#SEM PEIAS NEM INSTINTOS# GRAÇA FONTISD: PINTURA Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA
Bons
dias!
A
imbecilidade não é uma virtude que, em sua prática quotidiana, nos moldes
espirituais e contingentes, eleva o homem às antípodas de todos os horizontes e
uni-versos, garante-lhe os reconhecimentos e considerações os mais di-versos,
torna-lhe sui generis aos olhos da vida, mundo e criaturas de Deus, coloca-lhe
em mãos feitas concha o desfrute do paraíso celestial. Ser virtuoso não tem
qualquer valor, nada significa, se significa, é o nada nu e cru, absoluto.
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Sê-lo é
possuir carteirinha de atoleimado, a sua apresentação nas necessidades de
mostragem da identidade, caráter e personalidade é sinal transparente de homem
alienado. A imbecilidade é mais que isso, transcende a essa idéia que, a custo
de alguns minutos e muita reflexão fui capaz de registrar, apesar de que,
sinto, estar faltando alguma coisa nela para de-fini-la, de torná-la categoria
das mais solenes e verdadeiras; a imbecilidade são o espírito e a alma que
habita o homem, com ela não há qualquer necessidade de reflexão sobre as
atitudes, pecados, arbitrariedades, condutas e posturas, buscar a superação
para atingir a espiritualidade e viver no paraíso celestial, ela já é tudo
isso, se espremer os miolos, ultrapassa esta idéia, aliás, bem chinfrim,
considerando a rigor a sua profundidade, o que ela pode legar à vida. A
imbecilidade é o húmus – ou devo dizer a raiz da verdade? – da esperança de ser
homem, e a hipocrisia, que fora antes a luz com seus raios multicolores para o
desejo de outras realidades as mais di-versas, é agora o sublime, perene,
absoluto da vida. O imbecil nas suas veredas sinuosas, passando pela
hipocrisia, fazendo alianças com as farsas e falsidades de toda espécie,
atingiu a supremacia da raça e laia.
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Enquanto
o hipócrita chora pelos seus limites, incapacidades de encontrar a
imbecilidade, a vida ser a eterna busca dela, de vivê-la em todos os níveis, de
vivenciá-la com alegrias, prazeres e felicidades, naquela dúvida e incerteza de
algum dia ser possível, de jamais sê-lo, a monotonia ek-sistencial, o imbecil
ri de orgulho, poder, enfim com muitos esforços e lutas lhe fora dado esta
oportunidade de desejá-la, querê-la, e conseguiu real-izá-la com eficiência; é
a lei do mundo, é a perfeição uni-versal. Tudo chorando seria monótono, tudo
rindo, cansativo; mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e
sarabandas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o
equilíbrio da vida.
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Não vades
crer, caríssimo leitor, que a dor do hipócrita é mais verdadeira que felicidade
do imbecil; são iguais em si mesmas, em todos os ângulos que se observar e
inter-pretar, os efeitos é que são di-versos. A felicidade do imbecil deu em
nada; a humilhação sofrida por não se contentar com a hipocrisia, por não
acreditar já ser um valor absoluto em si mesmo – o homem jamais está satisfeito
com o que tem, com o que é -, querer ser mais, entregar-se de corpo e alma à
busca da imbecilidade, que é a virtude solene e pomposa, debulhou-se em
lágrimas legítimas. E, contudo, não faltou ao homem ímpetos de estrangular
aqueles que se contentaram com o simples. Calcar o hipócrita aos pés,
arrancar-lhe o coração aos pedaços, dizendo-lhe na cara os nomes crus que em
verdade merecem foi a alternativa. Não sei dizer se tudo isso não passa de
inveja do hipócrita por aqueles que são felizes com a imbecilidade que vivem,
vivenciam, experienciam, vice-versa. Tudo imaginações! Crede-me: há tiranos de
intenção.
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Escutai a
cantiga alegre, brilhante, com que os imbecis descem a montanha, dizendo as
coisas mais íntimas ao céu de nuvens brancas e azuis, ao sol de raios
brilhantes, por todo dia e, à noite, às estrelas, espécie de rapsódia feita de
uma linguagem que ninguém jamais alfabetou em todos os séculos e milênios da
humanidade, desde a Idade da Pedra Lascada até a modernidade, por ser impossível
achar um sinal que lhes exprimam os vocábulos. Cá embaixo, as ruas desertas
parecem-lhes povoadas, o silêncio é um tumulto, e de todas as janelas
debruçam-se vultos de caras bonitas e grossas sobrancelhas para lhes ver
passar, rirem deles com empáfia. Ouvi o som da lira que dedilham os hipócritas,
som lindo, sereno, um bálsamo para o espírito, subindo a montanha, o peito
arfando de desejos de no cume dela possam sentir verdadeiramente o que é ser
imbecil, o que a imbecilidade lhes proporciona de alegrias e felicidades, as
real-izações de seus sonhos e utopias que lhes tornarão poderosos, espíritos
puros. Os olhos freqüentes, depois fixos, os modos, os requebros, a distinção
de sentar ao pé da lua, à mesa do banquete dos deuses, de lhes dizer a lua, ao
pé do ouvido, sussurrando, coisas afáveis.
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A boa
alma do hipócrita explica a contradição entre a aparência da virtude, a verdade
da hipocrisia, depois, fica aterrada com a idéia de que pode a vida fechar-lhe
a porta, pois que ele é sempre desejos de superação, necessita ser um imbecil
hipócrita, um hipócrita imbecil, isto é que a perfeição, e cortar-lhe
inteiramente as relações com as coisas e objetos. Depois, torna às consolações
da esperança, à análise das ações e atitudes que vivera ao longo da vida, pensa
ser tudo em vão, só sofrimentos e dores, só angústias e tristezas, o imbecil é
que é feliz nesse mundo sem fronteiras e cancelas.
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Não
posso, não devo, vou dizendo a mim mesmo, não é bonito ir adiante com estas
considerações intempestivas. É verdade que, a rigor, não sou autor delas; o
homem é que, desde muito, me anda desafiando para registrá-las, pois que não
tem este dom, este talento, seja eu o porta-voz desta verdade sua, urge que o
mundo inteiro a conheça, que se lhe entregue de corpo e alma, é o a-núncio do
“novo homem”, da “nova vida”, virtude, aos moldes clássicos e eruditos, é
conversa-pra-boi-dormir, a verdadeira virtude é a comunhão da hipocrisia e a
imbecilidade. Pois que desafie agora que tomei da pena para satisfazer o seu
rogo, súplica, pedido.
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Confuso,
incerto – não me julgo, não sou nem hipócrita nem imbecil, sou virtuoso aos
moldes clássicos, as facilidades da modernidade não me extasiam -, vou a cuidar
na lealdade que devo ao homem, mas a consciência parte-se em duas, uma
increpando a outra, a outra explicando-se, e ambas mais que desorientadas, mais
que botina perdida de bêbado hipócrita e imbecil.
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A lua é
magnífica. No morro, entre o céu e a planície, a alma hipócrita, audaciosa, é
capaz de ir contra um exército inimigo, e destroçá-lo. A alma imbecil, menos
ousada, é capaz de con-sentir nas arbitrariedades e gratuidades dos amigos e
cúmplices, até mesmo inspirar-se neles para amadurecerem mais a imbecilidade
que lhe habita, e engrandecê-la. As estrelas são ainda menos lindas que os
olhos do hipócrita extasiado com as verdades que conseguiu estabelecer e
instituir em sua vida, tornando-lhe outro homem e indivíduo, e nem sabe mesmo o
que elas sejam; Deus, que as pôs tão alto, é porque não poderão ser vistas de
perto, sem perder muito da formosura... Estão ao seus pés, grandes, luminosas,
mais luminosas que o céu... Não há como não exclamar a plenos pulmões que a
hipocrisia é o bem maior que pode habitar as pré-fundas da alma humana. À alma
imbecil, para as despesas da vaidade, bastam-lhe as ad-mirações colhidas pelas
palavras ridículas, idéias insossas, pensamentos de jegue que enfim perdeu a
ferradura, encômios recebidos, e a tal ponto que se vêem ridentes, inquietos,
convidativos, o uso da imbecilidade acomoda-lhe às circunstâncias, que ela
acabou gostando de ser vista, muito vista, para recreio e estimulo dos outros.
Podemos comparar a hipocrisia e a imbecilidade à lanterna de uma hospedaria em
que não haja cômodos para hóspedes. A lanterna faz parar toda a gente, tal é a
lindeza da cor, e a originalidade dos emblemas; pára, olha, anda. Para que
escancarar as janelas? Escancara-as, finalmente; mas a porta, se assim podemos
chamar ao coração, essa estava trancada e retrancada.
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Já são
muitas as idéias com que esboço este tributo à imbecilidade e à hipocrisia, são
muitos os sentimentos que nutro pelos imbecis e hipócritas – o leitor vai
precisar ler, reler, degustar este vinho precioso aos poucos, ao longo de sua
vida, quotidiano, relações com os homens, as coisas e objetos, assimilando-os
com simplicidade e objetividade. São idéias demais; em todo caso são poeira de
idéias – menos que poeira, pensará e sentirá o leitor. Mas a verdade é que este
olho que se abre de quando em quando para contemplar as hipocrisias e imbecilidades
da modernidade, que se extasia, brilha intensamente, de quando em vez, para
ad-mirar os hipócritas e imbecis, para fixar a montanha que descem, dizendo
palavras as mais lindas e maravilhosas por haverem sentido de verdade a
imbecilidade pura em si mesmos, são conscientes mesmo de lhes habitar, os
hipócritas que sobem a montanha, esperando no topo dela vivenciem, vivem a
imbecilidade, podendo sentar-se à mesa do banquete dos deuses, parecem traduzir
alguma coisa, que brilha lá dentro, lá muito ao fundo de outra coisa que não
sei como diga, para exprimir uma parte ásnica, que não é a causa nem as
orelhas. Pobre língua humana!
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Afinal,
refestelo-me na cadeira de balanço ao lado esquerdo de minha mesa de trabalho,
tirando uma soneca, não me fora fácil registrar o que os homens rogaram,
imploraram, suplicaram sobre a hipocrisia, imbecilidade, hipócritas e imbecis
que são, de modo a eternizar-lhes, eles que tornaram este mundo mais plausível
de nele habitar, esta vida uma verdade inconteste. Então, as imagens da vida
brincam em mim, sono, vagas, recentes, farrapo daqui, remendo dali.
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O homem
nasce despirocado, des-conectado, louco de pedra, com os instintos de
trans-gressão das leis, dogmas, preceitos, morais e éticos, princípios à flor
da pele, mas, no passar do tempo, a sociedade lhe vai mostrando os pingos nos
iis, para que sobreviva é preciso, em primeira instância, seguir o rebanho,
rebanho de ovelhas alucinadas pelo poder, pelas glórias, para que viva fazem-se
mister aceitar e ad-mitir hipocrisias, farsas, falsidades, aparências,
entregar-se ao dinheiro, aos bens materiais, pois que são a semente e o húmus
da vida, sem eles nada é ou será. Curar a loucura, doidice com hipocrisias,
farsas, falsidades, aparências... quê supremo valor este da Trans-modernidade!...
Os gregos são por increça que parível lógicos e simples; pelo menos durante o
longo e maravilhoso tempo que existiram não se aborreceram com isso; a lógica
parece-lhes necessária como o vinho à medida em que deve ser degustado puro e
sozinho.
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E o
doido, ensandecido com a morte, aquele medo horroroso de morrer doido e haver
passado a vida em negras nuvens ou vendo coronavírus até nas misteriosas
correspondências, isto é um vírus e altamente poderosa a sua capacidade de
pandemia, tragédia - se é que doido sabe o que é isto, a morte, se distingue as
negras e brancas nuvens -, assina a papelada da lealdade e fidelidade, através
do beijo molhado nas páginas, das digitais, não sabem ler ou escrever, sem ao
menos haver atinado com tudo que a sociedade canta, decanta, declama, recita
por todos os cantos e re-cantos. Um cadáver de louco é um belo pensamento para
o verme e o verme é um pensamento horrível para o louco vivinho da silva. Os
vermes, desde a essência que lhes habita os interstícios, âmagos e redutos
sonham com um reino celeste sob a forma de um corpo bem gordo, os professores
de psicanálise, psiquiatria procuram o deles, o reino celeste, remexendo as
entranhas de Schopenhauer e enquanto houver roedores haverá também um paraíso
de roedores, morcegos são roedores, ratos também o são.
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O simples
fato de se per-mitir, con-sentir sua loucura, haver nascido louco, é em si uma
confissão. Todos tem o direito de escrever a própria biografia desde nascer
doido até o seu conserto, até a sua cura, depois dos quarenta anos. E já que a
paráfrase de Jean-Jacques Rousseau se mostra desde o início, parafraseemos
outra coisa: "Não acredite nos loucos depois dos quarenta, estão
perfeitamente consertados e curados", que foi, digamos assim, um lema dos
anos 60: "Não acredite nos homens depois dos trinta anos". De fato,
mesmo o mais louco está por vezes no caso de ter vivido algum segundo de plena
sanidade mental, de ter visto de perto o que é isto de maria-vai-com-as-outras,
os benefícios que traz, as glórias que recebe, coisas que para um pensador de
escol pode parecer algo de precioso e digno de atenção. Confessar a própria
cura da sandice despirocadamente louca é desde a eternidade ao infinito mais
pretensioso, pois, isso supõe que o louco que confessa sua cura com as verdades
da sociedade confere importância não somente ao processo que vai do nascer
pirado até a insustentável leveza da normalidade, mas também ao que acreditou e
acredita ser o seu conserto, a sua cura. Sabia subtrair-me a todas essas
coisas, a custo de grandes sacrifícios e nisso residia a força e virtude, nisso
era inflexível e incorruptível, nisso meu caráter era firme e retilíneo. Só que
a essa virtude estavam intimamente ligados sofrimento e seu destino
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Há-de se
indagar, questionar, perguntar se há dois seres exatamente iguais, o louco e o
normal, e que a lei da di-versidade individual fundamenta toda a evolução do
homem desde o seu nascimento psiquicamente des-virtuado até o ápice do filisteu
instruído. E neste âmbito da cachuleta despirocada, creio que poderia sem
quaisquer pejos dizer que o mal dos homens é que preferimos ser arruinados pelo
elogio a ser salvo pela crítica. Convidai um louco para jantar: irá pentelhar
todo o tempo com um silêncio proscrito ou então com questiúnculas desincadas.
Convidai o louco a um baile e haverá de dançar como um camelo que corcoveia.
Levai um louco a um espetáculo e bastará seu aspecto para silenciar o povo que
diverte, espairece as idéias, obrigando os organizadores a retirá-lo, como
ocorreu com Catão que não conseguiu se desfazer de seu ar carrancudo.
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Mas qual
é a idéia da sociedade que cura o louco?: "Age como se não houvessem
diferenças individuais."
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Quando
abro os olhos, esqueço de tudo, valores, virtudes; tenho em mim uma expressão,
que não digo seja melancolia, para não agravar o leitor. A razão não pode ser
outra senão que a melancolia da paisagem está nos homens, enquanto que
atribuí-la a essas páginas é deixá-la fora.
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Considero
hipocrisia tudo o que não está de acordo com os sentimentos verdadeiros que
habitam a vida; considero imbecilidade tudo o que não é verdadeiro em mim, o
que não é autêntico e original, simplesmente uma fuga da vida.
Adeus,
imbecil, hipócrita – o que me pedistes, rogastes, implorastes, aqui está
registrado, esperando que satisfaça as suas necessidades, sacie a sua sede de
ser compreendido, entendido, mate a sua fome de eternidade e imortalidade.
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Não
conteis a ninguém o que acabo de lhe confiar, se não quereis perder as orelhas.
Calai-vos, guardai, e agradecei a boa fortuna por terdes por amigo um homem que
tem o dom de registrar os vossos méritos de hipócritas e imbecis. Hei de
compreender-me no futuro, se não o fizestes ao longo de vossas leituras,
análises e interpretações. Foi preciso colocar-me refestelando na cadeira de
balanço para terdes em mim, serdes vós quem registra e não eu.
#RIO DE
JANEIRO, 27 DE MARÇO DE 2020, 13:28 p.m.)
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