O MAIS LONGE QUE SE DEVE LEVAR O DESEJO E A VONTADE# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
"À beira-mar a "odisséia proseada"
nos céus do Olimpo..." (Manoel Ferreira Neto)
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Busco na solidão - ou no "estar-só",
"ser-só"? - com que me deparo nesta manhã de após chuva noite
inteira, no silêncio que se me a-nunciou desde que abri os olhos, meus
sentimentos distantes, emoções à soleira da eternidade, pensamentos e idéias
perdidos em não sei que sendas, intuições e percepções em estado de
expectativa, alma e espírito dispersos na imensidão dos infinitos horizontes do
mundo, mas tão perto que posso senti-los vivos e presentes, posso senti-los
pujantes, posso sentir-lhes os êxtases e volúpias, vagam nas linhas curvas de
letras e frases curtas, longas, que não tenho qualquer pejo ou medo de mostrar,
id-“ent”-ificar, a-nunciar e re-velar, e mesmo que houvesse relutâncias não
saberia como evitar a presença – como existir pejo ou medo em incertas
palavras, inquietas letras, dispersas linguísticas e semânticas, se antes não
existissem em mim, se antes não fossem re-presentações do que em mim habita
profundamente, não fossem símbolos de desejos e vontades, não fossem signos de
esperanças e fé, não fossem metáforas dos sonhos e querências, não fossem
estilo e linguagem do outro atrás do meu eu? Isto é perfeitamente impossível,
isto é totalmente irrealizável, isto é ipsis litteris in-audível.
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Ser de avessos, sin-estesia
Sim de desejos puros, inocentes, ingênuos
Sim de idéias simples, humildes, verdadeiras
Estesia do sim, numinando espaços,
A lua olha de soslaio a distância da estrela
próxima
O espaço sideral vislumbra de esguelha os
relâmpagos
Que anunciam, primevas pers-pectivas da imagem,
A chuva niilista do apocalipse de divin-idades
absolutas,
As estrelas olham a proximidade da lua a versejar
Seus brilhos, desejando a luz uni-versal da verdade
A escuridão do uni-verso em plena desova das
trevas,
Aspirando a dialética da iluminação trans-versa às
ideologias,
Versando a escravidão de homens bêbados de boêmias
À luz das ruas áridas e íngremes de solstícios do
alvorecer,
À semi-luz das cavernas solitárias e silenciosas de
estalactites,
Cambaleando, tropeçando, caindo, arrastando nas
sarjetas,
À busca da canção executada na harpa da suprema
querência
Do sentimento da vida, enleado e entrelaçado à
espiritualidade
Do ser tempo no silvestre dos verbos do estar-aí,
Boêmios lúcidos à sombra das calçadas pectivando
As pers de suas solidões, silêncios, abandonos,
tristezas.
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Na imensa escuridão de minha alcova, na obscuridade
do temporal que descia do céu – não me lembra de no mês de março chover tanto
como agora, “águas de março fechando o verão”, assim o definiu o “poetinha”
Vinícius de Morais; não existem somente as águas de março, existem as do início
de setembro para as flores da primavera abrirem e extasiarem a alma, instigar a
busca da beleza eterna ou o eterno dos sentimentos e sensações da beleza, do
puro, do belo, alfim do divino; a primavera e o amor é que me inflamam, o
sublime e a amizade é que me enternecem, a verdade e a ternura é que me
sensibilizam. Que a um abismo irei ter, em vão percebo, e me rio aos toques e
retoques. Em vão atraco, e em vão ponho brida a esta selvagem paixão, a este
rebelde e irreverente devaneio (ou desvario?) -, meu coração se entristecia na
solidão, no estar-só, no ser-só, sentimentos de ausência, carência, falta
perpassavam o íntimo, no esquecimento da felicidade que já ia embora, no
olvidamento da alegria que já partia e acenava o incólume adeus.
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Meu ser vivia na escuridão da noite, meu ser vivia
na obscuridade do temporal, meu ser vivia no desejo, minha alma era uma
lembrança que existia em mim, eu não era qualquer recordação, eu era nada e
nada con-templava a manhã que se re-velava aos poucos, lenta e serenamente.
Quando abri a cortina e semicerrei a janela, o vento frio tocou no meu pálido
rosto, respirei amor, respirei carinho, respirei ternura, respirei o sublime
carinho e a eterna amizade, suspirei de prazer e alegria, suspirei de tantas
volúpias que me habitaram o íntimo, as pré-fundas de meu ser, o abismático
não-ser de mim, criei poesia a des-vendar o céu, as estrelas, o espaço sideral,
a des-velar as meiguices insolentes do inferno, a percorrer as florestas silvestres,
a sobrevoar os abismos, procurando intensamente a loucura de trazer a
sublimidade para junto de mim. Senti a maresia do mar - sentimento que não
entendi de imediato: por que o mar? Seria que à beira-mar compusesse a
"odisséia proseada" nos céus do Olimpo? Senti-me feliz, e a tristeza
é que ficou no esquecimento dentro da obscuridade, derretendo-se em chuvas,
caindo pelas estradas, sendo levada pela enxurrada, e esquecendo-se de mim, que
não lhe dei qualquer guarida, não compreendi os seus valores naquele instante.
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Do supremo repouso a hora nefasta soou, os sinos de
todos os domos de igrejas simples e humildes redobraram. A treva impenetrável,
densa, cresce em torno; e enche a noite da descrença, da desesperança, do
ceticismo a amplidão do deserto adusta e vasta.
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Que inquietação profunda, que desejo de outras
realidades, outros sonhos dentro de outros sonhos, de outros versos e
uni-versos, de outras coisas, de outros modos de estados de alma, de outros
estilos e sensibilidade!
#RIODEJANEIRO, 25 DE DEZEMBRO DE 2019#
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