CINZAS DO ÓCIO GRAÇA FONTIS: PINTURA Quinzinho de Parafusos a Menos: SÁTIRA
Antes até que não seja por inteiro entendido,
gostaria de apresentar o sentido em que me ocupo para falar a respeito das
cinzas do ócio, conhecimento, inclusive, que irá proporcionar esclarecer
mistérios e enigmas que, porventura, estejam envelando, mas isto é apenas uma
estratégia, um modo de tripudiar as inteligências, tudo está muito claro, muito
específico. Jamais me fora dada, legada, doada o saber a razão de associar
cinzas do ócio com a genialidade, esta que tem inestimável aptidão para a
paciência, o ócio é o que mais expende o tempo para se tornar cinza.
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Há momentos em que não se é possível apresentar
argumentos que invalidem as desconfianças, as hipóteses, não são desconfianças,
não são hipóteses, são as verdades mais nuas e cruas, algo assim muitíssimo
interessante é que são os débeis que primeiro percebem e vêem, é a oportunidade
que têm em mãos de mostrar não são débeis, não são dementes, são inteligentes,
são perspicazes, são sábios, e não há quem consiga isto negar ou negligenciar,
para todo o sempre será, mesmo que ninguém aceite ou endosse por delicadeza e
gentileza.
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Se é verdade que se pode acreditar a fênix renasce
das cinzas, pode-se também acreditar, sabendo como irei apresentar, que o
sentido em que me inspiro é relevante, assaz importante para haver insinuado no
espírito com louvores à sua beleza, e ter a alguém dito como é esplendoroso
entregar ao fogo tamanhos encantos, e ainda lhe encarecer a constância e a
coragem.
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Encarecer a constância e a coragem de que ou de
quem?! Se de imediato não revelo o que estou entendendo por ócio, o sentido
dicionarizado, o sentido que os ignaros e imbecis normalmente entendem, estando
sim equivocados, mas o equívoco alimenta e protege as intenções mais
perspicazes, é que estaria de um modo covarde e suspeito agindo, entregando o
riso aos ouros, se assim posso dizer, referindo-me a perder a graça de durante
toda a leitura quem lesse, quem ouvisse, quem não importa, estar a buscar o que
entendo, estaria enganado quanto ao seu, o sentido que atribui à palavra
“ócio”, estaria equivocado, mas isto seria assumir o equívoco, e este protege
as intenções mais perspicazes, seria um cínico, seria um falso, seria um homem
vil e estúpido. Obrigaria a este leitor/ouvinte a reler, se obra, pena, não
houve a gravação na emissora de rádio; lendo a obra, não conseguiu ainda
destrinçar, deslindar, não conseguiu ainda livrar-se do sentimento de que é a
sua imagem ali refletida.
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Tendo demonstrado nestas ainda poucas linhas do
prazer e deleite que será chegar ao fim, começa-se e não vê terminar, um
espetáculo de linguagem, de estilo, de forma, de conteúdo, de inteligência e
perspicácias, sem deixar de lado a sabedoria, com que o tema do ócio fora
desenvolvido, um requinte de construção e numa linguagem até certo ponto suave
e meiga, dócil e compassiva, sem esconder interesses espúrios, sem tripudiar e
sem dissimular, algo assim muito translúcido.
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Então, se apresentasse de imediato o sentido que
estou entendendo aqui por esta preciosidade de intenções e desejos, de êxtases
e volúpias, aquando estando a buscar compreender a condição humana, os
sentimentos mais sutis nas vilezas e hipocrisias, ninguém iria desejar roer
primeiro as suas carnes frias, refiro-me aos vermes. Tendo demonstrado a
sensação do fogo por causa da linguagem e por vaidade, falo longamente, de modo
a fazer-me amar um pouco a vida e chegando até a inspirar alguma benevolência
por aquilo que me falta.
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Linguagem até certo ponto suave e meiga, dócil e
compassiva... Linguagem que queima as entranhas, as dores e sofrimentos
atrozes, um medo sem limites e uma vontade enorme de ultrapassar os limites,
revelar-se por inteiro, mas há algo que lhe falta para esta ultrapassagem, para
este conhecimento de tão tamanha negligência, tão grande sentimento de culpa e
responsabilidade, tanta vileza e mal-caratice. Afinal de que mesmo está
dizendo? O que é tão horroroso assim? O que há de demência? Que atitude é esta,
enfim, que torna qualquer homem um nada, até dele próprio é capaz de rir, um
idiota completo e absoluto, um “bobo-da-corte” como se é costume dizer. Não
revela, e quem sabe nem revelará, encherá sua linguiça, têmpero o mais
requintado encontrado no mercado estrangeiro, mostrará seus argumentos de
estilo e criação, e ninguém saberá. Fica a critério de cada um deslindar seus
mistérios, suas dores mais ocultas, suas cicatrizes, seus pitis e achaques.
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A alegria de um homem venturoso seria uma ofensa
sem precedentes, aliás, a título de uma ironia aos senhores doutos quem de
imediato intuem e percebem os pormenores mais sutis, inclusive lembrando de que
até o presente instante não apresentei o que entendo por ociosidade, não sendo
mesmo uma idiotice, mas figurará como a única frase de um único parágrafo ao
final, como entendo que alguém, lendo, terá sua volúpia e êxtase de retornar ao
início, relendo, e fará isto inúmeras vezes por causa dos deleites espirituais
e sensíveis de seu espírito e de sua alma, entrega-se a contemplar os arbustos
que, apoiando-se um no outro, fortalecem-se contra a tempestade.
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Isto de acariciar a serpente até que ela haja
engolido o coração não é atitude, não é desejo de alguém, além de estar sendo
engolido, enquanto acaricia, ouviria os risos de quem assiste à cena, e isto
seria intolerável de assumir, tem de assumir, ficará no mundo apenas a imagem
do imbecil que estava sendo. Não acredito também noutra coisa, se haveria
alguém quem tenha horror à própria existência e apega-se a ela. Não há quem
algo neste nível assumiria assim de mão-beijada, como diz o vulgo e os doutos, nestes
assuntos são mestres, doutores, com extrema facilidade, até mesmo desconfiando
se houve algum equívoco outro.
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Jamais falaria de minhas desgraças, dos sofrimentos
de toda a minha vida, do que fui obrigado a passar com algumas pessoas, os
traumas e conflitos que habitam a minha alma. Esta ridícula fraqueza de se
abrir com as pessoas sobre coisas muito íntimas é quem sabe um dos pendores
mais funestos: não creio haja algo tão tolo quanto carregar continuamente um
fardo que sempre se quer lançar por terra. Fé... crença... sei mais lá o quê...
o ócio e o prazer maiores da vida são o livre uso de mim mesmo, sou e
represento no mundo.
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Expor-me no mercado literário, isto nunca. Se se
revela possível agora dizer algo que exista nesta entrelinha, se for verdadeiro,
direi com todas as letras, inclusive sugerindo que a palavra seja separada em
sílabas por hífens, assim fica bem explícito o tom e a densidade da voz com que
é pronunciada, com que é escrita: “Ver-da-dei-ro”, como o fiz com alguém em uma
correspondência, preocupando-me em escrachar com a ortografia, assim suscitaria
que estivesse bêbado, na verdade escrevi bem confortável à mesa de minha
residência: “Ca-na-lha”.
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Cada palavra que pronuncio neste monólogo, para
mim, quem está sentado à cadeira de sofá em sua alcova, domingo à tarde, algum
resto de sanduíche de pão com queijo, chapado, um copo de suco de limão capeta,
adoro, que sabor mais sutil e provocante; para quem porventura estivesse a
ouvir-me, uma conversação que acumula prodígios sobre prodígios, a alma inteira
coando na ponta da língua, atenções perspicazes da audição, fulgurantes os
olhos que contemplam as palavras, que as lêem, sem o suco de limão-capeta,
quase ninguém suporta, conheço alguém que chupa como se estivesse chupando qualquer
outra fruta, estrala a língua de tanto prazer. Há gostos para tudo. Sou eu quem
chupa, estralo a língua de tanto prazer.
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Referia-me a apresentar o sentido do termo “ócio”,
não me tendo ainda dignado a fazê-lo, pois que está sendo construído nas entrelinhas
das palavras, está se revelando em todo o seu êxtase e volúpia, desejando
servir a ambos os lados, ter um reino no céu e outro no inferno, livre acesso
de um para o outro, nestas ou naquelas circunstâncias e situações, mas
suscitando muitos sofrimentos contidos na alma, o desejo de liberdade plena e
absoluta, de sobrevoar com a imaginação todos os horizontes, todas as montanhas
verticais que se erguem como muralhas, só sendo possível descê-las por
perigosos precipícios, mesmo assim é uma aventura esplendorosa, exigindo apenas
perspicácia e destreza, qualquer deslize não sobrará nem a alma para registrar
os fatos e acontecimentos.
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Se está sendo elaborado desde o início, se este
sentido já se encontra delineado e burilado, restando apenas que a última
palavra seja falada, justificaria sim que o fizesse. Daí em diante, falado,
seriam sim as interpretações, cada um chegando a este ou aquele ponto de vista,
passando os anos, os séculos, os milênios, estas e aquelas interpretações, e
sempre suscitando outras... Talvez tenha sido esta a intenção com este monólogo
ou conversação, não sou quem isto decide, talvez tenha sido este o interesse em
permanecer não dizendo o que entendo por este termo “ócio”, e com ele sendo
capaz de suscitar nos íntimos muitos mistérios e segredos, e se ele se dispõe a
averiguar será com quem se encontrará, o encontro será consigo, a imagem
refletida no espelho é dele próprio.
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Se encarecido a constância e a coragem de que ou de
quem?
Seria sim necessário apresentar a que esteja
porventura desejando suscitar, mas é a bem da verdade que a busca insaciável de
conservar a tensão do mistério, a tensão dos encontros e desencontros,
prendendo a atenção de quem ouve ou de quem lê até ao final. A constância e a
coragem disto elaborar e burilar com arte e engenhosidade. Encarece a
constância e a coragem tal atitude, tal perspicácia com a linguagem, com a
destreza em colocar as palavras em seus devidos lugares, suscitando
interpretações muitíssimo variadas, um mergulho profundo nas melancolias,
nostalgias, nas idéias tristes e desconsoladoras. Torna-se alguém quem conhece
os liames de sua sensibilidade, os interstícios da criação, da intuição, da
percepção. Nos espíritos onde florescem as artes, os homens são devorados de
mais inveja, de mais cuidados e inquietações do que experimentaria alguns
outros de suas misérias e cinismos.
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Até havia me esquecido do sentido que atribuo ao
termo “ócio”, interrompi-me por um instante, tomei o último gole de suco de
limão-capeta. Surgiu-me que “ócio” significa:
“trabalho mental ou ocupação suave, agradável”.
#RIO DE JANEIRO, 25 DE MARÇO DE 2020. 20:46 p.m.#
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