das utopias...
Quando as primeiras luzes incidem no bosque,
Acordam os sons das palavras, sons poiéticos,
Po-éticos, po-emáticos... Sonemas Poéticos...
Quem sabe devesse eu tecer algumas considerações que penso e sinto serem
primordiais no sentido de tornar lúcido o que dentro trago em mim, o paradoxo,
que, por vezes não encontro modo algum de definir, as situações indecorosas e
inconseqüentes em que me envolvo, juízo tenho, mas há quando destrambelho-me
por inteiro, muitas vezes tendo de calar-me, nada dizendo, deixando-me exposto
a todos os ventos e sibilos deles de entre as serras e montanhas. Há quando
penso comigo que questiono a natureza da arte, expressá-la de modo exemplar e
único, num estilo muito particular e singular, tendo então de carregar a tinta
no que há de contraditório, sem senso, quem sabe assim atingindo o efeito
pretendido, o que requer submissão às constantes análises sobre a própria
produção.
A idéia assume o papel de um motor que faz a arte.
Escrevo absolutamente de memória, - procuro, principalmente, por emoções
que provocam não somente sentimentos puros, mas também os que buscam uma
sensação nova, intrigante, complexa, multifacetada, dilacerada, ambígua,
prolixa, hermética e, ao mesmo tempo, tênue, frágil -, sem documentos, sem
material que me ajude a recordar. Há na minha vida acontecimentos que me estão
sobremodo presentes como se acabassem de acontecer; mas há lacunas e vácuos que
só posso preencher com o auxílio de histórias tão estranhas quanto a lembrança
que delas me ficou.
Apreendo agora o que anda sendo de mim, porque flúmens e abismos
encontro-me a marear. Paralelismo primeiro e interno, retentivas e anamneses de
ocorrências, a integralidade, no processo de cuidar, assume o papel de uma
lente que amplia o olhar o íntimo e o mundo. Prezo mais os cimélios, do mar, as
alfaias preciosas das igrejas não me seduzem. Apreendo ou me exorto de que
amadurecido estou, enfim, para talhe novel. Para além de minha elementar tenção
resido. Sou feliz por esquecer a hora, por olvidar os verbos do tempo,
substantivos do pretérito. Afigura-se-me ser a subjetividade, a sensibilidade
humana. Todos os caminhos levam-me a elas. Busco em mim o ritmo de árias
antigas. Só me recorda o modo demasiado imperfeito, re-versas e in-versas
imagens do pleno e eterno, in-verdades, escondendo os segundos e minutos de
aflição e cor-agem.
E, em me referindo ao ambíguo, não posso deixar de registrar, ainda que
penso não devesse estar tecendo tais considerações, para que irão servir,
pergunto-me, angustiando-me, pois que não saberia responder por elas. O ambíguo
se me apresenta num campo aberto de sentidos, revelando ou sugerindo diversos
significados, às vezes até opostos, sem confirmá-los jamais, se o fizesse,
creio, perderia a sua originalidade, autenticidade, pois que intencionam ser
uma imagem do mistério, contra-luz do sinistro. Como o objeto ambíguo aponta
aspectos e valores múltiplos, perpetua-se o equívoco, que não se extingue,
mesmo quando, por um instante, penso que encontrei o sentido verdadeiro.
Na minha opinião, a ociosidade não é um flagelo social menor do que a
solidão. Nada diminui tanto o espírito, nada engendra tantas ninharias
perniciosas, intrigas, aborrecimentos, mentiras do que viverem pessoas
eternamente fechadas umas defronte das outras numa sala, reduzidas, como único
ofício, à necessidade de tagarelar constantemente.
A fenomenologia do ser humano, isto é, a descrição de como se manifesta
e de como funciona o ser humano, reside em revelar que ele é um ser em si, mas
que se abre sempre para o outro, que se abre ao mundo, que se abre à
totalidade. Esta é a condição humana básica. Mas ele se recusa a aceitar que
esta abertura tenha um objeto.
O bosque em cujo espaço me observo, em cujas brumas me enveredo, assume
os ziguezagues das dimensões sensíveis, inconscientes, onde aprendo a ninar nos
longe da senzala, do que se campeia no mato sem fim, nos seus resíduos letais.
Até que a morte sinta chegando, invoco as águas que me venham lavar os pés, na
beira do mar.
Quem sou, que me rememoro de engranzar contas em fios de nylon, procuro
o nada que nelas se acha, zaranja com que tripudio o efêmero? Quem sou, que me
não memora escutar os murmurejes de brados longínquos em mim, o som harmonioso
do mutismo a versejar as fés de agora e a crença de amanhã, a fez deste
instante-limite e a fécula das quimeras, dejecto e alimento.
Serem distintas sensibilidades, abalos? Quem sou, que me omito que a
mudez é que é o mutismo intenso? Na calada, eleva-se a súplica consistente,
abdico que na edificação que se alteia esbarra vento de inovação. No polvilho,
o portento da subsistência humana. Na canabis sativa, a luz da inspiração,
criação da liberdade, no emudecimento da disposição ecuménica... uma pugna de
existência antecede todas as metamorfoses, a flor da agonia precede todos os
mistérios, enigmas, bosques do dia a dia.
Um colóquio mantido desde há dias, cuja aparência ou cujo destino,
sempre que a água me confia uma boa nova, entreolhamo-nos ambos, assim, com
pensamentos id-ênticos, contentes de termos recebido a mesma resposta à mesma
pergunta, e nem sabemos em palavras dizer. Tenho de prosseguir trabalhando o
fio tênue de água que escorre na vidraça, tecendo sempre mais de teia na obra,
esse fiozinho frágil, único, todo dia, toda hora, perdendo e retomando o fluxo
de sonhos, idéias, lembranças, para adensá-la enfim numa suave melodia, em que,
ao final, as horas tristes e compridas são agora leves e prazerosas; os olhos
não tiveram de desaprender de chorar, se porventura choravam antes, vertiam
lágrimas de desejos de outros sonhos. O tempo desata de imediato todas as
saudades e ressurreições. Diminuir-se-ia a emoção, decerto se anularia, se as
idéias visassem a uma demonstração. Nas asas do pensamento, tudo já se criou,
inventou, re-fez na refazenda de re-fazer. O olhar se perde na extensão do mar,
aquando chove e as ondas avolumam-se, o pensamento perfeito é um ornamento, as
idéias são artifícios, a liberdade de tecê-los sonoros e melodiosos são
utensílios dos sonhos e utopias. Ruminações se ampliam, perdem-se no orvalho da
madrugada, as vozes do mar, os sons do bosque, obscuros desejos e aspirações
abrem grande letreiro, despertar silencioso nas sombras do sofrimento, além dos
vales e cavernas do conhecimento, a paixão da sabedoria devora, companheira de
alta luz no proscênio do picadeiro.
O mais não digo para não dar a esta página um aspecto misterioso,
místico, enigmático, mas posso imaginar, na dobra do lençol sinto os dedos
leves tocarem-me como tocava o piano, tu tocavas “Canção Agalopada”, e te
sentias volúvel e susceptível, tu tocavas para ti e para mim. A alegria sutil e
perspicaz desde o fundo da madrugada, desde o silêncio que projeta as imagens
até ao limiar de sua evid-ência e também de sua contingência. Como um olhar
gravado de cansaço, as estrelas velam o ossuário da terra, o profundo silencia
o que me submerge, o viajante inicia a sua prece na orla de um mundo sem
"portera", do mar dadivoso em que se todos se banham
Estendo-me ao longo do que dentro trago em mim. Amável faceirice
substitui a ternura. Acho que nunca me esforcei tanto por desejar e querer a
vida, senti-la-sendo em mim, ouvi-la, dizendo suas palavras de sabedoria e
conhecimento; por agradar–me nem nunca fiquei tão contente comigo mesmo. Posso
ocultar-me na luz de um abat-jour aceso e fazer de mim, de minhas próprias
desgraças, infortúnios, infelicidades, e alguns momentos de alegria, júbilo e
glória, um modo de descobrir-me, revelar-me, enfim, de ser-me. Posso
expressar-me com empáfia e sabedoria, posso oferecer a Éblis uma gota de
lágrima por estar feliz e contente com o conhecimento adquirido de quem sou, e
pela indiferença da oferta Fausto não irá se insatisfazer.
O desejo de amor só vive de entrega, onde têm raízes a iluminação e a
redenção, cujos frutos são os sonhos que alimentamos e AFAGAMOS, e quem a
outrem, que en-vela e re-vela, não poderá, Senhor, alguma vez, desalgemar de
mim as mãos rápidas de gestos, deixando-me-ser aos olhos e ouvidos atentos e á
minha nítida duplicidade de Alma, ambiguidade de inconsciência, anima/animus?
(**RIO DE JANEIRO**, 15 DE AGOSTO DE 2018)
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