**SEMANA //Blog **BO-TEKO DE POESIAS** - 18-24 DE NOVEMBRO DE 2016** - Manoel Ferreira
**HARPA DAS SENTINELAS DA ESTESIA E ESPERANÇA**
O silêncio canta para mim, contudo apenas ouço a sua voz sublime,
melodiosa, todas as suas dimensões sensíveis encontram-se nela, e são elas que
me deixam sensibilizado. Em presença deste canto, não apenas esplendoroso e
belo, mas divino e lírico, deveria eu começar a dançar, procurando alcançar os
movimentos mais perfeitos, unindo-me a ele, tornando-nos um só. Seria sim a
atitude devida com o canto do silêncio, só eu o ouço, indicar-me-á os passos a
serem dados, a arte dos movimentos em consonância com a beleza,com o desejo do
belo.
Às vezes, como se é sabido, há coisas, que só um homem escolhe bem, só
ele sabe os sonhos de beleza, a sua sede de contemplação, os seus ideais mais
íntimos, as suas utopias e ideais musicalizadas na harpa das sentinelas da estesia
e esperança. Em presença deste canto lírico, tendo-o já dito, deveria começar
de dançar, e de olhos fechados buscar que ele me tome por inteiro, e assim com
a dança transcender a atmosfera deste mundo, mas prefiro estar sentado na
cadeira de sofá apenas ouvindo, deixando-o livre e espontâneo, deixando-o
tomar-me as emoções e sentimentos todos.Onde acharia eu iguais horas?
Ouvindo-o apenas, sem mesmo fazer um movimento com os pés, as pernas,
com o corpo, sinto a alegria que me invade, faz-me lembrar das cenas da peça
teatral a que assistira ontem, inspirada na Mitologia Grega, desde toda a
eternidade sou sim um apaixonado com os gregos, e por momento senti-me um
homem-deus, um homem a quem importa a esperança, o amor; faz-me pensar que o
homem só é digno de si, aquando se entrega a ideais humanos e sensíveis,
aquando, custe o custar, abre a Boceta de Pandora, deixando a esperança sair
dela, sobrevoar por todos os becos, alamedas, ruelas, montanhas, serras, por
todos os lares, por todos os íntimos. Não importa muito que Pandora a tenha
aberto e dela saíram todos os males, vieram a co-participar da vida humana,
importa que a esperança não tenha saído.Havendo a consciência, o conhecimento
de todas as desestruturas, desequilíbrios, perdições com os males que, saindo
da Boceta de Pandora, passaram a co-participar da vida humana, só restaria
abri-la, deixa-la mergulhar no íntimo. Aliás, fora o término: a Boceta é
aberta.
Sinto o entusiasmo que se apodera de mim, certo fogo particular, que não
posso extinguir, também não estou interessado em faze-lo. A verdade é que este
entusiasmo todo que se abre de quando em vez, nem sempre há espaço para a sua
presença no decurso do canto que o silêncio entoa para mim, aquando se encaixa
por inteiro nele, é tão expressivo, traduz sentimentos de êxtase... Chronos
ordenava a Terpsícore a dançar o canto do silêncio, o silêncio cantava dentro
dela. Os sonhos e esperanças brilham dentro do que trago em mim, como coisas
reais, lá muito ao fundo de outras fantasias e utopias, para exprimir dimensões
humanas, que não são apenas a esperança, o desejo do belo.
As imagens da vida brincavam em mim, dava-lhes asas, os olhos todos
estavam voltados para o tablado, onde acontecia o espetáculo, ninguém saberia
que as imagens da vida brincavam em mim, sabiam dos dramas humanos, a
decadência dos deuses, o desequilíbrio dos homens. Brincavam em mim, nos sonhos
mais profundos, nas vagas de entre as contemplações e as ansiedades.
Esqueceu-me a decadência, os dramas. Não me diziam respeito algum naquele
momento.
Meu Deus! Como é bonito este canto! Sinto-me capaz de sair a bailar por
todas as ruas, becos, alamedas, vielas, revelando todos os êxtases que se
apoderam de mim, sem ligar importância aos olhares de soslaio, nada mais é que
a insanidade completa e absoluta que reside em mim, não se trata de nenhum
canto do silêncio. Pensava comigo, após o espetáculo, deitado em minha alcova,
ouvindo a chuva que descia por toda a cidade, além da janela fechada, a cortina
cobrindo-a. Não sabia se cada pessoa que estivera no Teatro, assistindo ao
espetáculo, estariam a ouvir a canção que o silêncio entoara para Terpsícore,
que, enfim, era a canção de todos os homens, o silêncio sabe que canção entoar
para cada um. Os meus pobres olhos de sessenta anos, olhos sem parceiros na
terra, indo já a resvalar na angústia e desesperança, acharam em si algumas
fagulhas de estesia e esperança, assistindo à dança de Terpsícore, e naquele
momento em que, deitado em minha alcova, sentia-me o mais iluminado dos homens.
A noite, mãe caritativa, a chuva, irmã compassiva encarregam-se de velar
a todos os homens. Se nos seus íntimos não conseguem contemplar a esperança, há
muito que ela se esvaeceu, se nos seus corações não vislumbram o amor, se nos
seus ouvidos não ouvem a canção do silêncio, a solidão ri e fala a um tempo de
tudo e de todos. O mito de Diana descendo a encontrar-se com Endimião bem pode
ser verdadeiro, bem pode explicar esta imagem que se me revelou ao espírito. A
noite, a chuva descendo a encontrar-se com os sentimentos mais íntimos dos
homens, inteirar-lhes de seus desejos mais íntimos, sonhos e utopias mais
profundos. Descerem é que é demais. Que mal há em que os homens subam aos céus,
sobrevoem os horizontes, como as águias.
Para as despesas da vaidade, bastam-me os sonhos, que são inquietos,
convidativos, e só convidativos. Posso sim compara-los com um candelabro à
porta de um casebre em que não exista alguém. Se houver alguém, os sonhos serão
inúteis, fúteis.
Sonhei então que estava numa taberna, tomando um vinho, aquando se
aproxima de mim alguém, dizendo que Machado de Assis era um perfeito imbecil,
ignaro. Disse-o por haver percebido que estava eu lendo, enquanto tomava o
vinho. Respondi-lhe que seria, teria sido, um perfeito imbecil, ignaro, se
houvesse intitulado o livro “Victor”, ao invés de O Alienista. Não era este o
seu nome?! A menos que a placa dependurada à porta não tivesse nada a ver
consigo. Estava escrito “Taberna do Victor”. Saiu de perto de minha mesa,
pisando duro, não tivera qualquer resposta.
O candelabro à porta da taberna fazia parar toda a gente, tal era a
lindeza das cores, parava, olhava, decidia por tomar um bom vinho. Mas a
sensibilidade, a espiritualidade não existiam no interior da taberna.
Terminando o vinho, com um marca-páginas, fechei o livro, disse boa-noite,
fui-me embora.
Aquando Terpsícore dançava a canção do silêncio, a canção que o silêncio
entoava no seu interior, tergiversei o olhar para o público, desejei perceber
em suas fisionomias os sentimentos, prazeres, emoções, êxtases, que habitavam
seus íntimos, nada percebendo, quem sabe estivessem apenas analisando a
representação dos atores, e o que havia em suas entrelinhas, o questionamento
de nossas dores mais íntimas, os sonhos e ideais que se encontram perdidos,
esquecidos. O mais impressionante é que havia um grupo de adolescentes
conversando, sem prestar a mínima atenção ao espetáculo. Sorri, dizendo-me que
o medo e a fuga são sentinelas das idéias, dos sonhos, das utopias. Assim, é
que ouço a canção do silêncio, inspirado nestas sentinelas da estesia e
esperança.
Não acredito que as dores, os sofrimentos a que presenciei no íntimo,
olhando através do vidro do carro em que retornava a minha residência, sejam
mais verdadeiros que a canção do silêncio que me habitou o mais profundo de
mim, aliás, creio, foram eles que me conscientizaram ser verdadeira a canção
que ouvia, que ainda ouço nesta manhã, quase uma hora da tarde.
Todo este ritmo, melodia, notas soam bem aos ouvidos dos meus ideais,
sonhos, utopias. Tudo parece criado para os êxtases do espírito, da alma, da
sensibilidade. Miro e remiro o quarto solitário, torno às consolações da
esperança, à análise das notas, ritmo, melodia que me pedem que as viva com
todo o furor de minha alma, de meu espírito, não me pedem mais nada.
Em sintonia e harmonia com estes momentos curtos e profundos, ouvindo a
canção que o silêncio entoa para mim, vivo com serenidade durante largo tempo,
compreendendo, recebendo, resignando-me a tudo. Faço parte do verdadeiro mundo
e estranhamente tenho-me distanciado dos homens.
Milagrosamente vivo, liberto de todas as lembranças, recordações. Todo o
passado se esfumaça. E também o presente são névoas – a chuva que cai na cidade
desde anteontem cessara, a tarde está neblinada. A única verdade torna-se esta
canção que o silêncio entoa para mim. Todo o meu corpo e alma perdem os
limites, misturam-se, fundem-se numa só estesia e esperança, suave, lendo,
movimentos vagos.
É a renovação perfeita, a criação.
Manoel Ferreira Neto
(**RIO DE JANEIRO**, 21 de novembro de 2016)
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