#LÚCIFER PERNÓSTICO - ROMANCE#- GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE
CAPÍTULO I - IV PARTE......
Primeira sexta-feira do mês, dia de confissão. A fila neste dia estava
um pouco grande, uma semana antes da Sexta-feira da Paixão. Ajoelhou-se uma
jovem mulher, cabelos lisos, vestido solto cinza claro, um rosto angelical,
nariz aquilino, boca pequena, olhos escuros, um tanto melancólicos. Uma jovem
de uns dezoito a vinte anos. Filha de um dos mais importantes diamantários,
valores tradicionais, moral e ética dos tempos do “onça”.
Não demorara muito, disse o que pensava ser necessário fazê-lo, com o
que se achava culpada, necessitada de absolvição para comungar. O padre lhe
perguntou: “Só isto, minha filha?”. Respondeu-lhe que não, havia um pecado que
não podia contar de modo algum. Tinha medo de a família ou a sociedade viesse a
saber; o padre, não sabendo manter segredo de confissão, poderia comentar com
alguém. Não poderia receber a absolvição, dissera o padre, não poderia comungar
com pecado grave. Insistiu. Nada. Pediu-lhe, então, que esperasse sentada no
banco. Precisava falar com ela. A confissão demorou por volta de uma hora e
meia. Esperou por necessitar receber a absolvição - o que diria aos pais se não
comungasse no domingo? Havia saído de casa para se confessar. As pessoas
estavam sem muitos pecados. Durante a confissão de todos os fiéis, após a da
jovem mulher, o padre mostrou-se ansioso, inquieto, quase nem ouvia o que
confessavam, pensando qual seria o pecado para a deliberação de não dizer, só
podia ser algo em relação à vida sexual. Por vezes, passava um lenço branco na
testa que suava muito, em verdade estava fazendo muito calor. Terminara.
Chamou-a numa saleta no interior da Igreja, onde se atende às pessoas
necessitadas de uma palavra de conforto, de esperança para continuar a vida que
a cada momento se torna mais complexa e difícil de realizá-la a contento.
Explicou-lhe que não poderia deixar de contar, que a absolvição a faria sentir-se
bem, confortável. Não adiantou. Nada a convencia a contar o tal de pecado. O
padre tivera uma ideia. Se a convidasse para ir a um lugar, poderiam conversar,
talvez o ambiente da Igreja estaria influenciando. Se marcasse o lugar, o
horário, iria? Iria sim. De fato, marcara para as dezessete e trinta num lugar
da montanha, a leste da cidade. Fim de tarde, o crepúsculo nas serras, o canto
dos pássaros, algo sobremodo romântico, faz invocar a Deus, sua Misericórdia.
Duas horas antes se dirigiu ao lugar. Levara para ler O anticristo, de
Nietzsche, enquanto a esperasse. Sentou-se a uma pedra, esperou que aparecesse.
Apareceu. Tentou persuadi-la, mostrando os benefícios espirituais que a
absolvição causa nas pessoas. Não conseguiu. Deu-lhe um beijo na boca. Era
aquilo, alguém lhe havia beijado na boca? Tirou-lhe o peitinho, sugou-lhe. È
isso, deixou o namorado chupar o peitinho? Tirou-lhe a roupa. Deitou-a no chão.
Manteve sexo oral. Era tudo aquilo?
- Não, padre...
- O que é, então, minha filha? – chupava os lábios de prazer.
- Padre, eu estou de gonorréia... – levantou-se de imediato, dizendo
“Meu Deus, em que abismo me fui meter?...”.
É o que dá ser curioso demais. Aquando era estudante de Seminário,
Credólio Cruzilis tivera a ousadia de contar piada semelhante ao reitor. Fora
severamente repreendido, donde já se viu contar piada com assuntos da Igreja.
Tomasse juízo.
Ficara apenas três meses. Não se sabe ao certo o que teria acontecido,
talvez fosse algo de grave. Rapaz insolente, inconsequente... Os pais lhe
enviaram para o Seminário, devido aos seus comportamentos, atitudes, só vivia
em companhia de dois rapazes, fazendo coisas que até Deus duvidava a sua criatura
pudesse, roubar porco em retiros para churrasco, desencaminhar as moças de
família, etc. etc., viver andando de carro, bebendo em bares, embriagando-se a
mais não poder. O diretor já havia comunicado que não era possível mais
continuar o ano, estava reprovado, e neste caso o melhor é que saísse, evitaria
de ser expulso por mau comportamento. Dizem que não se adaptou com a rigidez
das atitudes e ações num métier religioso.
Credólio Cruzilis era separado de sua esposa com quem teve uma filha.
Havia casado apenas no religioso por interferência de sua mãe. Hécuba Cruzilis
era divorciada de seu primeiro marido. Viveram apenas nove meses juntos, dessa
relação não houve filhos. Casaram-se apenas no civil. Religiosos, freqüentavam
a igreja todos os domingos, comungando. Padre Teodorico Rocha encontrou-se com
Credólio Cruzilis, dizendo-lhe que atualizasse a sua situação com a igreja, não
podia receber a eucaristia, sendo separado, tendo filhos, casado com uma
divorciada. Nada lhe respondeu da primeira vez. A insistência continuou por
algum tempo, mas, diante da indiferença dele, o padre chegou a desistir de sua
empreitada. Deixaram de ir a esta igreja.
Passaram a freqüentar outra, o padre era mais liberal. Seis meses após
haver desistido de obrigar Credólio Cruzilis a atualizar sua situação, mocinha
da sociedade apareceu grávida, filho deste padre, quem fora afastado da
paróquia, sendo enviado para outra cidade. Dizem que continua padre, lecionando
numa faculdade de letras e filosofia numa cidade do interior.
Não se lembra de quando, em que circunstâncias, ouviu esta “piada” sobre
o filósofo Sócrates; o que ainda lhe resta na memória é que, após ouvida,
pôs-se a questionar acerca do sentimento dilacerante do ridículo e o
preconceito por ser quem usasse das letras como um modo de se expressar.
Foram escritos treze artigos. Não há qualquer publicado. Publicara na
Internet inúmeros textos; em tablóide, alguns. A imprensa escrita nada publica
de sua autoria. Há quem acredite não o ser por lhe haver enviado as batatas: “À
imprensa escrita as batatas”, parodiando Machado de Assis. Outros por serem as
matérias agressivas, irônicas, ferirem os princípios, boa tradição e
provincianismo... Acinte à moral, ética.
Às vezes, saindo à rua, passa numa boutique de produtos artesanais para
visitar as amigas, trocar uns dedos de prosa com Tica, Tuca ou Teca, amigas por
quem nutre amizade verdadeira. Numa dessas visitas, a diretora de um dos
tablóides atenienses entrou na boutique para entregar a edição recentemente
saída. Ofereceu-lhe um. Agradeceu, dizendo “não leio jornais”, ao que a
diretora replicou: “Nem escreve em jornais da cidade”. Olhou-a fixo.
- Não escrevo – respondeu-lhe, mostrando-lhe sua irritação. Não lê
jornais, nunca gostou. Ainda quando publicava as matérias em tablóide, lia a
sua para se certificar de que não houvera adulterações. O que haveria de errado
em não mais publicar, fora a sua decisão; enfim, o que escreve é de sua
autoria, só ele pode decidir por isto ou aquilo.
- Isto porque você se julga um grande escritor e não admite que o povo
se aproxime desta grandeza – disse-o em tom de mofa.
- Não. A verdade é que não tem sentido publicar algo para um povo que
não sabe ler, muito menos compreender. Estamos na terra da tapadice total. Não
tenho qualquer tendência para pregar no vazio, no deserto, se assim o
preferir...
Disse-o serenamente, voz comedida, sem qualquer afetação, olhando-a .
Disse não o que a sua atitude de interromper as publicações, proibir-se, mas o
que realmente se lhe afigurou, o que se lhe revelou nas situações e
circunstâncias com os textos publicados em jornal e Internet. Não conhece bem a
fala de Dercy, mas algo como “não tenho medo do que penso, do que sinto”. Não
entenderam bulhufas. O que fazer? É um homem muito prolixo, complexo – a sua
busca, sem qualquer criação, recurso de estilo e linguagem, é a sublimidade.
Manoel Ferreira Neto
(FEVEREIRO 2005)
(#RIODEJANEIRO#, 28 DE AGOSTO DE 2018)
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