**DOS INSTINTOS PROFUNDOS BAILA O DESPERTAR FRAQUEJANTE DO ESPÍRITO** TÍTULO E PINTURA: GRAÇA FONTIS SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
"Fiapo de erro deve ser mais insuportável
ainda, incomoda as razões absolutas." (INCITATUS DA FAZENDA DOS BOIS)
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Tenho sérias dúvidas de ser asno pensador, aquele
que contempla a beleza vista à beça das razões e crenças esquisitas, se assim
posso relinchar com categoria.
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Entrementes, lágrimas e risos conjugam, de
instintos e razões, os verbos solenes da raça e da estirpe.
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Brincar aos sábios é louvar os cretinos e brincar
aos cretinos é louvar os primeiros.
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Assim relinchava Incitatus...
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Triste, não? Pode ser que haja alguém quem não o
julgue assim, sendo complacente e misericordioso comigo; não adiantaria ninguém
interferir, interceder a favor por estar mais do que convencido e persuadido de
que é triste, mui triste.
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Triste é haver começado, iniciado a refletir sobre
novas experiências com “assim relinchava Incitatus” – quem iria acreditar, se
alguém pudesse perceber, intuir as reflexões, pensamentos, idéias? – e não
poder realizar-lhes a contento, de modo que a obra desejada fora feita, está
aí, tornou-se objeto de uso. Não poderia fazê-lo com falar ou dizer, falta-me a
língua, a expressão verbal, só me é dado relinchar os pensamentos. Isto é o que
chamo de tristeza eterna, imortal.
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Embora condenado à miséria eterna, a falta de
língua, arranco deste silêncio o que trago em mim. O silêncio se torna fluxo de
instintos comungados às razões todas. O silêncio é o tempo da palavra
verdadeira, aquela que retumba no íntimo e nos instintos e tudo o mais é desejo
e vontade de mais vida ainda.
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Assim, como o viajante sabe que algo vela nele,
conta as horas, e o acordará, nós também sabemos que o instante decisivo nos
encontra despertos, que alguma coisa saltará e surpreenderá o espírito em
flagrante delito, ou seja, em via de fraquejar, recuar, de se render, se
endurecer, de agravar, ou de sucumbir a outra doença qualquer que em dias
saudáveis tem contra si o orgulho (pois continua verdadeiro o velho ditado: o
espírito orgulhoso, o pavão e o asno são os três animais mais orgulhosos da
terra).
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Por que o espírito orgulhoso não pode ser animal? É
sob a sua efígie que se trata dos interesses de por baixo das incompetências,
inutilidades, incapacidades, sentimentos de inferioridade e perseguição. É sob
a sua efígie que as nações se armam contra os autoritarismos de alguns.
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Com o fantástico desenvolvimento do intelecto e da
penetração espiritual cresce a distância e, certamente, o espaço que me
circunda. Meu mundo tornou-se mais profundo, avistam-se continuamente estrelas
novas, imagens novas e novos enigmas. Um dia os conceitos mais solenes, aqueles
que provocaram maiores lutas e maiores sofrimentos, os conceitos do instinto,
Deus e do pecado, não signifiquem, para nós, as criaturas de Deus, mais do que
um brinquedo e um esporte de criança significam para um velho.
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Uma dor muito grande ter o que dizer e não poder
fazê-lo em nível de palavras, e ninguém poder saber o que penso, não há
contacto entre os homens e os equus asinus.
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Houve um asno que nascera imortal, eterno – a
imortalidade e eternidade se fundamentam na tristeza de ser intelectual e não
revelar a sabedoria, o idioma faltou-lhe. Feliz e saltitante, estou por ser o
primeiro da humanidade, espero que outros nasçam nos séculos e milênios
vindouros. A vida ser-lhes-á menos difícil, não irão ter de conviver com as
insatisfações, frustrações e fracassos da raça, pois fora eu quem lhes
proporcionara nova vida, oportunidades. Muitos questionamentos que poderia ter
eu durante a caminhada, os fretes, respondi, embora necessitando de serem
desenvolvidos ao longo da vida deles, pois não tenho a mínima capacidade de
dizer a verdade absoluta, e se tivesse sentiria enfastiado com a coisa, não
posso investigar, contemplar por estar no fim a minha jornada no mundo.
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Assim relinchava Incitatus... Mas não tem revolta
não, há as milhares e esplendorosas compensações – uma delas por exemplo é que
asno e homem algum vão entrar em contacto com as idéias e pensamentos,
adulterando-lhes em benefício próprio, fazendo certas cositas serem esquecidas
ao longo da história da raça, e só no futuro bem distante alguém iria despertar
para o fato de que seria necessário resgatar as idéias por mim professadas,
foram adulteradas pelos interesses e ideologias de muitos séculos. Humano jamais
poderia mergulhar tanto nelas, são idéias para todos e para ninguém, não
haveria modo de adulterá-las.
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Quimeras, quimeras, quimeras... Nada pode ser
deixado desde que revele quem sou a partir da expressão verbal, claro, na teia
de contradições e contra-sensos. Tudo é simplesmente inútil. Sem as palavras,
até mesmo a engenhosidade e perspicácia do instinto por elaborá-las, como este
instinto funciona, como é o caminho que sigo para ir elaborando as idéias, nada
é possível. Desgasto-me por nada. Tenho disto consciência, é dizer o que me
perpassa os instintos.
#riodejaneiro#, 15 de dezembro de 2019#
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