MORRER CUSTA - ONDE O PENSAMENTO CONSCIENTE É MAIS QUE PURA EXPECTATIVA, PURA INTERROGAÇÃO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
A fênix pôde renascer das cinzas, pôde escolher
entre a morte e a vida. Escolhera a vida. Glória tão simples, renascer das
cinzas, parece-me estranha. Outros dirão o que me falta é humildade, se se
preferir, a simplicidade. Porém, essa palavra, em suma, é ambígua. Semelhantes
àqueles bufões de Dostoiévski que se orgulham, se vangloriam de tudo, sobem aos
proscênios e terminam expondo a vergonha, a culpa toda, faltam-me apenas a
nobreza e virtude do homem que é a infidelidade a seus limites, o lúcido amor de
sua condição, o transparente sonho de sua natureza.
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Se devemos resignar a viver o frio e as paisagens,
o vento e cenário, a vida, enfim, e as felicidades que eles implicam, o mito de
Prometeu está entre os que nos farão lembrar que toda mutilação do homem não
pode ser senão efêmera e que ninguém mostra nada do homem se não o apresenta
por inteiro, o cenário e vento, as paisagens e o frio, as arquiteturas e a
solidão. O herói acorrentado, mesmo sob o raio e o trovão divinos, mantém
inabalável sua fé no homem. Assim, ele é mais duro que sua rocha, mais paciente
que seu abutre.
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Por isto morrer custa. Abrem-se as gotículas, com a
calma da boa consciência. Abre-se a esperança dos que iniciam, a vida
renova-se, crianças nascem, abrem os olhos, completam-se, visão aguça, enquanto
outras crianças vão nascendo e levam os nossos desejos que vão envelhecendo e
assistem à vida renovar-se. Abrem-se os sonhos de quem deseja amar, deseja
entregar-se à vida sem reservas, contemplar o que é isto ser feliz.
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Morrer custa!...
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O questionamento é o que estaria, em verdade,
acontecendo. Não acredito que algo neste nível surgisse de imediato, tomasse o
lugar imaginado e pensado ser conveniente, passasse a inter-ferir em todas as
outras dimensões, modificando as emoções, transformando os sentimentos,
aguçando a sensibilidade, sensibilizando o corpo. Sinto o inverno que toca a
pele, o corpo por inteiro, sinto-o perpassar a carne, ainda não o sinto nos
ossos. Será que, além dos ossos nunca emagrecerem, jamais sentem frio? Quem
dera venha a senti-lo nalgum tempo distante, nalguma janela aberta da pousada
Relíquia do Tempo, é a esperança que trago nas cinzas de quando nada sentia.
O que me lembro não tem face nem nome, é a estética
de um limiar indistinto, para anunciação da presença, alarme de uma aparição.
Num longe imaginado, passam os ventos em seqüência, o frio desliza sobre a
terra abandonada, uma voz de espaço ressoa a atenção minha lançada.
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Morrer custa!...
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Compreendo que esse esplendor, resplendor, êxtase
demasiado longos, infinitos nada oferecem à alma, sendo apenas um gozo sem
limites, sem fronteiras, sem reservas. Desejo então retornar às coisas do
espírito, fascinam-me, completam-me, e o desejo é de expressá-las em sua
pureza. Os homens desta terra têm coração e espírito, nisso residindo a força,
a decisão de serem livres, só alguns, não são poucos, contudo, vivem esta
esperança que lhes habita o íntimo, os outros não a quiseram alcançar, seguem
trilhas diferentes. Podem tornar-se amigos (e amigos excelentes!), mas jamais
serão confidentes de ninguém. Talvez seja uma peculiaridade, singularidade,
originalidade, que alguns julguem pernósticas e perigosas, cidade onde se faz
enorme consumo da alma e do espírito e onde a água das confidências jorra furtivamente,
ilimitadamente, por entre as fontes, serras, estátuas, jardins.
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O que me vem à boca e tem nome refugia-se na
timidez do silêncio, porque a voz que me fala transcende o passado, presente,
futuro, vibra desde as minhas raízes até ao termo, e terno, aí onde o
pensamento consciente é mais que pura expectativa, pura interrogação.
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Morrer custa!...
#riodejaneiro, 25 de dezembro de 2019#
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