VERBOS DE JANEIRO PRIMEIRO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Sonhos...
Busco as águas longínquas de silêncio
Desejo os verbos de janeiro primeiro
O silêncio é sempre mais ou menos
Do que sonho dele,
Sou sempre igual a mim-próprio
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Águas e estrelas. Águas e lua. Abro as portas de
meu bosque verde e sombrio, desse bosque com cheiro de abismo onde corre água,
cristalinas águas, e nalgum lugar, por que citar o nome, quem o conhece, não
esquece jamais?, estas águas cristalinas descem de cascatas, nalguma gruta
águas pingam de “estalactites que descem/estalactites que sobem”. Aqui, junto à
janela, madrugada, três e meia da manhã, o ar é mais calmo, de onde imagino as
águas seguindo o curso nos rios de todos os lugares, de todos os verbos de
janeiro primeiro, em todos os lugares do mundo, exceto no deserto onde não é
lugar dela. Estrelas, estrelas, águas correndo em rios.
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Verbos de janeiro primeiro,
Tragam-me estéticas,
Conjuguem-me as verdades
Perfeitas, imperfeitas, mais-que-perfeitas,
Sonhadas sem pensar,
Pensadas sem expectativas.
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As palavras estalam entre os dentes em estilhaços
frágeis? Por que não me vem a chuva dentro? Quero ser água. Purificai-me um
pouco e terei a massa desses seres que se guardam atrás da chuva.
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A inspiração dói em todo o corpo. Mais um único
segundo e precisarei ser mais do que uma inspiração, ser cascatas de
cristalinas águas. Ao invés, quem lá pode saber se, de antemão e revezes, dessa
asfixiante felicidade, como um excesso de ar, sentirei cristalina a impotência
de ter mais do que uma inspiração, de ultrapassá-la, de possui-la – e ser
realmente água.
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Dá certo gosto estar com a janela aberta,
madrugada, iniciando outros verbos e janeiro conjugando as águas do mar,
regenciando os sentimentos do ad-vir, as estrelas no céu, o ar um pouco frio
entrando, deitando palavras ao papel, coisas que querem fluir na fonte
originária, por via da memória, da lembrança ou da reflexão. Que hei-de fazer
com os pobres olhos que assistem às letras sendo impressas na folha branca de
papel, as imagens sendo delineadas, buriladas, à busca da beleza, da estética,
de tudo o que me perpassa o espírito e tem sede de se tornar real, quando se
olharem ao espelho, vendo na superfície lisa a imagem refletida, não me tornei
a água, não a sou? Aos poucochitos, tomo na taça de cristal os verbos
metafísicos, constituição íntima das cousas, metafísica dos ideais, metafísica
das ilusões, metafísica do verbo de ser janeiro esvoaçante sobre as águas do
mar, na superfície das ondas deslizando o tempo, seguindo o itinerário para o
rio.
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Quem sabe a vida seja isto mesmo, imagens dentro de
outras imagens. O sucesso delas, serem apreciadas, serem semente de conquistas
futuras, de algo que súbito despertou a sede, e tudo o mais são buscas de a
saciar com a água, por mais que o acaso os teça e devolva, saem iguais no
tempo, quem sabe ao in-verso de invernos que me habitam, ao re-verso de
primaveras que floram sentimentos na floração das esperanças e sorrelfas, e nas
circunstâncias, nos invernos de in-versas ilusões, nas primaveras de ad-versos
perfumes das flores; assim a história, assim o resto.
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Eis como, com as metáforas, símbolos, imagens, as
cascatas de luzes cristalinas me habitam, o estilo de dentro em mim retratá-las.
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Um espírito vadio ou vazio, ou ambas estas coisas,
acha útil isto de estar escrevendo sobre algo que nunca será real, isto de me
tornar cristalinas águas, ser cascata, de ser verbos que janeiram os raios de
sol e as ondas banhando a praia. A intenção de mostrar que, muito embora, e por
gasconada, sem este sonho sou tolo, imbecil, o nada, em verdade, e é para não
ser nada que estou a sonhar, a partir de sonho, muita vez, difícil, muitas
dores e sofrimentos, decepções e desesperanças de ver as palavras impressas na
folha de papel branca, lida por pessoas; apreciam a estética, o estilo, a
linguagem, lembram-se, recordam-se de momentos felizes ao lado de íntimos e
amigos à beira de um rio, em cascatas, lagoas, mares, oceanos. Lembram-se e aí
o sonho se apresenta, novas conquistas, novos encontros e desencontramos, a
vida seguindo o seu destino que é a terra da liberdade.
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Trago euforia em mim dentro, assistindo às cascatas
de águas cristalinas em mim dentro, as lembranças, recordações.
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Creio não mais haver qualquer possibilidade de
distinção entre as águas e os verbos de janeiro primeiro. Se nem sempre são
fundadas... – o que? As águas? Quem, eu? Não o sei – em fatos reais, a
descrição de uma situação à beira do rio, da lagoa, do oceano, mas estes que dentro
em mim trago, embora não me seria possível esta intimidade se não houvesse
estado à beira de um, muita vez o é, e basta que seja fundado em experiências
reais, sem a identificação do lugar, e em que situação, para justificar as
outras que não foram.
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A causa secreta de não descrever a natureza, a
situação, não o sei. Quem sabe devido a algo que me escapa a olhos nus, com a
idade perderam a natural agudeza, perspicácia de detalhes e pormenores. A alma
soletra felicidade nova ou inesperada, quando me vem à memória a água
cristalina de Lavrinhas onde estive na mais tenra infância.
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Mergulho na imaginação e depois emerjo, como de
nuvens, das terras ainda não possíveis, ah ainda não possíveis. Daquelas que me
faltam o engenho e arte para imaginar, mas que são reais.
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Sonhos dentro de outros sonhos, dentro de outros
sonhos. Ando, deslizo, continuo... Sempre sem parar, distraindo a euforia que
me invade o peito por ter visto outras letras novas sendo realizadas, servem de
águas para saciar as sedes de conquistas, paz, felicidade, servem de
In-fin-itivos, Gerúndios, Particípios para o trans-curso do tempo nas
rodas-vivas das esperanças e utopias.
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Distraindo a sede cansada de pousar num fim,
primeiro as águas e as mensagens divinas, não foi por entre elas que Moisés
atravessou com o seu indigno povo em direção à terra da liberdade? não foi por
cima delas que Cristo andou? As silabas e termos que esperem.
#riodejaneiro, 01 de janeiro de 2020#
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