#LÚCIFER PERNÓSTICO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE
CAPÍTULO XVI - PARTE I
Des-gracei-me a relinchar. O que mais poderia
fazer? Ninguém estaria desejando que risse; não esperaria eu que relinchasse? A
cada um o que é de cada um.
Imagine só olhar para alguém, com aquele sorriso de
quem sabe ser sincero não só com os amigos, inimigos, conhecidos, companheiros,
e tudo o mais que se possa em sã consciência pensar e imaginar; o sorriso
deixando nítido os dentes brancos, às vezes um pouco disfarçado pelo
cavanhaque; homem um pouco além da estatura média.
Pensa-se homem de condutas ilibadas, salvo algumas
que esconde a sete chaves, ou aceita que a família comente nos encontros em que
não está presente. Afasta-se de todo medo: junta-se perto, para que possa
rapidamente alcançar o que busca; mas olhe bem que se afaste e cuide-se de não
fazer baixeza. Homem que sabe respeitar as diferenças, considera aqueles que
merecem, reconhece os grandes talentos e dons.
Não se deve esquecer nunca que na natureza humana é
valor indiscutível a aparência. Quanto mais aparente e superficial for é demonstração
de valores irrespondíveis. Desde os primórdios da humanidade. Há quem pensa a
aparência como se somente no século atrasado, passado, princípio deste ela
existisse. Ingenuidade. Desde tempos imemoriais existe, e ao longo dele até o
presente muitas transformações houvera, desenvolveu-se, amadureceu-se, e não há
quem não se sinta orgulhoso por a usar de acordo com o seu gosto e exigência
maiores. Se houvesse um curso superior de aparências, os atenienses ateus
seriam considerados doutores, fazendo palestras, seminários no exterior,
reconhecimento mundial.
Não consigo parar de relinchar. Meu dono conversa
com um companheiro seu, sentado a uma pedra, fumando o seu cigarro de palha.
Olha-me matreiro. Não necessitaria de qualquer palavra para explicar o em que
está pensando: “Este asno é completamente doido? Por que está relinchando
assim”. Até algumas crianças estão paradas nas calçadas olhando os meus
relinchos. Quem sabe estejam esperando que de repente comece a falar,
tagarelar, a língua aquela perfeita sirigaita. Há tantas histórias de asno
falador, os pais contavam antes de dormirem, liam em livros, os professores
continuam a explorar estas histórias; dizem que é importante por desenvolver
nas crianças a imaginação fértil, o espírito criativo. Não sou um asno falador.
Há muitos asnos faladores nas letras de homens famosos. Quem dera eu servisse
de inspiração a eles. Ninguém ousaria fazê-lo. Teria sempre dúvidas do que
estaria eu pensando. Só poderia saber se pensasse como um asno. Quem ousaria?
Se encontrasse um modo de parar com os relinchos.
Não posso. Gostaria de ter visto a cara de quem atendeu o portador de minha
correspondência ao senhor-autoridade. Fora formal, diplomata. “Gostaria de
prestar uma homenagem ao senhor autoridade. Enfim, tem sido muitíssimo
solidário, amigo, incentivado muito. Aqui está a dedicatória”, leu-a.
- Quem seja que tenha escrito, agradecemos
cordialmente pelo reconhecimento e consideração – dissera ela a quem fora
entregar. Mostrou-se alegre, satisfeita, se pudesse daria uns pequenos saltos,
a alegria era saltitante. Se ainda pudesse, sairia de atrás do balcão,
abraçaria e daria um beijo no rosto dele, mas é um homem sobremodo fechado. Não
decorou palavras, disse o que estava sentindo diante de algumas orientações
minhas.
Só me lembro do final: “Desejo-lhe muitos
empreendimentos e realizações na cultura, nas artes, na história. Abraços”. Não
precisaria assinar o meu nome aqui nos meus pensamentos. Não consigo é parar de
relinchar. A senhora atendeu ao portador toda sorridente, alegre com a fala
dele, agradecida, muito embora não soubesse de quem se tratava.
Se fosse eu, olharia bem no seu rosto,
mostrando-lhe que pergunto como é possível me receber com todo este sorriso,
sem saber o que contém a correspondência. Fosse comigo, notaria a
representação, a encenação, numa palavra mais ousada, a aparência. Obviamente,
sendo das relações do senhor-autoridade, após a saída do portador, sentado,
começado a ler. Propósito fora algo bem formal, daquela linguagem que encanta a
qualquer leitor, isto realizar na primeira página; na segunda página, é que
teci os coices – ah, quem dera fosse com engenho e arte! Fora através dos meus
pensamentos: acontece que o que em mim sente pensa e o que pensa em mim sente.
Saber reverter esse processo é que é a questão: sente-se os coices todos de só
vez.
Caiu na história do Cavalo de Tróia. Os troianos
abriram as portas para aquela maravilha de cavalo construído de madeira. Não
sabendo eles o que lhes esperava quando abrissem a porta. Não sei se isto é do
conhecimento do portador. Isto de conhecer os fatos e acontecimentos, como as
ideologias e interesses rolaram em mãos de alguns, o que fora escondido dos
homens, só mesmo para um asno. O que importa é que os prazeres estão sendo
realizados a contento.
(#RIODEJANEIRO#, 31 DE AGOSTO DE 2018)
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