#LÚCIFER PERNÓSTICO - ROMANCE# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE



CAPÍTULO I - V PARTE.........


A diretora nada disse. Limitou-se a se despedir de Tica. Saindo, Credólio se lembrou de que havia publicado um artigo neste tablóide, enviando um disquete com o texto em absoluto corrigido. Publicado, deparou-se com oito erros. Colocaram o texto no computador e, diante dos vermelhos e verdes: aqueles, termos que o computador não registra (e neste caso Credólio Cruzilis consulta o dicionário); os verdes para os erros gramaticais, e nestes não se deve confiar, são perfeitamente arbitrárias as correções que o sistema apresenta. Se consulta dicionário, o mesmo não o faz em se tratando de gramática: aprendeu a língua culta através da musicalidade das palavras, aliás, escreve, ouvindo músicas. Assim, corrigiram de acordo com o sistema do computador. Não satisfeito, dirigiu-se à redação, fazendo a devida reclamação. A diretora apenas ouviu.


Nada disse. Aliás, é de práxis os editores-chefe e diretores dos tablóides atenienses ateus adulterarem os textos de colaboradores sem o devido consentimento dos autores. Há quem deixou de colaborar com o tablóide de Trussovino Garbo, quem modifica mesmo o texto do autor, por esta razão.


Visto sempre em bares, botequins, restaurantes, tomando uma branquinha, escrevendo alguma coisa nos guardanapos. Saíra matéria num dos tablóides, uma crônica de um destes “filósofos de botequim”, algo sobremodo pejorativo e jocoso, e por certas descrições maliciosas, pensara logo ter sido dirigido a ele. Não teria ele percepção, intuição do jocoso, mofa, piadinha nas palavras. Fora encomendado, não tinha dúvidas. Não conhecia o autor, aliás era a primeira matéria que lia de sua autoria. Não podia ser. Contudo, avaliando que o editor-chefe pudesse ter pedido para escrever algo no gênero, já que ele ou não tinha inteligência para tal ou preferira ficar no anonimato – quem sabe com medo de um pedido de resposta, e desta vez não iria se servir de sua vida passada como justificativa de suas maleficências. Qualquer desconfiança, perguntasse ao autor.


Assim o fez. Ligou, perguntou acerca da crônica. Não. O editor-chefe não pedira essa crônica. Havia escrito fazia algum tempo. . Em verdade, não esta dizendo isto para lhe provocar, descascar-lhe os pepinos, mas investigar a face real da questão que tanto é aqui obscurecida por interesses os mais escusos e esquisitos. Compreenda a verdadeira intenção. Não se sentiu convencido. Não diria, se isto houvesse mesmo acontecido. Não se tornaram amigos, companheiros. Por vezes, encontravam-se na rua, trocando um “mindinho” de prosa, e num desses encontros contou-lhe haver deixado de escrever no tablóide, seus textos eram sempre modificados.


- Fosse comigo, Virgolino Mendes, processaria o tablóide – disse-lhe Credólio Cruzilis um pouco alterado; era só tocar no nome do pernóstico ele modificava o seu tom de voz, ficava irritado: o nojo e o ódio que sentia dele eram capitais, nojo e ódio congênitos, seria melhor assim dizer – Isto, meu amigo, é questão de direito autoral. Ou você não sabe disso?


Encontrou-se Credólio Cruzilis com outro diretor de tablóide, chamando-lhe a atenção por sua negligência com a Língua Portuguesa. Na edição que lera, contou setenta e cinco erros de toda ordem. Interessante é que, antes de sair de casa, pensara carregar o jornal consigo, talvez sentasse nalgum botequim, tomando um pinga, dar uma segunda leitura na matéria. Poderia mostrar-lhe para que não houvesse dúvida de que o número de erros era real, para chamar-lhe ainda mais a atenção. Se fosse o caso, iria à sua residência, apanhando o jornal, mostrar-lhe-ia. Não tinha qualquer motivo para aumentar ou diminuir.


- Ao invés de criticar, por que você não contribui? – indagou com os olhos brilhando de raiva, ódio; a voz saíra um pouco rouca.


- Quanto irá me pagar para as devidas correções?


- Não pago nada.


- Então os erros de toda ordem continuam.


Nada disso é verdade. Muito simples a explicação: não há quem escreva em Português erudito, palavras desconhecidas. Publicasse, os outros que colaboram com os tablóides com crônicas, contos, o Português seria observado. Haveria quem ironizasse os erros crassos de toda ordem. Não pode um estrangeiro escrever melhor que os nativos, e ainda mais fazer nome. Não pode um burro dar coice fatal, isso só é dado aos asnos.


Surgiu oportunidade de publicar no tablóide de Cachoeira dos Lobos. Esteve pensando em enviar um desses artigos sobre a “carroça-da-cenoura”. Ao longo dos meses, publicaria todos, intercalados com outros. Dependendo da aceitação, seriam apresentados em livro – quem sabe com o título: “Quadrúpede Pensante”. Raciocinou, chegando à conclusão de que não publicaria estes textos em sua terra-natal; publicaria outros com referência à realidade de lá. São textos críticos, fundamentados nas mazelas e achaques da sociedade ateniense atéia; mesmo que os “cachoeirenses” aceitassem, elogiassem, não diziam respeito à realidade desta comunidade. Os textos escritos sobre o asno ficariam guardados na gaveta de sua mesa de trabalho. Quem sabe algum dia, à falta de inspiração, não os relesse, unisse-os, transformando numa novela ou romance.


Após a publicação de dois textos, em verdade crítica literária de obras de escritores cachoeirenses, encontrou-se com uma poetisa – recém-chegado a Atenas Atéia, tornaram-se amigos, mas Judite Guerra sentiu-se negligenciada por ele estar divulgando seus trabalhos e os poetas e escritores não terem incentivos, dizendo: “Atenas Atéia é ótima madrasta, mãe péssima”. Recebia de seu editor três exemplares do jornal. Um deles era dado ao seu amigo Honório Leite, quem era conhecido de Judite Guerra. Ficara ela sabendo de suas publicações. Há outras coisas a serem reveladas, mas lhe deixemos a liberdade de ter a sua intimidade, há coisas que se vivem e não se dizem. Soube de fonte fidedigna que houve um comentário de sua parte a respeito de Credólio Cruzilis, e com quem este lhe dissera o que estava fazendo, pois havia muito não se via ele na rua.
Fora ele postar uma correspondência para um discípulo seu a quem orientou numa monografia para conclusão de curso. Encontrou-se com Judite.


- Como vai, Credólio Cruzilis?


- Tudo bem, obrigado. Como está passando?


- E as suas produções, como vão?


- Não publico coisa alguma nesta cidade. Estou publicando em Cachoeira dos Lobos.


- Estou perguntando isto mesmo. Os leitores de lá estão gostando.


- Não sei. Ainda não fui lá depois que iniciei as publicações. Os companheiros de estrada estão apreciando. Já recebi algumas missivas deles.


Seja em que perspectiva pensado, há ângulos interessantes a serem observados. A presença da ironia em qualquer dos textos escritos sobre o asno é evidente. Não tivera qualquer intenção de escrever sátiras, mas é pura sátira. Sem sentido deixar de escrever por haverem outros escritos. Perder a inspiração, oportunidade, não justifica. Havendo quantas forem as inspirações, digna-se a registrar, carregando a mão nos sarcasmos. Por que não? Qual o problema de, passando nas ruas, alguém lhe apontar dizendo ser o asno das letras? A que conclusão chegaria se usasse a hermenêutica socrática, o método de pensar de Sócrates? Crê haver algumas muitíssimo interessantes. Qualquer uma delas não agradaria a ninguém.
Manoel Ferreira Neto
(FEVEREIRO 2005)


(#RIODEJANEIRO#, 28 DE AGOSTO DE 2018)


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