#LÚCIFER PERNÓSTICO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto; ROMANCE
CAPÍTULO XI - PARTE II
Continuará a sua trilha, ouvindo o discurso do
mestre-cerimônia que, muito emocionado, e já sabendo que, ao terminar, quem
sabe fosse esgoelado por todos os que ali estavam presentes. Ah, se ele,
Lúcifer Pernóstico!... Se pudesse, com certeza, arrebentaria o que lhe prendia
à carroça, abaixando-se um pouco para romper a espécie de varal, com uma
cenoura a uma distância que ele não a pudesse abocanhar, indo postar-se junto
ao mestre-cerimônia, de costas, para o primeiro que se aproximasse dele
desse-lhe as convivas com as pernas traseiras. Não podia mesmo esta estranha
façanha realizar, romper o que o prendia à carroça, estando dis-posto para o
que “desse-e-viesse”.
- Quem é este homem? – perguntara Sizínio Rego ao
Mundico – Temos um escritor-filósofo em Atenas Atéia agora?
- Casado com Cláudia Soares, advogada, filha de
Plínio Soares...
- Não é daqui...
- Não. Cachoeira dos Lobos.
- É preciso estar atento para as atitudes desse
homem. Irá nos causar problemas.
Estranho isto de estar levando mala à rua da
Saudade. Ouvira alguém tão emocionado e compassivo com a morte da criança que
dissera: “Lúcifer Pernóstico, leve este pequeno ser à rua da Saudade, estão por
ele esperando algumas pessoas. Este pequeno ser, caríssimo Lúcifer Pernóstico,
viajou por causa de uma pequena moléstia”. Então, estava levando, em verdade,
um caixão para ser enterrado naquela tarde de sábado. O que certas pessoas
pensam que ele é, um imbecil qualquer, um idiota, quem sabe um presunçoso de
ser um quadrúpede pensante? Estão muito enganadas. Não diria que pensasse
coisas sérias, aquelas próprias de todos os homens que de algum modo têm medo
da morte, com o intuito exclusivo de enganar o medo dela, pensando nos bons
costumes, na moral, na ética, nas relações de solidariedade e compaixão que
devem existir entre todos da raça humana.
Havia se esquecido por alguns momentos, enquanto
olhava uma égua passando... Esquecera-se de ouvir de todos da cidade sobre a
viagem de alguém. Só após haver caminhado um pouco é que compreendera as
palavras da pessoa quem lhe encomendara toda sensível e lastimosa entregar à
porta do Cemitério Municipal. Estivera interessado em sentir se o que a pessoa
expressava era verdade inconteste, sofria sim em todo o seu corpo e espírito,
ou se apenas representação, uma cena para que todos a observassem, dizendo ser
amiga da família, alguém que amava a todos.
Despertara. Estava levando um caixão ao cemitério,
o pequeno ser seria enterrado. Os presentes assistindo aos coveiros jogando
terra por cima com a pá. Alguns chorando muito, reclamando de Deus o destino da
criança, não poderia Ele ter-lhes tirado a vida ao invés da criança, ela
estaria começando a viver no meio das coisas, dos objetos, dos homens, no
futuro, seria útil a todos, mostraria o que é alguém quem luta pela identidade
dos homens.
Continuava a andar lenta e de cabeça baixa, enfim,
ele também, Lúcifer Pernóstico, está muito sensível por saber que uma criança
havia morrido devido a moléstia desconhecida dos cientistas.
Olhara para a cenoura dependurada na espécie de
varal construída à sua frente. O seu dono havia trocado, a outra já estava mais
do que murcha. Precisava de outra bem fresquinha, daquelas que brilham com os
raios de sol incidindo nelas. Muita generosidade, mas que negócio é este de
colocar cenoura nova logo no dia que iria levar o corpo de uma criança ao
cemitério?
De qualquer modo que pensava só tinha uma conclusão
destas que nem imbecis podem negligenciar: havia negligência, preconceito,
discriminação à sua extremíssima intuição, não podendo mais conservar os seus
pontos de vista, conclusões, pusera-se a pensar a respeito dos caminhos da
humanidade, como ela está caminhando ao longo dos milênios de fome e sede. Não
tivera ainda a oportunidade de encontrar um companheiro a quem pudesse revelar
todas as suas experiências, des-cobertas.
Quem sabe em alguns anos ser-lhe-ia possível este
encontro, no pasto, comendo a sua grama verde, tranqüilo e sereno, o encontro
com um companheiro para quem contaria a sua história, desde que começara a
levar e trazer fretes pelas ruas da cidade, vendo e assistindo a estes e
aqueles eventos, ouvindo as conversas de comadres, às lutas de alguns pela
consciência de seu povo.
Claro, talvez não houvesse encontro algum,
continuaria a comer o capim verde do pasto, até que nada mais restasse de seus
pensamentos, de suas idéias, utopias. Quando nada mais seria do que um asno que
andou desembestado pelas ruas da cidade, levando e trazendo fretes, frente a
ele uma cenoura dependurada a uma espécie de varal construído.
Antes de entrar numa rua que seria um atalho para
chegar ao cemitério, ouvira o mestre-cerimônia dizer algumas palavras de seu
discurso de lançamento de um livro de História: “Somos culpados de nosso
passado”. Continuou sua trilha rumo ao cemitério da cidade, algumas pessoas
atrás da carroça chorando, contando alguns acontecimentos da família, de quanto
os pais iriam sofrer com a perda do filho tão esperado, esperaram por longos
anos a fio.
Manoel Ferreira Neto
(MARÇO DE 2005)
(#RIODEJANEIRO#, 31 DE AGOSTO DE 2018)
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