**PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DE /**BO-TEKO DE POESIAS**, 24 de novembro de 2016 - VAMOS RIR A BANDEIRAS SOLTAS** - Manoel Ferreira
COSTELINHA DE RATO À BANANA
Bons dias!
Culinária é arte, das mais complexas, vale ressaltar, exige bastante
criatividade na feitura dos pratos, o mais difícil é agradar a todos os gostos
e paladares.
Há dias o meu cozinheiro, estando sentado à poltrona da cozinha,
fumando, esperando a pizza assar no fogão, vira um rato grande, gordo, uma
barriga daquelas – fosse um homem, teria de desabotoar a camisa até no peito, a
fim de poder respirar normalmente -, saindo de debaixo da geladeira, correndo
para debaixo do fogão. Nada esperou, pôs-se a capturar o bicho, o que não foi
difícil. Matou, abriu. Arranjou um prato inusitado, costelinha de rato à
banana. Chamou-me no escritório para degustar a sua nova criatividade na
culinária, o que o censurei asperamente, desde quando se come rato, e que
sandice era aquela de banana frita ao redor da costelinha, por acaso havia
ficado doido, maluco, louco varrido. Sorria cheio de piedade. E disse-me, com
um tom que jamais me há de esquecer: - Você fala mal deste prato, porque não
conhece a contribuição política na culinária.
Espantado, perguntei o que era isto de “contribuição política na
culinária”. Explicou-me com todas as letras os últimos acontecimentos
políticos, como a banana foi parar na emissora de rádio, numa entrevista das
mais polêmicas – correra ao seu aposento, trazendo-me um “pedacito” de jornal
com uma matéria intitulada Banana à moda de Machado de Assis, que um cronista
fizera questão de escrever acerca deste fato, o que não pude conter, caindo na
gargalhada -, como o político se viu envolvido numa teia de aranha
inextrincável com um discurso na tribuna envolvendo o rato. Não ficou nem a
beleza do discurso, apareceram os inconvenientes, a palavra “rato” fora
censurada na ata por determinação da autoridade superior daquela egrégia casa.
Por falar em discurso, na câmara, o orador refere-se a documentos que
traz, e, se lhe não convém lê-los, declara com esta simplicidade: - Não os
leio, para não fatigar a câmara, mas incluí-los-ei no meu discurso. No discurso
feito, o orador não pensou ser inconveniente dizer a palavra rato: “Espero que
as pessoas não saiam correndo daqui como ratos”. A boa regra é que o discurso
de um orador pertence-lhe; que ele pode fazer dele o que melhor lhe apetecer, o
que quiser, trocá-lo, ampliá-lo ou amenizá-lo. Lá pode meter o que quiser,
documento, cem documentos, cartas particulares, o Apocalipse, ou as beleza
arquitetônicas da Grécia. Se a constituição garante a propriedade das minhas
calças, que estão fora de mim, como não há de garantir a propriedade do meu
pensamento, a minha liberdade de expressão? Não é que seja mau ter um lugar na
câmara. Tomara eu lá estar. Não posso; não entram ali caixeiros-viajantes.
Poetas entram, com a condição de deixar a poesia. Votar ou poetar. Vota-se em prosa,
qualquer que seja, prosa simples, ruim prosa, prosa filosófica-teológica, boa
prosa, bela prosa, magnífica prosa, e até sem prosa nenhuma. O político não
trocou, ampliou ou amenizou, achou por bem rasgar os verbos, soltar as frangas,
sem qualquer pejo ou senso ético e moral.
Talvez houvesse sido melhor disparar um desaforo deslavado do que usar
essa palavra tão negativa, depreciativa. Um parlamentar de espingarda na mão,
há alguns que têm soco-inglês na pasta, ninguém ainda o concebe nem admite. Tome
o meu conselho, leitor, caso você seja também político: “Dispare uns
documentos, lidos de fio a pavio, mas guarde a palavra “rato” para outras
ocasiões mais convenientes; guarde a espingarda para caçar no mato, ou atirar
à-toa, no fundo do sítio, da fazenda, da chácara; não carregue soco-inglês na
pasta, é proibido por lei. Assim, você será mui considerado por todos, um
político de fibra e brios”.
Não estava sabendo destes episódios, quase não paro em casa, sou
caixeiro-viajante. Fora deste episódio que ninguém haverá de esquecer em nossa
comunidade que ele tirou a idéia do prato. Não sou pessoa que negligencie,
negue, recuse a verdade das coisas - em termos de contar a verdade das coisas,
o meu cozinheiro é realmente sincero e honesto –, quando as vejo bem ajustadas.
Com efeito, o prato de meu cozinheiro estava mesmo bem ajustado à patetice do
político, não poderia ele ser mais criativo.
Sentamo-nos à mesa, comemos saltitantes e risonhos a cada dentada na
carne do rato, na banana. Estava delicioso. Enquanto comia, pensava num título
bastante apimentado para uma crônica, conversaria com algum editor no sentido
de publicar, pagaria o quanto fosse, mas não podia de jeito algum deixar de
contribuir com a literatura, um artigo que seria lido por toda a comunidade,
artigo que chegaria à posteridade com a frescura da própria cor do orador,
quando pronunciara a palavra “rato”, vermelho como as chamas do inferno, como o
fizera o meu cozinheiro no prato. Memórias de um rato para troças remotas, era
muito comprido, não alcançaria os meus projetos.
Passamos a tarde inteira, meu cozinheiro e eu, conversando, trocando
idéias sobre a matéria que tinha em mente escrever. Chegamos a anotar numa
folha de papel ofício uns vinte títulos. Escolhemos este Costelinha de rato à
banana, por estar bem ajustado às circunstâncias e situações, às mensagens
filosóficas e políticas a todos aqueles que pleiteiam um assento bem
confortável nalguma cadeira da câmara ou da prefeitura.
E, reparando bem, nesta altura do artigo escrito, tendo levado já
quarenta minutos, está aqui o remédio a um dos males que afligem o regime
parlamentar: o abuso da palavra, do poder. Não é fácil, mas é possível.
Sou assim; não gosto de ver abusos da palavra, do poder, censuras
injustas e prefiro os métodos científicos. Meu Deus! Como estou poético! As
belas imagens saem-me da boca já feitas, à moda da fotografia instantânea.
Manoel Ferreira Neto
(*RIO DE JANEIRO*, 24 de novembro de 2016)
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