#LÚCIFER PERNÓSTICO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto; ROMANCE
CAPÍTULO XIV - PARTE I
“Que idéia de jegue é esta? Dá licença...”, sendo
assim que muitos se expressam, quando desejam se referir a uma idéia absurda,
quais as perdas e benefícios, os ganhos e prejuízos, enfim, nada, isto é o que
qualquer homem no seu juízo comum e são irá afirmar, se preciso entregar-se às
mãos do destino...
Mesmo que três quilômetros e meio ida e volta não
seja tanto para um asno experiente, muitos anos só fazendo isto, subindo e
descendo ruas, a carroça cheia de alguma coisa, ainda assim não é uma distância
que se percorre a troco de chicotadas. Só mesmo no momento de minhas teimosias,
e isto não é um dos instintos, características, já bem não o posso distinguir a
menos que passe a considerar a idéia ser mesmo a de um jegue, também não
saberia dizer de que se trata isto em mim.
Ora veja, não estou acostumado a ir buscar boi
morto para os açougues, mas há quando os açougueiros precisam de bois extras, é
tempo de evento musical importante em nossa comunidade, a cidade estará
abarrotada de gente para o grande espetáculo da noite, cinco, seis são mortos,
e de uma vez levar numa camioneta é impossível de todo, viagem de ida e volta
acaba atrasando o trabalho feito no açougue mesmo, os clientes estão esperando
às pressas, as pousadas estão abarrotadas de gente. Então contratam os donos de
carroças para o frete, o que é normal acontecer é um grupo se reunir e ir
buscar os quartos e tudo o mais, fígado, rins, coração, fato, cabeça, pés,
etc., etc. Não sendo um grupo, o carroceiro costuma cobrar mais para buscar em
duas ou três vezes. Fora começada a construção de um matadouro municipal, soma
elevada em dinheiro fora gasta, mas não fora terminado, a construção se gasta
no decorrer do tempo.
Posso ser surrado, mas me recuso a sair quando o
contrato inclui que devo estar presente no momento do sacrifício do animal. Não
vou. Por que não? Os animais não temos a dimensão da morte, embora morramos.
Mas caso algo nos fira fisicamente, sentimos dores. Levar uma machadada na
cabeça, sentir a faca entrando na carne até atingir o coração, o sangue
jorrando a plenos jatos, a morte. Difícil o sentimento de ver um animal
sacrificado a machado e faca. Em verdade, sinto as suas dores. Digo-o com
dignidade. Sou surrado até morrer, não movo um pé sequer. Puxar carroça, sim,
muito trabalho, mas se vive, embora não saiba eu o sentido disto que é viver –
então viver é só esperar, é só vencer etapas e fases, etc., etc?
Donde é que já se viu alguém criticar as atitudes
de alguém, mostrando-lhe as mazelas e pitis do quotidiano com todas as letras e
vírgulas, se não sabe o nome desta pessoa, alguma instituição ou entidade, se
não se sabe o nome da primeira, as divisões burocráticas que a cada uma é de
direito. Se se deseja realizar a crítica, mudar o quadro das relações sociais,
são necessárias a pesquisa, a investigação, a extrema acuidade na interpretação
dos fatos e dos acontecimentos, deixando estes dizerem o que significam.
Bem... Certo editor-chefe de um tablóide de nossa
comunidade decidira criticar instituições e personalidades de nível no quadro
político, econômico, social, artístico, e tudo o mais que se possa imaginar, o
que, em verdade, a resposta é um relincho. Ouvira ser comentado por todas as
esquinas que, sem informação da realidade mesma, o editor-chefe acabou se
envolvendo com situações complicadas. No fritar dos ovos, fora publicado
edição-especial, com mudança até na cor do jornal, a fim de constar nos anais
de nossa história, um direito de resposta.
Comentaram que o editor-chefe fora chamado de
viperino, ignaro-escritor, homem sem princípios, moral, ética. Em verdade, fora
muitíssimo comentado em muitas rodas e grupos de nossa sociedade. Era manhã de
sábado, “sábado no mercado”, quando alguém chega empunhando um jornal, dizendo
que o editor-chefe tinha recebido o que merecia. O que lhe valeu uma pergunta:
“E você aprova isto!”. “E por que não?”, causando um mal-estar entre ambos até
que o mais velho decidiu não se envolver com aquela estirpe de homem.
Este homem mesmo que perguntara se aprovava tal
atitude passou por cima do Diário Oficial, que publicara a liberação do cargo
de secretário da superintendência de ensino, juntamente com um político de
âmbito estadual, colocando outra pessoa no seu lugar, completamente imbecil e
idiota.
Concluiu-se assim que estes homens que decidem o
destino da comunidade só tenham interesses de idiotas e imbecis ocuparem cargos
importantes, assim podem tripudiar a mais não ser possível, os de suas relações
pessoais, pois em nome de algum mérito fazem o que são ordenados a fazer, sem
quaisquer perguntas ou questionamentos? Não se conclui coisa alguma. Está
sentado bem confortável na cadeira em seu gabinete de trabalho.
A resposta do editor-chefe também estava sendo
publicada no mesmo número do tablóide, mas como sempre suas respostas remontam
à infância, adolescência, juventude, maturidade, isto e aquilo que justificam
suas atitudes e ações, e assim sustenta o senhor e a vítima em todas as
situações possíveis. Passado algum tempo, quando ninguém mais lembrava do
acontecido, publicara outra matéria, confessando todas as suas mazelas,
achaques, o quanto dera trabalho aos seus pais.
O que se há de indagar é o fato de haver sido
expulso do Caraças: o que mesmo provocara a expulsão de seminário tão
importante de nosso país? A bem da verdade, pode-se concluir que este homem já
esteja com uns sessenta e três anos, a contar pela data de nascimento no
Registro, pelo tempo que não mais existe o Caraças, incendiara, e não fora
reconstruído. Algo de muito grave e desonroso acontecera, não haja dúvida. Em
verdade, tal confissão não tivera outro propósito senão o de ser reconhecido:
outrora, um embusteiro; na atualidade, um santo do pau oco. Em verdade, há quem
pense, este editor-chefe é um deles, que para ser um grande escritor é preciso
que no passado tenha sido um canalha de grife. Isto vem lá da Bíblia, não é
verdade? Jacó era um embusteiro. Santo Agostinho um perfeito mau caráter. São
Paulo perseguia os judeus... Há-de se indagar se Deus o escolheu!... Chegará o
momento de a sua vida virar-se às avessas.
No lançamento de seu livro, Credólio Cruzilis
ficara inquieto com todos aqueles discursos, parentes, amigos, conhecidos,
admiradores, os familiares, filhos, esposa, só faltou o cachorro de estimação
que o filho estava com ele no colo, e todos tecendo as mais esplendorosas
considerações, a profunda estima e reconhecimento pelos feitos juntamente à
sociedade, pelo pai bom, generoso, amigo, cúmplice, amante. Pareceu-lhe
sobremodo falsos todos aqueles discursos, aquele homem escondia matos atrás dos
coelhos. Ao adquirir a obra na entrada, olhou a edição, a capa. Abrira e não
encontrara a tradicional “orelha”. Três ou quatro páginas somente de nomes
próprios, o que lhe fez pensar na segunda que estava sendo engabelado, estava
comprando não uma obra literária, e sim uma lista telefônica. Não havia nada
escrito na contra-capa. Era obra para os amigos e conhecidos. Comentara com
Dánaos Mefis, quem estava com ele, sobre estes detalhes, sendo aconselhado a
não tecer críticas, alguém poderia estar prestando atenção na conversa,
comentar com ele. Estava dizendo o que estava vendo.
- Há coisas que se vivem, não se dizem – disse-lhe
Dánaos Méfis, tocando-lhe no ombro de modo amigável – Entendeu?...
- Não. Não entendi. O que importa o meu
entendimento, hein? Digo o que penso, digo o que vejo, digo o que sinto. Isto
você entende, não Dánaos?
Convenhamos, isto não será nunca algo de sua
consciência, são palavras escritas num tablóide, mesmo que alguns não guardem,
muitos não têm os números em ordem de publicação, outros tendo, sendo os
especialistas, os historiadores, os que gostam de saber o que está acontecendo,
mas alguém sempre tem o número e se alguém pesquisar, investigar, vai dar
direto com esta realidade. São coisas que não se esquece: de modo e de outro
faz parte da história, e ninguém que ostenta uma posição, um renome admite que
se lhe chame de ignaro, quanto mais um escritor. As marcas ficam, não haja
qualquer dúvida. E se não ficar marca alguma, é que ele não merece qualquer
crédito, é um indivíduo sem qualquer caráter ou brio na cara.
Manoel Ferreira Neto
(MARÇO DE 2005)
(#RIODEJANEIRO#, 31 DE AGOSTO DE 2018)
Comentários
Postar um comentário