MEDO INTELIGENTE# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
A intenção é conhecer-me a mim. Procuro cansar-me
os desejos em vão. São nobres os sentimentos, emoções, a alma, modificando
poucochito os caminhos do homem - e estas modificações tornar-se-ão
meta-morfoses. Cada um de meus pensamentos, por mais multi-facelados se
encontrem, é um fervor, chama, latência, ardência. O íntimo entre-abre-se num
átimo de segundo num aconchego de luz. É a nobreza do desejo intenso alcance o
que o testemunho do mundo reflete na sua plen-itude. Imaginar as lágrimas, a
comoção, a alegria, e no fundo a conquista do espaço em meu interior.
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A escrita lenta destas palavras - fosse na fala
verbal, a explicação estaria consumada, alfim a dificuldade de concatenar as
dimensões sensíveis e as idéias é-me um desvario sem precedentes, agonia, quase
não falo senão as trivialiades... Ao menos ficam da amargura desta escrita
lenta a tentativa, o esforço com que arranco as palavras, com que arranco de
mim o que me habita, mesmo que daqui a minuto as atire fora, in totum inúteis,
nada disseram ou patentearam, como as que invocam metáforas, invoco a mim
próprio e me não é possível encontrar nada, até indago de mim mostrando sorriso
trigueiro nos lábios se em verdade a intenção é arrancar de cada palavra o
vazio, elencar cada um deles e performar a passagem célebre do tempo... Seja o
que for, se pode inspirar que inspire. As palavras são estrangeiras, mister,
sine qua non falar a língua delas.
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O medo que em mim trago neste momento desta escrita
lenta - vou debochar de mim com a data vênia das palavras: bicho preguiça, se
tivesse o dom da escrita, escreveria com mais rapidez - é inteligente. Medo
inteligente? Preciso elucidar isto com clareza e trans-parência. A constituição
inteira de meu espírito é de dúvida e incerteza, jurei pelas conchas à
beira-mar que daria a mínima para isto, a vida são dúvidas e incertezas, até
mesmo de eu ec-sistir. Nada é lúcido ou pode ser para mim; todas as coisas
giram ao meu redor, rodopiam frente aos olhos, todas as coisas oscilam, e, com
elas, uma insegurança comigo próprio. Tudo para mim é in-condizente,
in-congruente, in-coerente e transformação. Tudo é mistério e está repleto de
sentido, tudo é enigma e está entupigaitado de significado. Todas as coisas são
des-conhecidas, todas as coisas são in-visíveis, todas as coisas se escondem de
si mesmas, todas as coisas são simbólicas do Inter-dito, do Desconhecido, do
In-inteligível. Aí o horror, o tremor, o temor, o mistério, o medo inteligente.
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Pelas minhas tendências naturais, pelo ambiente que
me cercou a infância, pela influência dos estudos realizados, a compulsão pelo
saber e conhecimento, por tudo isso o meu caráter é do tipo intros-pectivo,
intro-vertido, circunspecto, in-teriorizado, concentrado, e isto explica a
escrita lenta de quando em vez tomo a pena. A minha vida tem sido sempre de
devaneios e sonhos, de dispersões e fantasias. O caráter consiste na
incapacidade que invade tudo quanto em mim existe, físíca e mentalmente,
angustiado, com sérios problemas, coxeio a perna direita em demasia, para as certezas,
as convicções, para pensamentos definidos. Novos pensamentos se inter-põem,
novas idéias se inter-ferem extra-ordinárias e in-excluíveis, de término
in-finito, de conclusões in-temporais e a-temporais.
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Ah, esquecia-me o caráter de minha mente!...
Primeira vez que ouso tocar neste assunto delicado. Tenho urticária de começos
e fins das coisas, assim é que detesto o efêmero, porque são pontos definidos.
O que mais me aflige é a idéia de que algum gênio ou mesmo um atoleimado
des-cubra solução para os mais elevados e mais nobres problemas de ciência e
filosofia. Sou louco, aquele louco que conceituam, denominam, definem
"manso", e isto de um modo difícil de conceber, e, se con-cebido,
difícil de ser con-sentido. Estremeço ao pensar quão conservo em mente as
coisas - a minha memória é indecente, inconsequente, imoral, guarda, armazena,
conserva tudo nos mínimos detalhes de minha vida passada. Eu, o homem que
afirma que o nada é travessia para o ser, sou menos do que o nada, e sendo
menos que ele como posso patentear esta travessia?
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Teci, após duas horas e meia, numa lentidão de
escrita inconcebível, inimaginável, estas palavras. Mergulho com grandes
gargalhadas. Há como nas obras célebres o passo da simulação e da
re-conciliação.
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Sirvo-me da espera do belo futuro, e o caminho que
a este conduz jamais se me afigura interminável, e por ele vou me deslocando a
passos lentos, comedidos.
#riodejaneiro, 16 de dezembro de 2019#
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